Kurt Cobain encerrou sua vida com uma bala nos miolos (hum, miolos…) há 15 anos, mas continua fascinando fãs e jornalistas. Todo mundo quer saber o que o cara tinha na cabeça para se matar no auge do sucesso do Nirvana. Tanto que entra ano, sai ano, sempre aparece algum documentário abordando a questão.
Kurt Cobain – Retrato de uma Ausência é mais um, mas a diferença para outros exemplares é que aqui o próprio Cobain ajuda a elucidar (ou não) as razões que o fizeram tomar a saída mais fácil.
O diretor AJ Schnack pesquisou mais de 25 horas de entrevistas de Kurt concedidas entre os anos de 1992 e 93 ao jornalista Michael Azerrad, que este transformaria no livro Come as You Are: The Story of Nirvana. Editando tudo para pouco mais de uma hora e meia, temos aqui Kurt Cobain narrando em ordem cronológica sua própria vida, desde a infância até o nascimento de sua filha. E claro, no meio disso tudo, música.
Se por um lado, essa é a grande força desse projeto, deixar a voz como o próprio tema do documentário, por outro lado, esse negócio funcionaria melhor como um audiobook, já que temos apenas a voz de Cobain registrada. O diretor não usa imagens de arquivo. Insere apenas algumas poucas fotografias e a maioria nem mostra o rosto de Kurt. Se você quiser ver a cara de Cobain, só lá no final.
Não, enquanto o músico vai apresentando sua vida e sua visão de mundo peculiar, o diretor vai jogando aquelas imagens genéricas e pseudointelectuais de arquivo, tipo uma árvore, um batente de porta e tal. Aí, Kurt começa a falar de sua infância, e aparece na tela uma criança genérica qualquer. É assim o tempo inteiro. Convenhamos, para ver isso é melhor fechar os olhos e apenas escutar.
A entrevista sem dúvida vale a pena ser ouvida. Cobain, que não se dava bem com o escrutínio da imprensa, estranhamente foi bem sincero e direto em seus depoimentos. Chega a ser até contraditório visto que num momento defende o direito de resguardar sua vida particular, e no seguinte ele próprio a expõe (para um jornalista, lembre-se) numa boa.
Seja como for, os melhores momentos sem dúvida são aqueles onde ele fala sobre o que realmente interessa, a música. A influência que ela teve em sua infância, a vontade de passar de ouvinte a artista e como ele sempre tinha uma noção bem definida do que queria fazer musicalmente.
Também merece destaque quando fala abertamente sobre o seu vício em drogas e sobre a dor crônica no estômago que o acometia há anos. Visto geralmente como uma pessoa depressiva e melancólica, é apenas quando fala deste problema estomacal que essa faceta de fato se confirma, e onde ele realmente admite a vontade de se matar. Em todos os outros momentos, parece apenas um cara normal, animado e que se empolgava ainda mais quando o assunto voltava para a música. Em suma, bem diferente da impressão de sujeito taciturno e atormentado que sempre passou.
A trilha sonora é excelente, permeada por artistas que influenciaram Kurt e sua banda, de Queen a Leadbelly, de David Bowie a Vaselines. Mas ironicamente não há nenhuma faixa do próprio Nirvana. Provavelmente Courtney Love não liberou as canções…
O valor jornalístico aqui contido é inestimável, especialmente porque as informações saem da boca do próprio tema em questão. No entanto, não estou avaliando apenas o valor jornalístico e sim todo o documentário. E como obra audiovisual, ele é falho. Ora, temos aqui um filme onde as imagens, se não me engano a principal característica do cinema, não possuem a menor função narrativa. Sim, por mais interessante que seja o assunto abordado, é chato ficar olhando para uma tela com imagens inúteis.
Repito, se fosse um audiobook seria muito melhor. Como também tem imagens, resulta numa obra que fica entre o chato e o filme nada. Só recomendo para fãs xiitas do Nirvana (e acho que aqui no DELFOS não há nenhum) e, mesmo assim, só àqueles dotados de um bom nível de paciência. Aos outros, bem, é melhor escutar o Nevermind.