Bem-vindo, caro delfonauta, à nova trilogia de Pensamentos Delfianos. Ano passado falamos sobre sexo. Desta feita, o assunto deste e dos próximos dois números desta coluna (que sairão nas próximas semanas) serão, de alguma forma, a nossa língua pátria. Então vamos nessa.
É relativamente comum eu fazer comparações com outros países quando reclamo do Brasil aqui na minha coluna. Só que, quando eu faço isso, é porque realmente conheço as coisas de que estou falando nos outros países. Por exemplo, eu já fui a shows no exterior e sei que lá as minas não sobem nos ombros dos caras, pelo menos não tanto quanto aqui. Também já fui a cinemas fora das nossas fronteiras e sei que os estrangeiros conseguem ficar 90 minutos sem mexer no telefone.
Contudo, admito que todas as escolas que freqüentei estavam situadas dentro de nosso país tropical. Portanto, não posso afirmar com absoluta certeza se este é um problema do nosso país ou do mundo. Isso, afinal, é irrelevante. Quando eu dominar o mundo, faço as mudanças globais necessárias, mas por enquanto vamos nos ater ao sistema educacional brasileiro.
Não, delfonauta, não vou falar aqui de coisas clichês como “o governo não investe em educação”. Até porque como estudei toda a minha vida em escolas particulares, não sou a pessoa mais indicada para falar sobre o ensino público. Mas isso não significa que escolas conceituadas estejam acima das críticas e, por mais que seu corpo docente seja bom, TODAS pecam no aspecto mais importante: o conteúdo que são obrigadas a ensinar.
Todo mundo já ouviu dizer que “nada do que você aprende na escola vai ser usado depois”. Isso é praticamente um consenso. Todo adulto fala isso, então por que raios ninguém faz nada para mudar? Ao invés disso, ficam fazendo mudanças de nomenclatura, como se chamar o colegial de ensino médio fosse tornar o brasileiro academicamente mais culto.
Fato: da forma que está, tirando a alfabetização e as quatro operações básicas de matemática, todo o resto que aprendemos da primeira à oitava série é completamente inútil (ou pelo menos não me lembro de mais nada que use no dia a dia). Do colegial em diante, o ensino dá lugar a uma preparação para o vestibular, como se todo o resto da sua vida dependesse daquela tarde de domingo que você passa fazendo a maldita prova. Não, delfonauta que está passando por essa crise no momento. Relaxe, o vestibular não é assim tão importante quanto fazem parecer.
A maior parte do conteúdo passado nas escolas deveriam ser cursos opcionais. E não me refiro àquele “opcional obrigatório” das faculdades, onde você tem que escolher duas das quatro disciplinas oferecidas. Refiro-me a opcional de verdade, faz quem tiver interesse, quantas delas quiser e só se quiser. Acontece que boa parte das coisas dadas no ensino pré-faculdade consiste em assuntos ridiculamente específicos, que pouquíssimas profissões utilizam e ensinar isso é justamente o papel da faculdade em questão. Mas vamos por partes, vamos pensar nas coisas inúteis que fazem parte da nossa vida educacional.
Educação Física
A melhor descrição de educação física veio do cérebro de Jerry Seinfeld e é mais ou menos assim: os dias que tinha essa aula na escola eram muito estranhos. Começava normal. Matemática, biologia e tal. Mas depois você entrava num universo paralelo semelhante ao Senhor das Moscas onde os outros meninos ficavam jogando bolas em você, enquanto você lutava para sobreviver pendurado em cordas ou saindo correndo. E depois tudo voltava ao normal e tinha geografia, química, etc.
É exatamente assim que funciona. Da forma que está, educação física é basicamente uma disciplina onde aprendemos a fazer exclusão social, que exalta a testosterona dos moleques e incita a competição, brigas e humilhação dos mais fracos. Sem falar nos esportes inúteis que somos obrigados a praticar. Eu tive que passar meses da minha vida jogando handball. Handball, cacilda! Quem realmente joga handball no Brasil? E ainda tinha queimada, possivelmente um dos esportes mais estúpidos e cruéis que existe (ao lado, claro, de boxe), pois consiste simplesmente em tentar machucar o máximo possível as pessoas do outro time, de preferência mirando na cabeça, com o intuito de tirar sangue (o que era incentivado pelo professor) ou no saco, com o intuito de impedir a reprodução do seu alvo.
