O Rock e a Sociedade do Espetáculo

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Venha bater cabeça e homenagear o Rock com a gente:

Top 5: Solos de guitarra: Bulululu éééééonnnn nhéon nhéon nhéon (isso é uma onomatopéia de um solo).
Como ser um metaleiro true: Um guia prático para os verdadeiros descendentes de Odin.
Top 5: Bandas fofas: O Cyrino escolhe os ursinhos de pelúcia do Rock. Hum, isso saiu meio esquisito…

As primeiras edições dessa coluna, não por acaso, trataram do mundo da música, mais especificamente do Rock. Contudo, após alguns textos, senti que tinha falado tudo que queria sobre o assunto e decidi explorar terrenos mais sérios e mais importantes. Este ano voltei a abordar esta forma de arte tão apaixonante, no geral mostrando o lado negro do Metal e do seu público, por motivos que qualquer leitor inteligente consegue entender muito bem. Contudo, agora decidi voltar a ele para mais uma reflexão à moda antiga sobre o não tão maravilhoso mundo do Metal e do Rock.

Para começar, quero deixar claro que o conceito da Sociedade do Espetáculo não é meu, mas de Guy Debord, que publicou um livro com esse título em 1967. Não quero me estender sobre isso, portanto vou apenas dizer resumidamente que a Sociedade do Espetáculo é onde coisas banais são transformadas em grandes eventos. Tipo casamento de celebridades, manja? Pois então, eu vou partir daí para desenvolver o meu próprio conceito, o de que o Rock é a música oficial da Sociedade do Espetáculo.

O Rock e o espetáculo sempre andaram lado a lado. De Jerry Lee Lewis chutando o banquinho do piano a Jimi Hendrix colocando fogo na guitarra, das maquiagens do Kiss ao discurso True Metal do Manowar, o Rock pode ter muitas utilidades, mas nunca abre mão do show. Nem mesmo quando aparenta abrir mão dele. Mas isso demorou a acontecer. Comecemos do começo.

Quando o Rock começou a derivar do Blues, como você bem sabe, os primeiros músicos eram negros. Logo, o capitalismo (e não pense que eu sou daqueles caras que quando fala de capitalismo já começa a criticar, estou apenas me referindo ao sistema econômico vigente) percebeu a possibilidade de lucro mas, diante de uma sociedade estadunidense racista, que não ouviria músicas cantadas por negros, decidiu investir em um branco bonitão, que dançasse como os negros e cantasse exatamente as mesmas músicas. Surgia o rei do Rock, Elvis Presley.

Isso acontece até hoje. Gravadoras e demais empresas do ramo do entretenimento têm pessoas contratadas para tentar descobrir indivíduos que são pioneiros em determinadas manifestações culturais. Quando descobrem, dão um jeito de levar isso para o mainstream. Assim, a cultura surge espontaneamente, mas só se torna realmente popular quando é apoiada pelas grandes empresas. E, como conseqüência disso, deixa de ser cool e logo a indústria tem que procurar por novas manifestações espontâneas. Isso é perfeitamente representado em um documentário chamado Merchants of Cool, que eu realmente recomendo para quem se interessa pelo assunto (indústria cultural e tal). Mas voltemos à nossa história do espetáculo no Rock.

Pelo que sei, a primeira banda a levar o espetáculo realmente a níveis extremos foi o Kiss. Eles sempre diziam que queriam se tornar a banda que gostariam de ver, mas é impossível para nós saber se isso realmente é verdade ou se eles simplesmente perceberam a tendência pela qual o Rock estava seguindo e decidiram explorá-la. De uma forma ou de outra, foi uma sacada genial, pois se o Kiss pode não ser exatamente o que os membros da banda realmente queriam ver, sem dúvida era o que os jovens da Sociedade do Espetáculo demandavam naquele momento.

