O Espelho chama atenção à primeira vista por juntar em seu elenco duas musas nerds: uma das mulheres que justificam plenamente a obsessão delfiana por ruivas com bacon, Karen Gillan (A Amy Pond de Doctor Who), e Katee Sackhoff, a Starbuck de Battlestar Galactica.
E se isso por si só não é o bastante para atiçar o interesse, conta pontos a favor o fato de ser um filme de terror bastante decente, o que em tempos de produções do gênero cada vez mais chinfrins, ser um bem-vindo alento.
Na trama, os irmãos Kaylie (Gillan) e Tim (Brenton Thwaites) sobrevivem a uma tragédia familiar em sua infância envolvendo um espelho antigo maligno que adornava o escritório do pai na casa da família. Tim acaba enviado para uma instituição psiquiátrica onde passa os 11 anos seguintes.
Quando ele sai de lá e reencontra sua irmã, essa lhe apresenta um plano mirabolante: ela recuperou o espelho e, na casa onde aconteceu a desgraça, montou câmeras e outros equipamentos para provar que o que aconteceu onze anos atrás foi obra do espelho do mal, e assim limpar o nome da família antes de destruir a bagaça de uma vez por todas.
A história em si não é nada de muito original, mas a diferença está na abordagem utilizada, com os protagonistas tomando a ofensiva. Kaylie realmente arma um esquema aparentemente perfeito de vigilância e segurança na casa, cobrindo todas as variáveis.
E se é legal e extremamente raro ver personagens de filmes de terror usando o cérebro, ao mesmo tempo essa é tanto a força como o grande defeito dessa produção. Pois no final das contas, o roteiro apresenta falhas de lógica bastante graves que acabam fazendo os personagens, mesmo com todo seu planejamento, parecerem burros daquele jeitão de sempre.
Daí você pode acabar assistindo ao longa por essas duas óticas: ou ele é apenas cheio de buracos na trama, ou os personagens são uns tapados que simplesmente pensam ser espertos. Eu fiquei nitidamente com a convicção da primeira opção. Pareceu-me que os roteiristas quiseram fazer uma história tão bem amarrada que acabaram descuidando de detalhes essenciais.
Ilustrarei com um exemplo: é estabelecido desde o início que o espelho, como forma de autodefesa, é capaz de mexer com a percepção de suas vítimas induzindo alucinações e até controlando os telefonemas que elas fazem ou recebem. Em determinado momento, Kaylie até explica ao irmão que o espelho vai estendendo sua área de influência pelos cômodos da casa e o instrui a usar seu celular fora dessa zona. Até aí nada demais, exceto que uma das principais salvaguardas dela é receber telefonemas de hora em hora do noivo para checar se ela está bem. Telefonemas esses que ela atende no mesmo cômodo onde está a porcaria do espelho. E isso não faz nenhum sentido!
Fora que obviamente eles não leram nosso importante guia de como sobreviver a um filme de terror. Danem-se as provas de atividade sobrenatural e a reputação da família, não fique brincando com o objeto amaldiçoado, jogue logo uma bomba atômica nele e acabe com isso. Mas como se seguissem esse método não teriam um filme, optaram por ignorar a sabedoria delfiana. Big mistake!
Ademais, destaca-se muito a excelente montagem, que mistura as duas linhas temporais (o presente e o passado, onde vemos o que aconteceu na infância dos dois) de forma muito bem feita, e depois passa a mesclar de modo bem criativo os dois elementos, ressaltando a influência maligna do espelho e dando um charme a mais ao trabalho como um todo.
Também conta pontos o fato de ter poucos dos irritantes clichês do gênero (eu só me lembro de uns dois). Além disso, em alguns momentos consegue plantar a dúvida se não seria tudo viagem da cabeça de Kaylie para justificar o ocorrido, visto que seu irmão Tim, após passar tantos anos em terapia, é capaz de encontrar teorias racionais para tudo.
Mesmo apesar das gritantes falhas de roteiro, a história prende a atenção e a maneira como é contada foi muito bem realizada. O que só me faz pensar que se tivessem dado um cuidado a mais com o roteiro, o filme certamente poderia se destacar em seu gênero. Ainda assim, do jeito que ficou, O Espelho funciona a contento como uma obra menor e vale uma conferida, ainda que não necessariamente no cinema.