Educação física é a disciplina opcional por excelência. Você não tem que obrigar um cara que gosta de xadrez a jogar futebol, assim como ninguém obriga quem gosta de futebol a jogar xadrez. Tudo bem incentivar a atividade física, mas incentivar é diferente de obrigar. Isso não pode ser algo que realmente pode reprovar alguém. Ah, e de preferência, sem humilhações públicas. Afinal, se um cara não é humilhado pelo professor de matemática porque não consegue resolver logaritmos (e o professor em questão seria despedido se fizesse isso), por que não tem problema se é humilhado pelo de educação física porque não consegue fazer gols ou porque não quer tirar sangue dos colegas durante um jogo de queimada (e nada acontece com o docente em questão)?
Matemática
Essa é importante, até certo ponto. Sim, realmente as quatro operações básicas são essenciais e talvez também a regra de três, mas qualquer outra coisa na vida adulta é resolvida com o auxílio de uma calculadora, o que torna quase todo o conteúdo da disciplina em questão necessário apenas para quem vai seguir carreira na área (e, portanto, deveria ser aprofundada apenas nas faculdades específicas). Ou vai dizer que, em algum momento da sua vida, você já pensou que precisava resolver um logaritmo? Ou uma equação de segundo grau? Eu, pelo menos, nunca precisei calcular um Delta desde minha última prova de matemática. Essa matéria simplesmente não faz sentido nenhum. Matéria exata é o caramba, matemática é a coisa mais abstrata que existe e a única coisa que vai me fazer mudar de opinião é se algum dia, para calcular a conta do restaurante, eu precise descobrir o cosseno do meu hambúrguer. Como isso não vai acontecer, para mim ela é muito mais fantasiosa do que a Terra-Média. Afinal, você pode visitar a terra de Tolkien nos jogos de RPG. 😉
Física
Essa é uma que desde o começo grita “faculdade!”. Sim, física com certeza é importantíssima no mundo moderno. Mas para pessoas que realmente vão usá-la! Para a maior parte de nós, é completamente irrelevante saber calcular em que ponto dois trens que vão em direções opostas e em velocidades diferentes vão se cruzar. Para nós, basta saber quanto tempo o trem vai demorar para chegar no seu objetivo. Isso sem falar a estúpida exigência de decorar as fórmulas! Cacilda, um moleque de quinze anos que não sabe de cor a fórmula para transformar graus Kelvin para Fahrenheit pode repetir de ano, mas duvido que um físico levasse sequer uma bronca que seja por esquecer uma fórmula. Ele simplesmente consultaria um livro e problema resolvido. E eu já falei isso para meu professor de física do colegial. Curiosamente, ele não conseguiu responder (contra fatos não há argumentos), mas continuou exigindo a decoreba.
História
Essa, sinceramente, me parece uma conspiração para fazer a escola ser chata. A história mundial é cheia de intrigas, reviravoltas, planos absurdos visando a dominação global, guerras épicas, heróis, mártires e, é claro, grandes vilões. Todo o necessário para ser melhor e mais emocionante do que qualquer livro ou filme hollywoodiano. E MESMO ASSIM, consegue ser uma das matérias mais maçantes de que se tem notícia! Como diabos isso é possível? Só pode ser proposital, fala a verdade!
Para começar, a péssima escolha de material já prejudica a matéria. Eu, por exemplo, cheguei à quinta série ansioso para estudar Grécia e Egito, mas ao invés disso, ambos foram abordados em apenas uma aula e todos os outros anos pré-colegial foram gastos com argumentos furados tentando me convencer de que o Brasil foi descoberto por acidente. Ah, sim, e com a Revolução Francesa. Claro, até acho importante entendermos como o capitalismo surgiu, mas pô, foi na Grécia que o CONHECIMENTO surgiu. E, na minha modesta opinião, o conhecimento é mais importante que o capitalismo, já que o segundo não existiria sem o primeiro.
Literatura
Literatura é arte e, justamente por isso, nunca consegui entender porque me obrigavam a ler Mário de Andrade e não me obrigavam a ouvir Beethoven ou a ver quadros de Monet. E convenhamos, eu aprendi muito mais lendo Asterix e Homem-Aranha por vontade própria do que lendo aquela porcaria chamada Macunaíma para fazer uma prova (curiosamente, se eu tentasse escrever sem vírgulas nas provas de português, como o autor em questão fazia, tirava notas baixas). O pior é que tudo que eles obrigam a conhecer é chato. Alguém que consiga ler até o fim o maledeto A Relíquia, do Eça de Queiroz, e não ficar com raiva do autor e de sua viril ferramenta lusitana realmente é um herói. Acho que a única coisa que a escola me obrigou a ler que eu gostei foi Machado de Assis – e esse eu realmente recomendo. É uma pena que não obriguem a ler coisas legais, como Douglas Adams ou Júlio Verne. Mas eu sou contra você obrigar alguém a ter contato com a arte, então mesmo se esses livros caíssem no vestibular, eu ainda estaria escrevendo este tópico. Arte tem que ser voluntária, tanto para criar quanto para ser apreciada. Abordarei melhor este tema ainda nessa trilogia de PD’s.