Para começar, a maquiagem e a persona de cada um deles já diferenciava a banda de todas as outras da época. Como se isso não os concedesse destaque suficiente, se especializaram em fazer típicos espetáculos de circo nos shows, começando com coisas mais baratas, como Gene Simmons cuspindo fogo. Conforme a banda crescia, iam crescendo também as coisas que faziam no palco, chegando ao ponto até de dar óculos 3-D para a platéia (como aconteceu no último show que deram no Brasil – o que era completamente inútil, já que se você podia ver a banda naturalmente em 3-D no palco, por que colocaria óculos para ficar olhando para o telão?) ou mesmo de tocar com uma orquestra. Para bandas como o Scorpions, que flertava desde seus primeiros álbuns com a música erudita, tocar com orquestra era uma evolução natural. Para o Kiss também era, mas por outro motivo, e esse motivo era o simples espetáculo de estar no palco ao lado de uma orquestra. E melhor ainda se essa orquestra se maquiar como a banda.

Somado a todo o espetáculo visual envolvendo o Kiss, nada mais natural que o estilo escolhido pela banda fosse inicialmente o bom e velho Rock ‘n’ Roll. Logo, percebendo que o Hard Rock seria o herdeiro definitivo da diversão e da festa que monopolizava os primórdios do Rock, nada mais normal que fossem, aos poucos, migrando para ele. Por outro lado, as letras do Kiss sempre foram uma constante, e tratavam dos assuntos mais pertinentes à Sociedade do Espetáculo: sexo, diversão e festas. Claro, a genialidade da banda em perceber e fazer tudo isso seria inútil se eles não conseguissem permear todo seu pacote com melodias pegajosas e refrões capazes de mover estádios. Eles foram capazes de fazer isso com maestria e assim se tornaram uma das maiores bandas da história da música.

A sacada do Kiss também se estendeu nos anos 80. Com o surgimento da MTV, o Hard Rock explodiu em sua vertente mais Pop, cheio de refrões bonitinhos e músicos galãs que faziam as menininhas se apaixonarem (vide Bon Jovi). Percebendo isso, o Kiss eliminou a maquiagem e alterou seu som para se adequar ao que os jovens da época ouviam. O resultado foram músicas e clipes como Crazy Nights (não por acaso uma das que mais gosto da banda) e Forever, sem falar de mais milhões e milhões de dólares nos bolsos de Gene Simmons, Paul Stanley e quem quer que estivesse tocando com eles no momento. O Alice Cooper é outro bom exemplo de gênio que soube explorar a tendência, embora o Kiss tenha levado essa exploração a seus extremos, sobretudo pela quantidade de merchandising e produtos relacionados à banda, que vão de camisinhas a caixões.

Diante de tantas bandas coloridas e com músicas fofinhas, era óbvio que boa parte dos jovens oitentistas se manifestariam contra isso. Como a Sociedade do Espetáculo poderia reagir? Ora, apresentando um outro tipo de espetáculo. E assim surgiram as bandas do “outro lado” do Hard Rock: o lado feio, pesado e agressivo. Essa manifestação foi capitaneada principalmente por três grupos: W.A.S.P., Twisted Sister e Mötley Crüe.

Todas essas bandas tinham um apelo visual óbvio, mas ao contrário de bandas como Van Halen, Bon Jovi, Poison ou Warrant, sua maquiagem tendia a algo mais grotesco e feio (Twisted Sister), vampiresco (W.A.S.P.) ou até mesmo com temas satânicos (Mötley Crüe), tudo uma rebeldia de boutique criada às vezes pela banda, às vezes por empresários (e às vezes até pelos dois juntos). O som dessas bandas também não trazia coraizinhos e melodias fofinhas (ou, pelo menos, não tanto como nas outras), mas era igualmente pegajoso e divertido. Suas letras mostravam um lado mais rebelde e mais machão, falando de coisas como motos, velocidade e coisas mais “do mal”, ao contrário da outra corrente, que costumava focar suas letras principalmente em sexo e amor.

Mesmo assim, é impossível negar que existe muito humor nas letras do Blackie Lawless (I Fuck Like a Beast é, na minha opinião, uma das frases mais engraçadas já cunhadas por uma banda) e, sobretudo, nos clipes do Twisted Sister, que pareciam um desenho do Pernalonga filmado. Aliás, ao contrário dessas duas, o Mötley Crüe logo acabou “mudando de time”, abandonando a maquiagem pesada e os temas chocantes para se aproximar das bandas menos radicais do Hard Rock.

