Em 1992, o mundo do Heavy Metal foi pego de surpresa com o anúncio de que o lendário vocalista Rob Halford deixava o Judas Priest após 19 anos de sucesso. Pensando em você e no aquecimento para o show tremendão que a banda vai fazer no Brasil essa semana, preparamos esta super-hiper-mega-extra matéria, tentando esclarecer os bastidores da banda. Leia ouvindo Judas Priest no último volume.
Até hoje, ninguém entende exatamente os motivos da saída de Halford da banda, já que viviam um bom momento de recuperação com o lançamento do álbum Painkiller, após um período turbulento na segunda metade dos anos 80, quando lançaram os discos mais fracos da carreira (alguém aí tem saudades do Turbo?) e ainda por cima enfrentaram os tribunais norte-americanos após uma acusação absurda de que as músicas do Judas (em especial as contidas no álbum Stained Class) incitaram o suicídio de dois jovens.
Com os problemas judiciais resolvidos, a maturidade pessoal e musical (todos os integrantes já beiravam os 40 anos) e uma turnê bem sucedida (que tocou inclusive no Rock in Rio II, na primeira passagem da banda pela América do Sul e para um dos maiores públicos de sua história), um futuro brilhante parecia à frente dos ingleses. Parecia, porque foi exatamente quando Rob Halford deixou tudo para trás e quis uma vida nova.
Dentre muitas especulações, a hipótese mais simples e plausível para sua saída foi de que a Rainha do Metal queria apenas uma maior liberdade criativa do que a oferecida e puxou o carro. Essa teoria é a mais aceitável pois, logo após sua saída do Judas Priest, Halford começou uma busca incessante pelo próximo passo na carreira. Ainda em 1992, ele formou uma agência de talentos chamada EMAS para empresariar revelações do Rock, gravou a música Light Comes Out Of Black com os integrantes do Pantera para trilha sonora do filme da Buffy – A Caça Vampiros (o filme é um lixo, mas a música vale a pena), subiu ao palco com o Black Sabbath para duas apresentações (na verdade, substituindo emergencialmente Ronnie James Dio – leia resenha do show do baixinho – que se recusou a abrir um show de Ozzy Osbourne no festival que viria a ser o embrião do Ozzfest que hoje conhecemos) e em seguida gravou uma demo com algumas músicas para seu primeiro trabalho solo. Infelizmente, essas gravações foram rejeitadas pela Columbia Records. Isso não desmotivou o vocalista, que chamou alguns músicos estadunidenses, incluindo o baterista Scott Travis – seu ex-companheiro de Judas, mas que nunca chegou a sair da banda – e formou o projeto Fight.
A idéia do Fight, apesar de só ter se concretizado em 1993, já acompanhava Rob desde o final dos anos 80, quando o vocalista sentia os discos do Judas muito limitados e ele gostaria de explorar novas sonoridades, coisa impossível dentro da corporação milionária em que se transformou o Judas Priest.
Um outro lado da história conta que as raízes do Fight se formaram mais ou menos em 1991, quando Rob assistiu a um show do Pantera na turnê do álbum Cowboys from Hell. Logo após esse evento, o vocalista ficou impressionado com a energia de palco da banda e convidou os caras para abrirem os shows do Judas na perna européia da turnê do Painkiller, criando uma boa amizade entre os dois grupos. Foi quando Halford quis inovar dentro do som do Judas Priest e trazer mais dessa influência do Thrash para sua banda, ou seja, ele quis o caminho inverso: os mestres se inspirando nos aprendizes (os integrantes do Pantera sempre idolatraram os ingleses) e com uma maior influência do Hardcore.
Daí o motivo da gravação da música Light Comes Out of Black. Halford queria um contato maior com a banda e todo o processo de composição dos integrantes para aprender mais sobre o estilo.
O primeiro álbum do Fight, War of the Words (título claramente inspirado no livro Guerra dos Mundos, de Orson Welles, que virou filme recentemente pela segunda vez), foi lançado em 14 de Setembro de 1993 pela Sony Music e alcançou um sucesso respeitável, mesmo bem diferente do Heavy Metal tradicional ao qual os fãs estavam acostumados. O som da nova banda, pelos motivos já citados, lembrava bastante o Thrash do Pantera e Sepultura daqueles idos e os grandes destaques eram as ótimas Nailed To The Gun, Into The Pit e Life in Black.