Geografia, Biologia, Química e afins
Você alguma vez já precisou saber qual é o tipo de vegetação predominante no nordeste? Ou conhecer o ciclo reprodutivo da Tênia? Não! É claro que essas coisas têm sua importância, mas não somos todos que precisamos saber disso. Mais uma vez, matérias de faculdade.
Inglês
Uma das coisas mais importantes para a vida adulta é também uma das matérias mais subestimadas das escolas. Para aprender inglês, você precisa fazer cursos extras, pois dificilmente a sua professora vai ensinar algo além do verbo to be. Aliás, todas as professoras de inglês que tive na escola sabiam menos do que eu e, inclusive, chegavam a tirar nota das minhas redações quando eu usava expressões que elas não conheciam como “I felt like doing that” (uma das campeãs em ignorância de professoras).
Não dá para negar que é extremamente importante saber inglês. Talvez (ao lado do próximo tópico), seja a única coisa que aprendi na escola que eu uso absolutamente todos os dias da minha vida. E não é só porque a minha profissão exige que eu saiba inglês para poder entrevistar artistas internacionais. Praticamente todas as profissões hoje em dia (tirando as focadas em trabalho manual) precisam de inglês, nem que seja para pesquisar coisas de outros países ou que não estão disponíveis na nossa língua.
E mais, mesmo fora do ambiente profissional, eu acabo usando esse conhecimento todo dia. É isso, por exemplo, que me permite comprar DVDs que não saem no Brasil ou assistir a filmes sem legendas (já que as traduções costumam ser toscas) ou mesmo acompanhar sites de outros países, já que o jornalismo cultural tupiniquim, tirando raras exceções, definitivamente não me apetece. Por tudo isso, inglês é uma das matérias mais essenciais da escola e deveria ser tratada como tal. Só não digo que é a mais importante pois a próxima ganha este troféu – e também é muito subestimada.
Português
Absolutamente a coisa mais importante que aprendemos na vida. Não tem como escapar, você vai usar português todos os dias para o resto da sua existência (a não ser que mude de país), então é melhor aprender logo. E direito. Infelizmente, é também uma das matérias que mais sofre por ensino errado. Ao invés de ensinar as pessoas a falarem e a escreverem corretamente, gastam tempo e energia obrigando os alunos a decorarem regrinhas inúteis e sem nenhuma aplicação prática. Por exemplo, eu sei que a palavra português é acentuada, mas não faço idéia do porquê. E isso não é necessário, desde que você saiba reconhecer quando o acento se aplica. Eu também não sei explicar a diferença entre verbos transitivos diretos e indiretos, mas sei usá-los melhor do que muito professor por aí. E isso é o que realmente importa.
O mais triste é constatar que, mesmo usando a língua todo dia, a maior parte dos brasileiros é composta de analfabetos funcionais. E isso afeta mesmo a elite intelectual do país, já que constantemente recebo e-mails de professores de faculdades falando coisas como “Oi Carlos” (o correto seria “Oi, Carlos” – isso se chama vocativo) e morro um pouco por dentro sempre que leio uma coisa dessas. Aliás, se isso já dói quando vem de alguém que ainda nem chegou ao colegial, você pode imaginar como sofro quando quem comete o erro é um indivíduo com pós-graduação.
Isso denota a grave falha no ensino da nossa língua e a absurda falta de foco que considera mais importante um aluno saber justificar uma vírgula do que realmente usá-la. O problema é tão grave que já cheguei até mesmo a pensar em colocar no meu currículo que tenho português fluente (afinal, conheço apenas mais umas três ou quatro pessoas para quem realmente concederia esse adjetivo – é uma habilidade realmente rara), mas acabei desistindo por não botar fé na inteligência brasileira para apreciar esse tipo de humor irônico e sutil (que seria tão bem-vindo na Inglaterra). Provavelmente iam deduzir que eu era estrangeiro ou algo do tipo.
Aqui cabe um esclarecimento: existe uma grande diferença entre “saber escrever” e “escrever bem”. Uma pessoa que sabe escrever é alguém que tem capacidade de passar frases para o papel sem cometer erros de português. Uma pessoa que escreve bem é aquela que, além de saber escrever, é capaz de organizar suas idéias e pensamentos e passá-los para a palavra escrita, fazendo um texto interessante e de fácil compreensão (de acordo com seu público alvo, já que um texto médico não precisa ser entendido por um advogado e vice-versa), que prenda a atenção do leitor e que o leve a compreender seu raciocínio e o ponto que está defendendo sem deixar dúvidas, independente de concordar ou não.