Essa parte marqueteira, contudo, nem sempre se refletia nas atitudes. Por exemplo, W.A.S.P. e Mötley Crüe costumavam protagonizar o mesmo tipo de confusão que o Poison, enquanto o Twisted Sister, apesar do som pesado e da cara de mau, parecia ser composto de sujeitos tão bonzinhos quanto o Bon Jovi.

Como todo esse exagero, no início dos anos 90, os jovens estavam saturados com tanto apelo visual e shows cheios de pirotecnias. Assim, surgiu um movimento que não ligava (ou melhor, parecia não ligar) para essas coisas. As letras eram tristes, as melodias não eram nem um pouco fofas e as bandas usavam roupas em tons pastéis, contrastando com o rosa e toda a purpurina e maquiagem que predominavam no Hard Rock. Claro, a idéia é aparentar que eles tocam com suas roupas do dia a dia e que não gostavam de ter um figurino para shows, mas tendo em mente tudo que falamos até agora, é fácil deduzir que não era bem assim e que mesmo suas “roupas do dia a dia” eram, na verdade, roupas de palco. Para contrastar com o espetáculo claro do Hard Rock, nada melhor do que um espetáculo “oculto”. Estou falando, obviamente, do Grunge.

A atitude das bandas representava bem sua revolta com a alegria que dominava o Rock mainstream até então. O Pearl Jam, por exemplo, demonstrava sua rebeldia contra o sistema não dando entrevistas ou se recusando a fazer clipes. Tudo um marketing friamente calculado para capitalizar na saturação e na superexposição sofridos pelo Hard Rock nos anos anteriores. O resultado você já sabe. Milhões de dólares circularam e conjuntos como o Nirvana entraram na seleta lista de maiores bandas de Rock da história.

O Grunge é exatamente o estilo que pensei quando disse, há alguns parágrafos, que o Rock nunca abre mão do show, nem mesmo quando aparenta abrir mão dele. O lado Espetáculo do Grunge é exatamente o fato de que ele esnoba o Espetáculo. Isso, por si só, já é seu show, e foi justamente o que atraiu muitos adolescentes dos anos 90.

Ao chegarmos ao século XXI, solicitei a ajuda do nosso amigo Carlos Cyrino, que entende mais sobre os fenômenos mais recentes do que eu. O trecho em itálico abaixo foi escrito por ele:

Agora, no século XXI, principalmente entre as bandas do chamado Rock Alternativo, vivemos a onda das chamadas “salvações do Rock”. O Espetáculo é descobrir quem será a próxima sensação semanal e tentar adivinhar quanto tempo ela irá durar sob os holofotes. E, com a Internet, o trabalho do sistema de cooptar esses fenômenos cool para o mainstream ficou muito mais fácil, que o digam Strokes e, mais recentemente, os Arctic Monkeys, cria da geração dos downloads e cujo sucesso conseguiu passar para o formato físico, com seu disco de estréia batendo recordes de vendas de um primeiro álbum na Inglaterra.

Mas, uma vez dentro do grande sistema, como se manter em evidência? A resposta é utilizando-se, mais uma vez, e conscientemente dos recursos do Espetáculo. Se nas décadas de 70/80 reinavam as roupas espalhafatosas e no Grunge dos anos 90, o que pegava era o visual largadão, agora o que manda é o “retrô-moderninho”, com suas calças jeans surradas e os terninhos de brechós. As músicas? Basicamente, falam de mulheres e baladas. Como se pode constatar, isso nada mais é do que dar uma repaginada em tudo que os mestres do Kiss já fizeram, adequados às novas tendências e, portanto, às novas necessidades de mercado.

E como todos acabam tendo de entrar nesse esquema, a competição para ver quem dá o melhor Espetáculo às vezes vai longe demais, vide os White Stripes, que se utilizam de excentricidades como só vestir roupas nas cores vermelho, preto e branco, criar factóides como a relação entre seus dois integrantes (Jack e Meg White são amigos? Irmãos? Namorados? Hoje já se sabe que foram casados), culminando no patético episódio do show de uma nota só, sem dúvida uma escorregada feia na tentativa de oferecer algo diferente. Esse é o lado ruim dessa Sociedade do Espetáculo.

