Heavy Metal: é possível pensá-lo?

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Com alguma freqüência no mundo da música pesada, nos deparamos com discursos inflamados sobre a qualidade e a longevidade da mesma. Quase sempre o argumento primeiro é a fidelidade que o público desse gênero musical é capaz de construir em torno daqueles músicos cujo trabalho admiram. Qualquer pessoa minimamente familiarizada com o que falamos aqui sabe que, guardadas as devidas proporções, o que foi dito acima é facilmente passível de demonstração e, se necessário fosse, recorreríamos a inúmeros exemplos para tanto.

Porém, se queremos, nós, os envolvidos de alguma maneira com esse tipo de manifestação cultural, inseri-lo de maneira séria no rol dos gêneros artísticos relevantes, é necessário pensá-lo. Antes que o leitor diga que se trata tão e somente de uma forma de entretenimento, reafirmo e insisto que é necessário pensá-lo. Outros gêneros musicais que igualmente apresentavam-se como forma de entretenimento já foram e ainda são objeto de reflexão, então por que não nosso querido Metal?

Reafirmo: é necessário levá-lo às raias da reflexão sócio-cultural e fugir das armadilhas do discurso juvenil que busca conferir-lhe relevância comparando-o ao mundo efêmero de determinados nichos da música Pop, cuja preocupação maior é descobrir quinzenalmente a grande novidade que vai tornar obsoletos todos aqueles trabalhos que você ou eu tanto consideramos.

Gravadoras, músicos, programas de rádio, grandes conhecedores do assunto e os seus muitos apreciadores construíram uma sólida rede paralela à grande mídia (ainda que com vícios próprios) e torna-se urgente pensar os mecanismos que sustentam e fazem funcionar todo esse submundo. É possível e necessário pensá-lo para assim conferir-lhe a legitimidade que tanto defendemos (qual de nós ainda não passou pelo constrangimento de tentar convencer alguém de que gostamos de algo que vai muito além da “barulheira produzida por sujeitos de aparência duvidosa”?).

Utilizar a superficialidade da música Pop como forma de defesa é estratégia obviamente fácil e igualmente frágil. Mas como nos sairíamos se tivéssemos que compará-lo a outros gêneros musicais detentores de maior profundidade? Gêneros que foram construídos e sustentados por nomes como Handel e Strauss, Robert Johnson e Muddy Waters, Charlie Parker e Duke Ellington ou os nossos Noel Rosa e Pixinguinha? Gêneros que foram e são ainda hoje pensados, vide o conclusivo “História Social do Jazz”, do reconhecido historiador Eric Hobsbawn e a extensa bibliografia produzida a respeito da música erudita, dos grandes nomes da música popular brasileira e até mesmo sobre o movimento Punk (foi de fato algo passível de ser classificado como movimento?).

Certamente que temos nossos referenciais: Ritchie Blackmore, Tonny Iommi, Ronnie James Dio, Rob Halford e tantos outros. Temos nossas raízes socialmente relevantes: por que repentinamente filhos de trabalhadores e ex-trabalhadores ingleses da indústria metalúrgica decidem demonstrar sua visão de mundo através da música a partir da segunda metade dos anos 70? E que características teriam essa música? Porque em uma determinada região metropolitana dos EUA, avassaladoramente castigada com problemas sociais das mais diversas ordens no início dos anos 80, os jovens se apropriaram da estética criada pelos ingleses uma década antes e acrescentaram a ela doses cavalares de fúria e velocidade gerando trabalhos que primavam por uma ferrenha crítica social?

Temos diversas variáveis estilísticas que vão do virtuosismo musical absoluto a demonstrações de musicalidade quase que instintivas, o que demonstra a flexibilidade interpretativa desse gênero musical. Temos a assimilação de influências advindas de outros gêneros musicais e é possível mencionar a citação de músicas típicas de diversos países ao redor do mundo. Temos uma preocupação da indústria que envolve esse segmento no sentido de fazê-lo e apresentá-lo como algo economicamente viável, vide as estratégias de marketing e acabamento dos produtos atualmente colocados no mercado.

O que ainda não temos é uma reflexão séria, intelectualmente fundamentada no sentido de conferir ao Heavy Metal um lugar entre as manifestações culturais relevantes. Alguém se habilita a fazê-la?

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Carlos Eduardo Corrales
Editor-chefe. Fundou o DELFOS em 2004 e habita mais frequentemente as seções de cinema, games e música. Trabalha com a palavra escrita e com fotografia. É o autor dos livros infantis "Pimpa e o Homem do Sono" e "O Shorts Que Queria Ser Chapéu", ambos disponíveis nas livrarias. Já teve seus artigos publicados em veículos como o Kotaku Brasil e a Mundo Estranho Games. Formado em jornalismo (PUC-SP) e publicidade (ESPM).