Uma analogia com a matemática para ficar claro: saber escrever é o equivalente às quatro operações básicas. Escrever bem é o equivalente a equações, logaritmos e todas essas coisas que ninguém além de quem trabalha com isso sabe dizer exatamente para que servem. Trocando em miúdos, todo brasileiro tem a obrigação de saber escrever, mas escrever bem já é uma habilidade avançada e necessária apenas àqueles que têm na palavra escrita sua ferramenta de trabalho, como jornalistas, publicitários, poetas e assim por diante.
Se você precisa de exemplos, volto à falta de vírgula no caso do vocativo supracitado. Meu lado radical diria que esse é um erro inadmissível a qualquer pessoa que aspire receber o título de alfabetizada. Uma análise de cabeça fria, contudo, não concorda com isso, já que poucas são as pessoas que conhecem tudo da língua portuguesa (e eu definitivamente não sou uma delas). O que me irrita nesse caso específico é que não se trata de algo sutil, é facilmente perceptível em qualquer leitura e, além disso, em alguns casos, muda completamente o sentido da frase. Mesmo assim, é comum vermos essa vírgula faltando na mídia (lembro de um pôster do Sin City que dizia “Você vai adorar amor”, fiquei sem entender por alguns minutos e só depois me toquei que o que ele queria dizer era “Você vai adorar, amor”), em trabalhos acadêmicos e até na literatura. E isso é inaceitável.
Por outro lado, se você tem obrigação de saber usar o vocativo, organizar idéias e opiniões através da palavra escrita já é outra coisa completamente diferente e é possível ser alfabetizado sem ter essa habilidade. Não entenda estas críticas como um “eu sei tudo de português” ou algo assim. Na verdade, tem muitas coisas que eu não sei graças a esse ensino deficiente, mas estou constantemente tentando melhorar e, sempre que encontro um errinho, por mais sutil que seja, em qualquer matéria delfiana, o corrijo imediatamente.
CONCLUSÃO
Ok, já falei sobre o problema, mas o que eu sugiro para resolvê-lo? Bom, para começar, a maior parte das matérias deveria ser passada para as faculdades específicas. Isso faria com que a escola pré-faculdade fosse composta basicamente de português, inglês e matemática (todos com mudanças sérias de conteúdo para torná-las mais atraentes e mais aplicáveis no dia a dia). Isso abriria muito tempo vago e, a partir daí, teríamos dois caminhos e acho que os dois vão gerar polêmicas aí na seção de comentários por serem bem fora dos padrões. De qualquer forma, não é por ser um robozinho que pensa exatamente como todos os outros veículos que o DELFOS se tornou conhecido.
– Caminho 1: as janelas que se abririam poderiam ser preenchidas por coisas realmente importantes para o dia a dia. Talvez educação política, aulas de sociabilização e coisas do tipo.
– Caminho 2 (e o meu preferido): com a diminuição das matérias, o ensino básico termina bem mais cedo e o aluno fica livre para começar sua educação superior, ou seja, suas faculdades. Sim, no plural. Isso eliminaria aquele estúpido sentimento de que a escolha do curso vai ser a decisão mais importante da sua vida, pois todos teriam a possibilidade de fazer mais do que uma (e, conseqüentemente, ter contato com mais de uma profissão, mesmo que na teoria) até chegar à idade de começar a trabalhar. Assim chegariam à idade adulta mais bem preparados para exercer seu papel na sociedade e com um conteúdo muito mais importante para sua vida do que o que temos hoje ao terminar a escola. Até porque dificilmente uma pessoa vai escolher cursar coisas muito díspares como Física Quântica e Jornalismo, a não ser, é claro, alguém que seja generalista ou queira conhecer opções bem diferentes. A maior parte acredito que já teria uma idéia mais próxima do que deseja e faria cursos mais próximos, como eu, que fiz Publicidade e Jornalismo. A criança/adolescente pode não ter maturidade para escolher o que vai fazer para o resto da sua vida, mas sabe muito bem do que gosta ou do que não gosta. Eu, por exemplo, sempre (desde que tenho memória) tive a mais absoluta certeza de que minha profissão seria na área de humanas.
Se você tiver outras opções ou mesmo outras idéias sobre o assunto, o espaço para comentários é todo seu. Voltamos semana que vem, com a segunda parte da trilogia e, como toda segunda parte de trilogia, prepare-se para o texto mais sombrio. O dia que a matéria será publicada eu não vou dizer, pois assim fica mais emocionante. 😉