Nota: O texto abaixo foi escrito em oito de novembro de 2005, na época do referendo sobre o desarmamento, como um trabalho de faculdade. Ao relê-lo, em 2007, percebi que a discussão que ele apresenta ainda é válida e, portanto, resolvi reproduzí-lo aqui, aproveitando que ainda estamos em clima de eleições. Boa leitura!
A sociedade se alimenta do espetáculo ou a sociedade é um espetáculo? Tudo é uma desculpa para se fazer um show. A toda hora vemos algo como o Live Aid, ou seja, um show realizado para arrecadar fundos para alguma outra coisa. E ainda temos os “Teletons”, programas que monopolizam a programação de um determinado canal durante um bom tempo para ficar pedindo dinheiro para os espectadores. Sim, é verdade que aqui o nome Teleton é usado para o programa anual que visa arrecadar fundos para a AACD, mas sua origem, em inglês (Telethon), se refere a simplesmente um tipo de programa, ou seja, uma maratona na Televisão. E, obviamente, além do Teleton da AACD, temos muitos outros Telethons na programação televisiva tupiniquim. Isso não é algo atual, já que essa “técnica” de usar algo para conseguir outra coisa já é velha.
O assunto aqui não é Teletons, mas campanhas políticas que estão cada vez menos políticas e mais campanhas, no sentido publicitário do termo. Como algo tão sério e com tantas conseqüências em potencial para o nosso país como o referendo para o desarmamento fica reduzido a um show?
Nunca as campanhas políticas (se é que podemos chamar essa assim) haviam sido tão ridículas, com coisas como “Tal pessoa famosa vota sim”. E a quantidade de artistas que apareciam na TV, normalmente na campanha do “sim”, beirava o absurdo. Isso se deve ao fato de que o mote do “sim” era algo como “Sim, sou a favor da vida”. Conseqüentemente, quem era a favor do “não” era pró-violência. E que artista vai querer ter sua imagem sendo associada à violência?
Curiosamente, parece que tudo que existia de ideologia e de motivações de ambos os lados, bem como as interessantes discussões que isso podia gerar, ficou em segundo plano, dando lugar ao espetáculo, a artistas que não têm nada a ver com a história falando coisas completamente irrelevantes. E o pior, o povão acredita neles. Como se os artistas fossem especialistas na área e realmente tivessem algo de interessante ou mesmo de relevante a dizer sobre o assunto.
Há alguns anos, uma revista semanal teve uma capa com uma frase como: “Desarmamento? Tomara que não esqueçam de avisar os bandidos”. Sem entrar no mérito de isso ser ou não o bom jornalismo imparcial, pelo menos essa capa levanta uma questão mais relevante: a proibição das armas vai diminuir a violência em assaltos? Todos sabem que não. Nenhum ladrão compraria uma arma legalmente. Chega a ser até engraçado pensar em uma pessoa com uma roupa tipo a dos Irmãos Metralha preenchendo um formulário e na parte “motivos para querer o porte de arma” respondendo “Assaltos”.
Claro, o desarmamento teria outras boas conseqüências não relacionadas aos assaltos. Por exemplo, em uma briga de trânsito, teria uma possibilidade bem menor de um matar o outro, supondo, é claro, que nenhum dos dois já fosse previamente um assaltante/assassino que carrega uma arma ilegal.
Mas nada disso foi debatido ou apresentado. Tudo se resumia ao espetáculo. A rostinhos famosos, campanhas de acusação dos dois lados e muito, mas muito show. Clipes, músicas, pessoas bonitas. Víamos de tudo nas campanhas, menos um debate sério apresentando os prós e os contras de cada lado.
Mesmo nos debates televisionados promovidos por alguns canais, o espetáculo esteve acima do bom senso. Assisti a um, particularmente, onde alguns políticos a favor e alguns contra iriam apresentar seus argumentos. Achei que poderia ser interessante e me ajudar a tomar uma decisão, então resolvi assistir.
Alguns minutos depois do início, o debate já tinha desandado para um festival de acusações. “Pois tal deputado é um coronel” e “Tal deputado é contra a liberdade” eram alguns dos argumentos apresentados na discussão. A coisa foi completamente para o lado pessoal e, em muitos momentos, o mediador nem conseguia (ou não queria) manter uma organização. Fato: polêmicas vendem, então provavelmente aquele debate foi um sucesso. Não me ajudou a tomar a decisão, mas fez com que eu consumisse meu valioso tempo livre assistindo a ele e, conseqüentemente, aos anunciantes que compraram espaço lá. E isso é o que interessa. E se eu usar errado o meu voto? Ora, quem se importa, desde que eu gaste meu tempo assistindo aos “shows”?
Mesmo nas campanhas políticas propriamente ditas, a política é rebaixada a segundo plano. Lembro-me bem de um trecho do programa do Lula na época do segundo turno que era apenas um videoclipe. Uma música bonitinha, com uma letra poética que falava sobre esperança enquanto as imagens mostravam pessoas felizes, sorrindo e passeando no parque com suas crianças. No fim, é claro, o logotipo do Lula, grande, glorioso. Com certeza o Duda Mendonça assistiu ao Triunfo da Vontade (para quem não sabe, considerado por muitos um clássico do cinema e a melhor propaganda política que existe – o curioso é que ele divulga o nazismo).
Foi-se a época em que era necessário ter um bom plano político para ganhar uma eleição. Hoje, basta ter dinheiro para contratar um publicitário melhor que o dos outros. E, de preferência, sobrar um pouquinho para convencer artistas a fazerem uma ponta nos clipes. Eles nem precisam votar no político em questão, pois dinheiro é mais importante do que ideologia há tempos. Afinal, se todos os políticos são praticamente iguais, a diferença entre eles se torna apenas cosmética. Então, já que TEMOS que votar e TEMOS que escolher o “menos pior”, vamos votar naquele que fizer o clipe mais bonitinho e com mais pessoas famosas. E quem se importa se, quatro anos depois, o Brasil estiver ainda pior?