Chegou a minha vez de prestar as devidas homenagens a este estilo que já, por muitas vezes, disse as coisas que eu queria dizer, expressou as angústias, raivas e reclamações que eu queria fazer, e também divertiu e embalou muitos e muitos dias e noites da minha vida: o rock.
Não é exagero nenhum dizer que o rock mudou minha vida. Não só pelo meu estilo, pelos meus cabelos longos e apreço pelo preto, mas mudou a pessoa que eu sou hoje e influenciou na profissão que eu escolhi exercer.
Para começar, para quem ainda não sabe, fora do DELFOS eu sou músico profissional, e é claro que o pontapé inicial de tudo isso foi o rock. Foi a partir dele que eu comecei realmente a gostar de música a ponto de escolher isso como profissão e forma de me expressar enquanto artista. Mas vamos ao começo desta história.
THE GOLDEN YEARS
Nunca fui muito interessado por música até meus 11/12 anos. Ouvia apenas esporadicamente o que minha mãe ou irmã ouviam. Coisas como Capital Inicial, Charlie Brow Jr., Legião Urbana, etc., mas nada daquilo me parecia grande coisa. Lembro-me até mesmo de, num determinado momento, quando questionado, ter dito: “não, eu não gosto de música”. Quem diria que uma criança que dizia isso se tornaria um músico? Bom, mas tudo isso é culpa de um grande amigo meu de infância, abençoado desde cedo pelo vento preto.
Conheci este meu amigo na 3ª série, porém, mudamos de escola na 5ª e nos separamos. Ficamos um bom tempo sem contato, mas no fim da 7ª série, voltamos a estudar na mesma escola, e a amizade recomeçou como se nunca tivesse parado. Só que havia uma coisa diferente daquele menino da 3ª série que eu conheci: ele estava com o cabelo comprido e me apresentou uma banda que tinha um monstro feio em todas as capas e cantava sobre o capeta. O delfonauta de preto da fileira do fundo que falou Iron Maiden acertou!
Ok, você deve estar rindo, mas, para mim na época, não havia nada mais “do mal”. Em um primeiro momento, fiquei até mesmo incomodado em ouvir aquilo, mas meu amigo insistiu e me passou toda a discografia da banda.
Depois de alguns dias encostada, resolvi dar uma chance. Passei tudo para o PC e me arrisquei selecionando quatro músicas aleatoriamente para ouvir. Criei então minha playlist com essas quatro músicas que, provavelmente, foram as quatro músicas que eu mais ouvi na minha vida: The Wickerman, Where Eagles Dare, Powerslave e The Number of the Beast!
Lembro bem da minha sensação ao ouvir estas faixas. Eu sentia que finalmente tinha entendido o que as pessoas viam nesse negócio chamado música, e me apaixonei por aquilo. Ouvia aquelas faixas todos os dias, religiosamente e, com o tempo, fui adicionando outras da Donzela. Mas naquele ponto, eu não era um roqueiro, eu era mais um Ironmaidenzero como tantos outros. Aos poucos, e com a ajuda deste mesmo amigo, eu fui descobrindo Helloween, Judas Priest, Ozzy Osbourne e aprendi a falar mal do Metallica, claro, porque eles traíram o movimento.
IT’S A LONG WAY TO THE TOP IF YOU WANNA ROCK’N’ROLL
Depois de começar a ouvir sem parar, foi um pulo para eu pedir aos meus pais um violão (guitarras são muito caras). Mas eu não era muito bom, principalmente comparado ao meu amigo que apresentou as bandas, que já tocava há um bom tempo. Aliás, ele também é músico profissional hoje, mas se dedica ao violoncelo e à música clássica.
Lembro que a primeira música completa que tirei foi Fear of the Dark, e me senti muito bem com aquilo. No ensino médio começaram as bandas. Elas geralmente duravam alguns meses e muitos dos membros só iam ao ensaio para comer os lanchinhos do intervalo. Até aí, tudo bem, só queríamos nos divertir mesmo. Nessa hora, eu fui para os vocais, assumindo que teria mais futuro, mas ter Bruce Dickinson como meta, era algo cruel para uma criança. Mesmo assim, eu fazia o meu melhor e me diverti bastante nesse tempo. Lembro até hoje dos sonhos mirabolantes. Imaginávamo-nos em estádios cheios, com milhares de pessoas gritando nossos nomes. Era tudo muito legal.
E é claro que rolaram algumas apresentações. Minha estreia foi no aniversário de um dos guitarristas da minha banda. Tinha mais ou menos umas 10 pessoas no local, lotação máxima! =P
Depois disso, rolaram apresentações nas escolas de música da minha cidade e a gente foi se animando cada vez mais. Num determinado momento, nós tínhamos até uma música própria rolando entre nossos amigos, que tocamos ao vivo. É claro que a música era de zoeira (por isso mesmo pegou), mas foi uma das apresentações que tenho as melhores lembranças. Confira esta pérola da poesia juvenil:
Eu sou o retardado que fica pulando que nem um idiota no centro do palco. Já deu pra perceber que, na época, eu adorava o Janick Gers, né?