Halford queria tanta distância do Judas Priest e sua história, que preferiu não incluir as músicas da banda na primeira turnê do Fight (final de 1993 e começo de 1994). Com o tempo, é claro, cedeu e incluiu os clássicos Bloodstone, Freewheel Burning e Green Manalishi (que, lembramos, trata-se de uma cover do Fleetwood Mac) nos setlists. A verdade é que os fãs estavam curiosos e gostaram do primeiro trabalho do Fight, mas todos iam aos shows também com a expectativa de assistir Rob Halford cantando os clássicos imortais dos Metal Gods.
A turnê do Fight, obviamente, não foi tão grande como eram as do Priest, mas serviu como uma bela abertura de portas e demonstração de que existia vida após tanto tempo preso a uma banda. Vale lembrar que em março de 1994, eles até passaram pelo Brasil e, na época, nosso país ainda não era rota obrigatória dos shows internacionais como ocorre atualmente.
O ano de 1994 ainda viu mais alguns shows do Fight quando eles abriram uma turnê do Metallica pelos EUA. No último desses shows, dia 21 de agosto em Miami, ocorreu um momento histórico quando Rob Halford subiu ao palco com James Hetfield & Cia. e juntos mandaram uma versão muito legal de Rapid Fire, uma das músicas imortais do álbum British Steel do Judas Priest e que tanto influenciou os californianos no começo de carreira. Esse momento está registrado em um bootleg e não é difícil de se achar nos programas P2P da vida. Procure por “Metallica Rapid Fire”, que vale a pena.
O ano de 1994 foi de muito trabalho e a banda ainda aproveitou o bom momento para lançar um EP com 4 músicas ao vivo e 5 remixadas, todas do War of the Words e, em dezembro, também lançaram um single, hoje raríssimo, chamado Christmas Ride. Esse single trazia apenas uma composição, a música título e, vejam só: uma mensagem de feliz natal de Rob Halford. Antes de você sair correndo atrás do CDzinho, é bom que esteja ciente que esse mini álbum, na verdade, nunca saiu de forma oficial, ele foi apenas enviado para algumas rádios mais ou menos como um promo de divulgação, mas a música permanece “quase” inédita até hoje. Mais uma vez, apele aos programas P2P e seja feliz. Vale a pena procurar essa jóia rara, afinal não é todo dia que se pode receber um feliz natal de Rob Halford.
Com o sucesso do primeiro ano de Fight, a gravadora deu luz verde para um segundo álbum e a banda entrou em estúdio no começo de 1995 para a gravação do sucessor de War of The Words, o Small Deadly Space, que saiu em 14 de abril daquele ano.
Se no primeiro álbum, os caras inovaram dentro de um nicho saturado (graças também aos vocais versáteis de Rob Halford), o segundo já não teve uma recepção tão calorosa tanto pela crítica quanto pelos fãs. O problema não estava nas músicas em si, mas sim na falta de originalidade: tudo soava muito repetitivo e parecia que a criatividade tinha ficado para trás, isso sem contar a sonoridade indefinida (hora parecia uma cópia do primeiro disco, hora soava como um clone da pior fase do Judas) e a nítida falta de empolgação dos integrantes. Era tudo muito mecânico, faltava algum diferencial para chamar a atenção.
Halford tentou justificar o erro jogando a culpa nos outros integrantes (bem sacana ele!) já que considerava o primeiro trabalho do Fight como algo pessoal, um trabalho de carreira solo mesmo e, no segundo, ele ofereceu maior liberdade de composição aos demais membros.
Com a baixa repercussão do disco, a turnê que se seguiu limitou-se a algumas poucas datas nos Estados Unidos (abrindo para o Anthrax, que também não vivia uma boa fase) e um único show no Canadá. O fracasso da turnê obrigou a banda até mesmo a cancelar algumas apresentações agendadas por baixa vendagem dos ingressos.
