Todo bom headbanger que se preze conhece um pouco, ou bastante, da sua banda predileta. Sabe exatamente o nome dos atuais membros da banda, dos ex-integrantes, o ano de lançamento dos álbuns (às vezes até o dia e o mês). Conhece, também, as bandas que deram origem àquela que tanto ama e, às vezes, finge esquecer algum fato vergonhoso que foi noticiado pela mídia.
Fã é assim mesmo, principalmente o oriundo do bom e velho heavy metal. Ora, mas o que tem a ver essa introdução com um livro que relata e resgata profundamente a história do gênero musical mais pesado de todos? Tudo, porque esse é um livro especial para colecionadores e fãs do heavy metal conhecerem não sobre suas bandas favoritas específicas, mas o que de fato aconteceu até que elas existissem. Qual o processo que culminou na existência das inúmeras bandas metálicas pelo mundo afora, entende? E é exatamente isso que Ian Christe, suíço e fã inveterado de metal, nos brinda em Heavy Metal: a História Completa.
O livro faz um resgate importantíssimo pelo mundo do heavy metal, marcando o dia 13 de fevereiro de 1970 como uma possível data para o início de tudo. Exaltando a dificuldade de quatro jovens da pacata Birmingham na Inglaterra que, insatisfeitos com suas condições atuais de vida, conseguem lançar aquele que viria a ser o surgimento e o marco definitivo na história da música.
Fazendo um interessante paralelo entre o processo social e histórico pelo qual a sociedade passava em suas décadas com o surgimento do heavy metal, o livro nos remete àquelas décadas, dos jovens infelizes, sem expectativa de vida, sem uma segura ideologia a seguir, que encontram na música pesada uma forma para se expressarem e manterem vivas as suas mentes perturbadas. O livro foca no heavy metal mundial, buscando os mais variados exemplos mundo afora. Suas páginas são como uma enciclopédia, em que você pode se apoiar para sentir tudo aquilo que os jovens das décadas de ouro do metal sentiram.
Em um dos momentos de alta inspiração, o autor nos presenteia com um parágrafo que, talvez, defina o metal com toda sua ideologia e importância: “Metal era, sem sombra de dúvida, contra muitas coisas, mas agarrado com todo sangue e tripas à crença de que os indivíduos comuns deviam também aspirar à imortalidade. Fãs em todos os lugares continuavam a exercer seu papel crucial, criando uma cultura cujos valores com frequência se desviavam do mercado popular e do comportamento normal. Se as estruturas sociais do grande circuito pudessem comunicar tais idéias com metade da clareza e da competência, grupos de adolescentes vestindo camisetas de bandas não precisariam se juntar para ouvir Slayer em todas as esquinas de Chicago e Calcutá”.
É ou não é um trecho deveras lindo (bacana, pô), para fazer qualquer headbanger se esbaldar em lágrimas? Tá, eu sei que headbangers não se esbaldam em lágrimas, mas pelo menos é um trecho provocador e incitante para fazer qualquer headbanger levantar da cadeira e gritar “hail the fuckin’ metal” com os seus dedos mínimos e indicadores em riste. Façamos todos!
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Pronto, voltemos!
Embora haja uma declaração de amor maior ao thrash metal no livro, é inevitável o trabalho de pesquisa do autor, que consegue esmiuçar detalhes importantíssimos e datar tudo de maneira brilhante (mesmo que a edição brasileira traga alguns erros de digitação).
Percebe-se nitidamente a preocupação de Christe ao tentar catalogar o maior numero de fatos e de registrar o maior número de opiniões dos grandes nomes do gênero. Até as sempre polêmicas listas estão presentes no livro, de forma a ajudar o intrépido leitor a se situar com relação aos principais álbuns de cada sub-gênero, do Protometal, o cerne, como sugere o autor, passando pela NWOBHM, Power Metal, Thrash, Doom e muitos outros até culminar no sub-gênero chamado no livro de Synth metal, a influência da sintética e estraga-prazeres música eletrônica.