Eu racho o bico vendo este vídeo. E sim, a música só tem uma palavra mesmo. Eu poderia até vir aqui e inventar uma história bonita sobre a letra, que era uma crítica social aos que destruíam e reprimiam nossos anseios de liberdade, mas tenho que ser sincero, na época nós estávamos viciados no joguinho Worms Armaggedon para PC, e foi isso =P.
ONE MORE FOR THE ROAD
Depois desses anos, o ensino médio acabara. Cada um foi para o seu canto, e eu deixei para trás minha vontade de ser rockstar. Depois de tanto tempo tocando com meus amigos, eu achava que não levava jeito para a coisa, que tinha gente muito mais talentosa que eu, e acabei deixando o sonho de lado. Mas foi exatamente nessa época que eu fui a mais shows em minha vida, talvez para compensar a distância dos amigos de garagem.
Tenho histórias sobre todos os shows que fui, mas, para não alongar um texto que já vai ficar grande, contarei detalhadamente apenas sobre minha primeira loucura: o show do Iron Maiden, é claro.
Era meu primeiro show de rock. Não faz muito tempo, foi no Palestra Itália durante a Somewhere Back in Time World Tour em 2008 (eu não sou tão velho, como vocês podem ver). Naquela noite, antes do dia do show, fomos até um bar em São Paulo, o Manifesto, assistir ao “esquenta” com o Children of the Beast, o cover oficial da Donzela. Saímos de lá às quatro da manhã, passamos na casa de um amigo, tomamos banho, pegamos nossos suprimentos e, às cinco e pouco, estávamos na fila. Passamos o dia lá, com sono, cansados, comendo sanduíches que um dia foram apetitosos e frutas amassadas, com um sol infernal sobre nossas cabeças. Foi um dia difícil. E o pior é que, pelo tamanho da fila, sabíamos que dificilmente conseguiríamos chegar na grade. Mas um fã como eu não poderia desistir.
Ao entrar no estádio, umas cinco horas antes do show, corri como um louco para dentro, junto com meu amigo que me apresentara à banda alguns anos antes. Chegando lá, olhei e vi uma multidão já se amontoando próximo ao palco. Foi quando ele me chamou e falou “vem aqui!”. Ele foi à extrema esquerda, aonde tinha lugar na grade! Agarrei com força e olhei para frente e praticamente não acreditei na distância que estava do palco. Eu demorei pra acreditar que meus ídolos estariam ali, a uns dois metros de mim. Mas ainda tinha muito espera pela frente.
Aguentamos bravamente durante as cinco horas. E é claro que aconteceram várias coisas nesse tempo. Chuva, sol, etc. Mas teve uma em especial. Como você sabe, o Iron Maiden estava gravando seu documentário Flight 666, e então, num momento, nós avistamos um cinegrafista que passava pela grade, filmando os rostos dos fãs. Fiquei maluco, comecei a gritar Maiden! enfurecido.
Não é que deu resultado!? O câmera, que passava por todos, parou em mim, e aproximou a câmera! Ganhei um close no documentário do Iron Maiden! Alguns meses depois veio a decepção assistindo ao documentário e vendo que minha cena não foi aproveitada. Mas na hora eu só pensava: “eu vou estar no filme do Iron Maiden!”.
Quando a noite já tinha caído em São Paulo, entrou no palco a filha de Steve Harris, Lauren Harris. Foi uma boa recompensa vê-la de perto com aquela calça apertada, depois de aguentar sol e chuva no estádio. Meu corpo já estava de lado e esmagado na grade, mas estava decidido a não sair. E tudo valeu a pena.
Pouco depois do término do show da Lauren, tudo se apagou. Começou então a gritaria e, em poucos instantes, o famoso discurso de Churchill antes de Aces High. Eu olhei para cima e vi a imagem do Eddie. Aquele mesmo monstro que anos atrás tinha me dado arrepios, agora me fazia chorar como uma criança emocionada. Sim, confesso, cantei Aces High inteira chorando que nem criança. E não era para menos, logo quando as luzes explodiram sobre o palco e eles entraram, Adrian, Dave e Steve Harris vieram bem na minha frente! Eles estavam lá, a dois metros de mim! Eu não podia acreditar. Foi algo inesquecível. Vamos lembrar?
Tudo foi inesquecível. Em minha opinião, o melhor setlist de todas as turnês da Donzela. Engraçado foi ver que, no final do show, todos os magrinhos que estavam do meu lado no começo já tinham sumido, e só sobraram grandalhões. Mas eu resisti bravamente na grade até quase o final do show, quando me dei por vencido e fui um pouco para trás.
E você acha que acabou por aí? Não! Na semana seguinte, o amigo que estava comigo foi no site oficial do Iron Maiden ver o diário do Rod Smallwood, empresário da banda. Ele comenta sobre os shows, coloca fotos, etc. E foi uma grande surpresa quando nós vimos que, em uma das fotos, nós estávamos lá! Sim, uma foto nossa na grade do show do Iron Maiden no site oficial! Confira lá na galeria. Nós piramos! Foi demais!