Rob voltou para casa e escreveu correndo bastante material do que seria um terceiro álbum de estúdio do Fight para apagar o fracasso retumbante do segundo CD, mas não deu tempo, a gravadora Sony finalizou o contrato que tinha com a banda e os integrantes encerraram oficialmente o Fight no começo de 1996.
Existem rumores de que, ainda esse ano, saia um DVD da banda com um dos shows gravados em 1994, durante a primeira e bem sucedida turnê, mas não é nada oficial. De qualquer forma, vale a torcida, pois o primeiro disco do Fight e os primeiros shows realmente valem um bom registro ao vivo.
Após o fim repentino do Fight, Rob decidiu se afastar por um tempo do mundo da música e especialmente do Heavy Metal. Sempre que perguntado se voltaria ao gênero no futuro, Halford soltava algumas declarações bem surpreendentes como “o Metal está morto e estou de saco cheio disso”.
Com a cabeça voltada para a nova tendência que surgia, em especial a mistura entre a música pesada e eletrônica de bandas como Ministry, o vocalista partiu em 1996 para a fase mais arriscada (e odiada) de sua carreira e procurou uma aproximação com Trent Reznor, o fundador de um dos grandes nomes do gênero, o Nine Inch Nails.
Trent amava a voz de Halford e achava que seu alcance cairia perfeito em meio a sintetizadores e chamou um outro amigo, o guitarrista / baixista John Lowery (atualmente no Marilyn Manson), para participar da brincadeira e ver o que sairia daquelas jams improvisadas entre uma lenda do Metal e um músico de outra escola.
Após algumas demos, o projeto estava concretizado e foi batizado simplesmente de “Two” e contava com Rob Halford nos vocais e John Lowery tomando conta de todos os outros instrumentos com a ajuda de alguns outros músicos contratados, todos desconhecidos. Trent assinou com a banda como uma contratação de seu selo Nothing e lançou o primeiro álbum oficial do projeto, Voyeurs, em 1997.
O óbvio aconteceu e Voyeurs foi mais um fracasso na carreira de Rob Halford. O disco em si, apesar de MUITO diferente do que o vocalista sempre apresentou aos seus fãs, não era de todo ruim. Algumas faixas como If e Water´s Leaking nos remetem diretamente ao Nine Inch Nails de início de carreira, sem tanta influência eletrônica, mas com alguma coisa diferente no instrumental.
A verdade é que Rob Halford nunca se animou muito com o Two, tanto que sequer planejou uma turnê, apenas alguns shows esporádicos fechados para os amigos, e sabia que o seu futuro ou consistia em uma volta ao Heavy Metal – estilo que ele ajudou a consolidar ainda nos anos 70 – ou era melhor abandonar de vez a carreira musical e partir para alguma outra atividade como produtor musical e empresário.
Trent Reznor já tinha planos para um segundo álbum do Two e em meados de 1999 procurou Rob para o início desse desenvolvimento, mas o vocalista disse “não” e gravou por conta própria uma música que estava em sua cabeça há algum tempo e trazia essa volta ao Metal que todos esperavam. Essa composição chamava Silent Screams.
Ainda no mesmo ano, Rob Halford deu uma entrevista bem polêmica para a MTV norte-americana onde falava abertamente sobre seu homossexualismo, suas mágoas com os ex-integrantes do Judas Priest e os planos para o futuro (sem mencionar uma volta à banda que o consagrou). Nessa entrevista, o vocalista deixava claro que deixaria todo o experimentalismo de lado e voltaria para a única coisa que sabia fazer com garra: o bom e velho Heavy Metal. A entrevista foi minuciosamente planejada pela rainha para tirar a atenção do lançamento do primeiro álbum do Judas Priest sem a sua participação (Jugulator). Era uma forma de desviar o foco deste CD e atrair os holofotes para os planos futuros de Halford.
Uma semana depois desta entrevista, a página na Internet do Two sai do ar e entra o domínio www.robhalford.com, já com uma versão demo exclusiva de Silent Screams para os fãs baixarem e comprovarem que agora era pra valer.