Tudo que o Kiss começou (ou melhor, aperfeiçoou) nos anos 70 continua sendo explorado até hoje pelos atuais representantes do Espetáculo, mesmo fora do Rock. Isso acontece com ídolos como Britney Spears, Justin Timberlake e por aí vai. A única diferença no que eles fazem para o que o Kiss fazia nos anos 70 é justamente o estilo musical que seguem. Afinal, hoje em dia a maior parte da juventude não ouve mais Rock, mas é inegável que o estilo foi o pioneiro ao explorar não apenas a tendência ao Espetáculo, como também a cultura jovem, obviamente os mais vulneráveis a acreditar em tudo isso.

Finalmente, chegamos ao Metal e, como você já deve ter percebido, eu o deixei de fora da ordem cronológica. Isso não aconteceu por eu considerá-lo o único estilo de Rock 100% autêntico. Aliás, é exatamente o oposto disso. Talvez o Metal seja o derivado do Rock’n’Roll menos autêntico da atualidade. E pior, aparentemente é o que tem a maior capacidade de enganar seus fiéis – afinal, como aprendemos aqui, talvez fã seja um adjetivo muito suave para representar o típico headbanger.

É fácil dar exemplos de Espetáculos. O Iron Maiden e seu mascote Eddie invadindo o palco, por exemplo, é típico de uma banda da Sociedade do Espetáculo. Aliás, o Maiden, como já falei aqui e aqui, é, ao lado do Kiss, um dos conjuntos que melhor soube explorar o marketing no mundo da música e tudo isso é muito bem ilustrado no documentário presente no DVD The Early Days, que mostra como o nome Iron Maiden desde o início foi administrado como uma empresa.

O Iron Maiden, por um lado, é um exemplo de Espetáculo claro, mas o que realmente me incomoda são as bandas que escondem esse seu lado (talvez seja por isso que eu não consiga gostar de Grunge), tentando transparecer um ar de autenticidade. Refiro-me a uma banda que costumo chamar de “o Kiss do Metal”: o Manowar, é claro.

A maior parte das pessoas parece ignorar esse fato, mas o primeiro álbum do Manowar, a tal banda que “nunca vai mudar seu som” e defensora do único e verdadeiro True Metal, é completamente Hard Rock. Tirando a maravilhosa Battle Hymn e a sabbáthica Dark Avenger, todas as outras músicas poderiam estar em qualquer álbum do Kiss. E esse gênero continuou sendo explorado pela banda posteriormente, mesmo quando começou a deixar seu som mais metálico – vide, por exemplo, a música Fighting The World, 100% Hard Rock. Só muito depois é que a banda realmente abriu mão disso para se concentrar num som bem mais pesado e puramente Metal fazendo, então, o que disse que nunca ia fazer: mudar seu som (e recentemente mudaram de novo, já que o disco Gods of War pouco tem a ver com o Manowar divertido dos outros álbuns). Afinal, como já disse antes, pega mal para uma banda de Metal hoje em dia gravar músicas alegres e com melodias bonitinhas. O Helloween, por exemplo, está até hoje tentando se adequar a essa necessidade do mercado, ao invés de fazer o que realmente sabem, que é, exatamente, músicas alegres e bonitinhas (e os dois primeiros Keepers são a maior prova de como isso pode ser legal).

Voltando ao Manowar, assim como o Kiss, eu os considero uma banda muito legal, talvez inclusive a mais divertida do Heavy Metal (excluindo o chatonildo Gods of War). O problema é quando seus fiéis começam a levar tudo que a banda fala a sério. Daí o que temos é um bando de imbecis movidos a testosterona e dispostos a morrer para defender o verdadeiro Heavy Metal, como se, em algum momento, ele realmente tivesse sido algo além de um estilo de música deveras interessante e bem-feito.

