Não sei exatamente quem foi, mas lembro claramente de já ter ouvido alguém se referir à Meu Pé de Laranja Lima como O Pequeno Príncipe brasileiro. Isso me animou, já que eu adoro o best-seller de Antoine de Saint-Exupéry e outros similares a ele, como os livros de Maurice Sendak, por exemplo. Acho que esses livros ditos infantis têm um valor ainda maior quando você cresce e são leituras que nunca deixam de me agradar.
Confesso que este em particular eu nunca tinha lido, mas corrigi esta falha pouco antes de ir assistir à adaptação e, apesar de ser bastante diferente do clássico francês, o paralelo é compreensível. O protagonista aqui, tanto quanto o Pequeno Príncipe ou o Max de Onde Vivem os Monstros, consegue nos levar de volta no tempo e relembrar noções que já nos parecem cotidianas, mas que ganham uma nova dimensão sob o olhar inexperiente das crianças. E neste caso ele é o próprio José Mauro de Vasconcelos, o autor do livro, narrando a fase onde aprendeu o significado da amizade e principalmente da superação.
Mas aqui ele ainda é só o Zezé, um garoto de seis anos que vive no interior de Minas Gerais. Sua família é muito humilde, seu pai está desempregado e a situação está muito ruim. Para dificultar ainda mais, o menino apronta tanto que todos dizem que ele “tem o diabo no corpo”. Mas ele também é uma criança muito sensível, curiosa e criativa, com o típico talento infantil para imaginar histórias e mundos grandiosos a partir de muito pouco. Ao se mudar para uma nova casa, ele encontra no quintal um pequeno pé de laranja lima, e apesar de achá-lo pequeno a princípio, ele logo se afeiçoa, e a pequena árvore vira a companhia preferida para suas brincadeiras e fantasias.
A predileção do menino pelo pé de laranja lima só é superado por sua nova amizade com Manoel, o “Portuga”. Temido por todos os garotos da região, ele é na verdade um senhor gentil e solitário. Zezé acaba encontrando nele o afeto, o cuidado e o incentivo que nem sempre tem em casa, e assim os dois preenchem o que falta um no outro e uma bela parceria se forma.
Fiquei surpresa com a atuação do pequeno João Guilherme Ávila, que convence mais do que muitos dos seus companheiros de elenco mais velhos. José de Abreu também está muito bem, e rapidamente conquista a simpatia de quem assiste. Só o sotaque português dele que ficou bastante falho. E também tem as breves aparições do Caco Ciocler, que conseguem transmitir muito, mesmo sem dizer nada.
Marcos Bernstein, apesar de ter mais experiência como roteirista do que como diretor – ele escreveu Central do Brasil e Chico Xavier – faz um bom trabalho em ambos os postos. A direção é caprichada, deixa o clima com a densidade certa e usa sombras, silhuetas e planos de câmera de um jeito que ajuda quem assiste a realmente ver pela perspectiva de uma criança. O visual e a trilha sonora também refletem inclusive os sentimentos do Zezé: o ambiente familiar parece escuro e opaco quando comparado aos momentos felizes que ele passa com seu novo amigo, que são sempre coloridos e vibrantes. E também tem as cenas em que as fantasias do menino realmente ganham vida, e elas são especialmente legais.
Eu tinha a impressão que esses momentos seriam maioria, mas na verdade o filme tem uma carga dramática igualmente grande, abordando assuntos sérios, como a violência infantil. O problema é que o filme não decide bem qual deles quer aprofundar. As partes dramáticas conseguem emocionar e as fofas também conseguem divertir, mas nenhum deles predomina de verdade. E ainda são permeados por momentos mornos que deixam a narrativa um tanto lenta e dão uma derrubada na experiência como um todo.
Em suma, o filme não é lá tão extraordinário e você pode achá-lo meio parado, dependendo da expectativa. Mas foi feito com competência, dá uma nova cara para um clássico que já foi adaptado diversas vezes e pode ser mais uma boa opção para quando você sentir vontade de se reconectar com sua criança interior.