Alguns meses depois, o vocalista assina com a Sanctuary Records (poderosa gravadora do empresário do Iron Maiden, Rod Smallwood) e começa a busca pelos integrantes que formariam com ele uma nova banda de Heavy Metal, com influências mais modernas, mas dentro da linha clássica que ele ajudou a criar e sem sons eletrônicos. Após algumas audições cuidadosas e com os sábios conselhos de Mr. Smallwood, Rob recruta ex-integrantes de bandas como Testament e Iced Earth, sem esquecer da produção de Roy Z, amigão de Bruce Dickinson (e aproveite para ler a resenha do show do Maiden) e batiza seu novo projeto apenas como Halford.
No ano seguinte, o primeiro álbum da banda, Ressurection é lançado para o delírio dos milhões de fãs ao redor do globo: Rob Halford estava de volta ao Heavy Metal, e com estilo! O CD trouxe tudo aquilo que os bangers queriam: músicas pesadas, um ótimo trabalho de voz de Rob Halford, alcançando notas impensáveis para alguém com sua idade (quase 50 anos) e muita competência no instrumental, cortesia da grande banda que o acompanhava: Mike Chlasciak e Patrick Lachman nas guitarras, Ray Riendeau no Baixo e Bobby Jarzombek na bateria.
O trabalho mostra novamente o caminho do sucesso e abre espaço para uma turnê bem sucedida em diversos países, inclusive com uma passagem memorável pelo Brasil no nosso Rock in Rio III, onde a rainha simplesmente não precisou cantar Breaking the Law, pois o público assumiu os vocais completamente. Dessa vez, Rob sabia que não poderia deixar o passado do Judas Priest de lado e adotou uma medida muito inteligente ao ressussitar antigos clássicos da banda, que não eram tocados há décadas, como a maravilhosa Stained Class (a melhor música do Judas e uma das melhores músicas de Heavy Metal, na minha opinião), Tyrant e Genocide. Mas o show não era limitado a isso e reunia também as melhores músicas do primeiro álbum do Fight, os petardos do primeiro álbum do Halford e clássicos absolutos do Judas Priest como Metal Gods, Electric Eye, Breaking The Law, Running Wild, Beyond The Realms of Death e Grinder, todas em versões mais pesadas, mas respeitando a base original, sem soar como um mero cover (sim, isso foi uma crítica a shows mais recentes do Judas, como o registrado no CD/DVD Live in London). Com um show desses, os fãs iam à loucura e as datas lotavam.
O sucesso do Halford chamou a atenção de uma outra banda, que não estava tão bem das pernas, pois contava com um novo vocalista com a difícil missão de substituir um ícone do gênero.
Em 2001, os pais de Rob Halford comemoraram bodas de ouro em uma festa inglesa tradicional e entre os convidados estavam, além dos óbvios integrantes da família, K.K. Downing e Ian Hill, guitarrista e baixista do Judas Priest, respectivamente. A verdade é que a saída de Rob da banda 9 anos antes foi bem tumultuada, com mágoas em ambos os lados e o vocalista ficou praticamente uma década sem falar com seus antigos colegas. Mas agora você deve imaginar por que diabos, então, os dois foram convidados para a festa?
Os Halfords decidiram convidar os dois integrantes pela importância que tiveram na vida de Rob e sua irmã Sue. Isso mesmo, para quem não sabe (atenção para o momento Delfiano Contigo!), a irmã de Rob Halford foi casada muitos anos com o baixista Ian Hill e os dois têm um filho chamado Alex, que por sinal também é baixista de uma banda de Rock chamada Gravel.
A festa, além da comemoração dos pais de Rob, também serviu para uma boa aproximação entre os dois lados da história e gerou um ótimo bate-papo sobre o sentido da vida e quais os planos futuros do Judas Priest e de Rob Halford, você pode ter uma idéia desse encontro histórico na foto abaixo.
Mas e o outro lado da história: o que aconteceu com o Judas enquanto Halford se aventurava no terreno do Thrash e do eletrônico? Você fica sabendo isso em detalhes semana que vem. Enquanto espera, aproveite os links abaixo para ler tudo que temos no DELFOS sobre o Judas. Divirta-se e bom show!
DVD – Electric Eye
DVD – Classic Albums: British Steel
CD – Sad Wings Of Destiny
CD – Live Insurrection
CD – British Steel
CD – Stained Class
CD – Angel of Retribution