E não precisa ser nenhum gênio para ver como é absurdo deduzir se os membros do Manowar são realmente daquele jeito. Ou você acha que quando Joey DeMaio vai fazer compras no supermercado, ele vai de cueca e com os músculos reluzindo de tanto óleo? Ou pior, você acha que o cara é tão Metal que não compra pão, mas subjuga o próprio Odin para fazer esse trabalho para ele? E quando Joey vai negociar o pagamento com a gravadora, você acha que o principal argumento do cara é algo tipo “It’s fuckin’ Metal, brother! I don’t care about money, Metal is my life and for Metal I would die!”, daí ele levanta a garrafa de cerveja, joga todo o líquido do alto na sua garganta (e erra quase tudo, como faz em shows), quebra a garrafa na mesa e, na saída, dá uma buzinada nos peitos da secretária, pega sua moto, convoca duas loiras peitudas desconhecidas a entrar no veículo e sai cantando o pneu?

É claro que não! Ninguém vive assim o tempo todo. Nem o Guillermo Gutierrez ou o Chuck Norris! Tudo isso faz parte do Espetáculo do Heavy Metal, que você até pode chamar de Metal Way of Life e o Manowar sabe explorar isso muito bem. É só comparar quantos DVDs com bastidores lançaram nos últimos 10 anos e quantos CDs de inéditas saíram no mesmo período. Isso, é claro, não significa que o Manowar, ou qualquer outra banda, não gosta do que faz. Pelo contrário, é por gostar que eles souberam explorar o estilo tão bem. E isso me lembra do Massacration, que usa essa mesma exploração de forma humorística e que, ao contrário do Manowar, ninguém leva a sério, mesmo sendo absolutamente a mesmíssima coisa. Talvez se o Massacration não tivesse surgido em um programa humorístico, eles teriam fãs tão fanáticos quanto o Manowar (aliás, tem uns idiotas que acham que eu não gosto de Manowar porque vivo tirando sarro deles, quando na verdade é exatamente o contrário: eu tiro sarro deles porque gosto pra caramba da banda e, conhecendo praticamente tudo, fica fácil tirar sarro dos clichês que eles tanto repetem).

Permita-me fazer um paralelo com o cinema. No início da sétima arte, os cineastas se preocupavam em manter a ilusão da fantasia nos seus filmes. Algumas décadas depois, contudo, surgiram diretores que, ao contrário, exploravam essa ilusão não para enganar o espectador, mas para lembrá-lo de que aquilo é só um filme. Afinal de contas, é tudo de mentirinha.

A meu ver, é mais ou menos isso que o Massacration faz. Eles pegam todas as ilusões e clichês de bandas como o Manowar e mostram que é tudo brincadeirinha, levando tudo a tal extremo que o negócio se torna humorístico para alguns e blasfêmico para outros, os true ou, como prefiro chamá-los, os não praticantes. Por que os não praticantes se incomodam tanto com isso? Pelo simples fato de que eles acreditam que vivem pelo Metal. O Metal (e o Manowar ou qualquer outra banda) são mais do que um estilo de música ou uma diversão para eles, é praticamente uma religião. E isso é perigoso, pelos motivos que já abordei outras vezes nessa mesma coluna. A humanidade já mata tanto em nome de Deus, realmente precisamos matar e brigar em nome do Metal também? É um estilo de música, pô!

O triste é que bandas como o Manowar capitalizam justamente nessa inocência (que eu prefiro chamar de burrice) do público metálico e isso não é legal. Ninguém assiste aos filmes do Schwarzenegger e acha que ele é um robô enviado do futuro ou que consegue dirigir sem usar as mãos enquanto atira nos vilões. Mas esse povo ignorante realmente acha que a vida dos músicos do Manowar é única e exclusivamente o que é mostrado no DVD. E eles, do topo da frustração de suas vidinhas normais, querem aquilo para eles. O que fazer? Adotar o Metal Way of Life também, oras. E normalmente esse é o momento em que o indivíduo começa a agir como um troglodita.

Nós, o público do Rock (perceba que me incluo aí), gostamos de pensar na música como algo romântico. Queremos acreditar que os membros das nossas bandas preferidas são todos amigos, que se conheceram na escola, tocaram numa garagem, financiaram uma demo do próprio bolso e conseguiram um contrato com uma gravadora, mas que abririam mão desse contrato imediatamente se percebessem qualquer ameaça à sua liberdade criativa.