Bom, depois disso eu fui a vários outros shows, alguns muito épicos, como o do Heaven and Hell, que eu também fiquei na grade e peguei na mão do Dio (sim, é verdade e tenho testemunhas, me invejem! =P), mas isso também é outra história. Assisti também ao encontro do Helloween e Gamma Ray, o show fantástico do AC/DC, Queen com Paul Rodgers, Judas Priest, Megadeth duas vezes, uma tocando Rust in Peace na íntegra e outra com Mustaine dando piti, e outros. Todos eles têm suas histórias.
EAGLE FLY FREE
Nesses anos de shows, eu tinha abandonado a música, apesar de ter comprado minha guitarra, que batizei de Jessica. Estava cursando artes cênicas, veja só. Mas, apesar de eu ter deixado a música, ela não quis me deixar.
Eu fazia teatro em um conservatório em Tatuí. Talvez o delfonauta não saiba, mas Tatuí é considerada a Cidade da Música por esse conservatório, o maior da América Latina. Bom, de fato, se eu queria fugir da música, eu fui para o lugar errado.
O curso de teatro lá era bem legal mas, como o carro-chefe do lugar era a música, muitas das produções de lá eram, veja só, musicais! Não demorou muito para eu começar a tocar em várias peças. Depois, pessoas vinham me pedir aulas. E, quando eu vi, já estava lá, envolvido de novo. Mas o conservatório foi importante, pois abriu minhas perspectivas. Antes eu só conhecia rock. Lá, fui obrigado a tocar música caipira em uma peça sobre o tema, MPB em uma peça com letras de Chico Buarque e aprendi a admirar Noel Rosa, na peça que conta sua história, chamada O Poeta da Vila e Seus Amores.
Todos brincavam comigo, pelo cabelo comprido e tal (e olha que eu nem me vestia com roupas de couro e nem só andava de preto), e por eu estar lá ouvindo samba. Mas a minha surpresa foi que eu gostei. E, quer saber? Isso não me fez menos roqueiro, nem traidor do movimento. Aliás, é algo que eu sugiro a todos os “true headbangers” que estão lendo. Se arrisque em outros estilos, isso só vai somar para a pessoa que você é.
Foi naquele momento que eu percebi que era aquilo que eu queria fazer. Sou muito grato até hoje aos dias de teatro, que me fizeram muito bem e me deram lições valiosas, mas eu não podia continuar mais ali. Larguei tudo, voltei para minha cidade e comecei a estudar música a sério. Entrei em bandas, fiz shows em casas de São Paulo e da região cantando clássicos como Led Zeppelin, Deep Purple, Hendrix, etc (foto de um dos shows na galeria) até chegar aos dias de hoje, onde faço faculdade de música e dou aulas de violão, guitarra e teoria musical.
É claro que hoje, com as obrigações da profissão, eu não posso ouvir só rock. Ouço de tudo, tiro várias músicas que não esperava um dia tocar para meus alunos e alguns temas de jazz que nunca sonhei em tocar para a faculdade. Mas estou muito feliz, de poder viver fazendo o que gosto e poder passar isso para as outras pessoas através de meus alunos. Dividir, compartilhar. Isso é música, e isso é rock. Uma grande família, que dá a alma, o sangue e o suor pelos seus ídolos e que vê mais que uma banda, mas um estilo de vida. Formar os roqueiros de amanhã me deixa extremamente feliz.
THE SHOW MUST GO ON
Fico feliz em compartilhar um pouco dessa minha história com você, delfonauta, e espero tenha se identificado com alguns momentos. Ser músico não é fácil. Algumas pessoas acham que nós somos vagabundos, que nós não trabalhamos de verdade e, na real, é exatamente o contrário. Não ache você que nós ficamos de bobeira comendo groupies com bacon. Isso é o que eu faço no DELFOS. A vida de músico é bem dura, por isso, valorize bastante seus artistas favoritos. E, roqueiro ou não, respeite sempre todas as formas de expressão, mesmo estilos que não te agradam. Enfim, Long Live Rock’n Roll! Feliz dia do rock para todos!
NÃO DEIXE DE LER O RESTO DA SÉRIE “DELFIANOS E O ROCK”:
– O Bruno e o Rock: o texto que deu origem à série.
– O Corrales e o Rock: heavy metal,hard rock e mamãe.
– O Cyrino e o Rock: guitarras dissonantes e alternativas.
– O Guilherme e o Rock: só os elementos mais pesados da tabela periódica.
– O Allan e o Rock: alternativo e MTV.
– O Pscheidt e o Rock: mais conhecido como o “cara, você é muito poser”.
– O Daniel e o Rock: ele diz que curte metal, mas só ouve bandas estadunidenses.
– A Joanna e o Rock: música de menininha sim, e com orgulho.
– A Tis e o Rock: ela insiste em dizer que aquela bagunça é gosto musical.