Quando recebi o convite para assistir a esse filme pensei, “lá vem tranqueira”. Afinal, com um título desses, o que esperar? Mas o chefe me lembrou que há exceções, como Corra que a Polícia Vem aí e S.O.S. – Tem Um Louco Solto no Espaço. Além disso, o tal filme de Stephen Chow vem ganhando uma boa grana no resto do mundo (já acumulou 100 milhões de verdinhas estadunidenses) e críticas positivas por onde passa.
Animei-me um pouco e fui conferir se meu pré-conceito estava certo ou não. Terminada a sessão, a resposta: estava enganado, o filme é bem legal. Mas não é tudo isso que falam por aí…
Bem, comecemos com a sinopse: em uma época indeterminada (que parece ser os anos 40) as gangues mandam na cidade (também indeterminada), sendo a mais temida a Gangue do Machado. Um marginal trapalhão de nome Sing (embora o tal nome não seja citado nenhuma vez), interpretado pelo próprio diretor, e seu amigo lerdão querem entrar para a tal gangue e, para isso, criam confusão num cortiço onde os caras do machado ainda não têm jurisdição, esperando, com isso, fazer uma boa média com eles. Porém, a Gangue do Machado acaba aparecendo e, juntos, descobrem que no malfadado lugar residem três mestres de kung-fu. A partir daí você já sabe, a pancadaria impera.
Porém, tudo com muito bom humor aliado à estética dos desenhos animados. A história maluca e sem sentido é um mero pretexto para as cenas de porrada. Não quero dar uma de chato, mas fora a história totalmente sem pé nem cabeça, há também personagens que tomam certas atitudes em determinado momento para, em outro, fazerem coisas que contradizem totalmente suas ações anteriores. Pô, um pouco de consistência não faria mal a ninguém!
Deixando isso de lado, é em seus quebras que o filme sobe de qualidade. As coreografias são ótimas e os criativos efeitos especiais empregados não deixam nada a dever ao que de melhor a indústria de Hollywood produz neste quesito.
O humor e a estética cartunesca também se estende às lutas. Capangas da Gangue do Machado, quando atingidos, voam com muita similaridade aos romanos nos dois filmes de Asterix e Obelix. Golpes bizarros e lutadores no mínimo inusitados (incluindo algumas surpresas) também fazem parte do pacote.
Mas como disse, o filme não é tudo isso. Faço essa afirmação porque metade das piadas do filme simplesmente não funciona. Quando o humor está inserido nas lutas, acerta que é uma beleza. Quando é parte da narrativa, beira o patético. Acontece que o senso de humor oriental é bem mais ingênuo e bobo que o nosso, assim, não há como achar graça de um sujeito que fica mostrando o cofrinho o filme inteiro, por exemplo.
É também exagerado além da conta. De novo: nas lutas isso é ótimo, pois dá o diferencial do filme e é certamente por essa característica que ele será lembrado. Na narrativa, dá até vergonha. Exemplo da vez: um dos mestres de kung-fu é um costureiro totalmente afeminado. Poderia ser um contraponto interessante (um sujeito “delicado” que pode massacrar 50 manés de uma vez só), mas do jeito que ele é mostrado quando não está em ação, ficou ridículo.
Para contrabalançar, Chow mostra que é cinéfilo e recheia o filme de citações e homenagens a filmes como Homem-Aranha (Leia resenha de Homem-Aranha 2) e O Iluminado, dentre outros.
Além disso, não há como não lembrar da a luta de Neo contra os cem agentes Smith de Matrix Reloaded (na falta dessa resenha, fique com a de Matrix Revolutions), e a cena da Noiva contra os 88 Loucos de Kill Bill Vol. 1 (aproveite e leia também a resenha do Vol. 2) ao ver um monte de gente de terno preto sendo massacrada.
Quanto à estética dos desenhos animados, a película tem muito dos desenhos clássicos da Warner. A cena em que Sing foge correndo da senhoria do cortiço, que vai atrás dele, é praticamente um episódio do Papaléguas com atores de verdade substituindo a ave e o coiote. Por sinal, um dos melhores momentos do filme. Bem, tem também a cena do arremesso de facas, piada essa que os desenhos não teriam como mostrar.
A mistura de comédia e artes marciais pode evocar o nome de Jackie Chan (Leia a resenha de seu filme mais recente e também com nome idiota, o tremendão Volta ao Mundo em 80 Dias – Uma Aposta Muito Louca), mas seu estilo e o de Stephen Chow são bem diferentes. Chan é famoso por dispensar dublês em suas cenas arriscadas e por usar qualquer coisa que tiver à mão como arma e daí provém a graça de seus filmes. Já Chow se utiliza dos efeitos especiais como ferramenta humorística, além disso, usa cabos (os atores e dublês ficam presos pela cintura por cabos de aço) para conseguir filmar golpes impossíveis. Chan prefere o realismo em suas coreografias.
E foi assim, com uma qualidade técnica impressionante, pancadaria estilizada e humor oscilante (nem tudo é perfeito) que Kung-Fusão me ensinou a não julgar precipitadamente um filme pela péssima tradução de seu título.