Não é isso que acontece. Normalmente o relacionamento da maior parte dos músicos é semelhante ao de colegas de trabalho em uma empresa qualquer e, como qualquer empresa, eles têm que responder a superiores. Afinal, a gravadora os contrata para ter lucro – e os próprios artistas querem lucro. Não tem nada de errado nisso! Ganhar dinheiro não é feio ou motivo de vergonha. Pelo contrário, deveria causar orgulho.

A rebeldia contra o sistema sempre foi intrínseca a qualquer banda de Rock e, na maioria dos casos, era uma rebeldia falsa, completamente planejada. Um bom exemplo é o Sex Pistols, que foi formada praticamente como uma boy band, sob a tutela de um empresário (Malcolm McLaren) e que, portanto, nada tinha de rebelde. Esse tipo de formação acontece até hoje e até mesmo no Heavy Metal Brasileiro, ou seja, um empresário faz testes com dezenas de músicos, escolhe cinco que sejam bons – e, de preferência, que tenham o visual apropriado – financia a sua demo e usa dos seus contatos para arranjar um contrato para a banda. Inclusive, dizem por aí que uma das grandes bandas nacionais de Metal surgiu exatamente dessa forma e seu empresário é (ou era, dada a confusão que vem rondando o conjunto ultimamente) o dono de uma grande revista de Rock. Não vou falar quem são para não me indispor com nenhum deles, mas é fácil você constatar, já que não é nenhum segredo e o nome do empresário em questão aparece até nos álbuns da banda.

Quando me falaram isso, logo que comecei a trabalhar com música, fiquei extremamente decepcionado, mas pensando de cabeça fria, o que tem de errado? É desonesto? Não. Tira o valor da música que a banda fez até hoje? Não, de forma alguma. Isso apenas quebra a idéia romântica explicitada há três parágrafos, dando uma imagem corporativa a esse estilo que tanto amamos. Mas se tem algo intrinsecamente errado com o Metal (e eu acredito que tem), definitivamente não é isso.

Contei o caso acima apenas para explicitar que o meio do Rock, mais especificamente do Metal, está mais repleto de ilusões do que pensamos a princípio. A meu ver, está na hora do público, e até mesmo dos músicos, começarem a encarar o Rock e o Metal como o que realmente é. Um estilo de música, uma diversão. Isso não tira nenhum valor artístico do que as bandas realmente fazem, nem impede que ele passe mensagens interessantes (afinal, música é uma forma de comunicação). Pelo contrário, eu mesmo passei a admirar muito mais a história do Kiss quando me toquei da visão e compreensão da sociedade que eles demonstraram ao criar a banda no início dos anos 70. E o Manowar, como o “Kiss do Metal”, também está bem próximo disso, pois constatou exatamente o que os fãs de Metal queriam em uma banda. E deram isso para eles.

Isso tudo não significa que a música não possa ter um papel importantíssimo na nossa vida (quem leu este texto sabe que ela tem na minha). Não significa que não podemos tirar lições de vida do Rock. Não significa que não podemos nos identificar com as letras e com os músicos e, de forma alguma, significa que não podemos gritar a plenos pulmões “For Heavy Metal we will die!” nos shows do Manowar. Estamos lá para isso mesmo, para colocar a energia para fora, para nos divertir, para cantar junto, pular, bater cabeça e bater palmas. Enfim, para participar desse espetáculo maravilhoso que é um show de Rock Pesado, a música oficial da Sociedade do Espetáculo.

Só temos que tomar muito cuidado para não começar a levar isso mais a sério do que os filmes que vemos no cinema. Pois a partir do momento que o público começa a achar que é inimigo de um jornalista só porque ele falou mal da sua banda preferida (e infelizmente, isso acontece mais do que você pensa, é só entrar em qualquer fórum de Metal por aí que vemos tópicos como “o que a gente faz com esse cara?”, linkando uma resenha negativa do artista em questão – e um monte de gente respondendo absurdos como “tem que matar” ou “ele devia ouvir pagode”), estamos nos aproximando perigosamente das guerras estúpidas travadas por pessoas como George W. Bush e Osama Bin Laden. Com a diferença de que esse ódio todo, nesse caso, está vindo de algo que deveria existir apenas para nos deixar mais felizes: a música. Feliz dia do Rock a todos os delfonautas e a todas as pessoas que amam nos odiar em todos os fóruns internet afora! 😉

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