Christe não nos poupa de nada (ou quase nada, como veremos mais abaixo). Faz um permeio por (quase) todos os gêneros do metal. E de tudo aquilo pelo qual o gênero amado pelo Evil Rainbow of Steel passou. Seja pelas polêmicas bandas de glam metal, que surgiram na mesma velocidade com que morreram ou o absurdo puritanista do Parents’ Music Resource Center, ao rotularem e classificarem a bandas em níveis de satanismo (por incrível que pareça). Da ascensão da MTV e de sua popularidade e até de como esta vem tratando o heavy metal desde então, à importância dos registros impressos, citando as mais importantes revistas sobre o gênero e de como o mundo hoje é puro heavy metal (para a alegria do Deus Metal).
Jornalista e escritor habilidoso, Christe nos reverencia com algumas fotos coloridas de algumas bandas para que aqueles que desconhecem o gênero (que esses não tenham o perdão do Deus Metal), até para aqueles aficionados se deleitarem sobre as mesmas.
Embora seja um livro muito bem escrito, Ian Christe infelizmente comete alguns deslizes que tiraram um Alfredo da nota, embora isso me doa profundamente (mas temos que ser justos, né?). Vamos aos exemplos:
– Metallica. Não, nada contra a banda, pelo amor do Deus Metal. Aliás, tem sido a minha banda favorita há anos. Mas é que, em certos momentos do livro, você tem a nítida sensação de estar lendo uma biografia não autorizada da banda. 80% da história é descrita traçando um paralelo entre os álbuns da banda de San Francisco e a história do heavy metal. Sabemos da importância do Metallica, mas pelo que eu saiba, eles não formaram sozinhos o heavy metal e, sim, há outras bandas tão (ou mais) importantes dentro do mundo do metal.
– Cadê o prog metal? Embora não seja fã de prog metal, senti falta de alguma menção a elas no livro. Ian Christe simplesmente omitiu esse gênero de suas listas. Um livro que se auto-declara “a história completa” não pode cometer esse equívoco.
– A capa do livro na edição brasileira e falta de revisão. Tá, nós sabemos que é difícil sair um livro desse tipo em terras tupiniquins. Mas o que custava a editora ter dado uma caprichada a mais na capa do livro. Nela, como se pode ver lá em cima, há um guitarrista empunhando sua guitarra Flying V, trajando uma calça e uma camiseta preta de bolinhas brancas. Whathafuck? Podiam pelo menos ter a deixado sem as tais bolinhas (Que o Deus Metal não os perdoe). Aliás, fui perceber a caveira logo abaixo do guitarrista quando já estava na página 350 do livro. Ah, você também não tinha percebido? Ufa, não fui o único. Ah, antes que eu esqueça, logo no começo do livro, percebe-se alguns erros de digitação, como letras invertidas e letras faltando, mas esses “defeitos” não continuam por toda a leitura.
Vale ressaltar que este livro foi lançado originalmente em 2003 nos EUA e na Europa, e somente em 2010 o livro chegou às nossas livrarias. É evidente que muita coisa mudou desde então. Como a morte de Ronnie James Dio e o lançamento do álbum de ressurgimento do Metallica, Death Magnetic. Estes fatos com certeza mereceriam um destaque em uma nova reedição do livro. Quem sabe?
Em geral, Heavy Metal: A História Completa é uma excelente obra, e deve constar nas coleções e prateleiras de todo bom headbanger. Um livro único e empolgante, que fará muitos como eu sentirem orgulho do estilo musical que escolheram como religião. Que o livro sirva de exemplo e muitas outras publicações surjam para o deleite do Deus Metal.
É sem dúvida uma obra de fã para fã. É um livro para headbangers, é um livro para os que querem conhecer um pouco sobre a história da música. Mas é, acima de tudo, uma obra transparente e honesta sobre como a música pesada pode dar um norte aos que se perderam nesse complicado mundo da vida.
Ao terminar de ler o livro, a sensação que fica é que o metal já está fincado na história da cultura pop mundial e nada o deterá. Hoje, são mais de 40 anos desse gênero, que antes fora vilipendiado, odiado por muitos e que vencera de forma justa e honesta, levando explicação e conforto aos corações desalentos de milhares de jovens por esse mundo estranho. Leia no volume máximo.