Quando eu penso (e acredito que você também) em monstros gigantes, o primeiro nome a vir à mente é inevitável: Godzilla. Não tem como ser diferente. O lagartão é uma instituição do gênero, há 60 anos destruindo Tóquio e fazendo hordas de japoneses correrem apavorados em busca de abrigo.
Após uma primeira experiência mal-sucedida em Hollywood, com o longa de Roland Emmerich lançado em 1998, chega esta nova tentativa de criar uma versão estadunidense que faça jus aos melhores momentos da série de filmes nipônicos e ganhe grana o suficiente para gerar as indefectíveis continuações.
A boa notícia é que este novo longa realmente é muito mais próximo dos filmes japoneses, seja na ambientação, na história e até no visual do monstro, totalmente inspirado no design clássico. A má é que no final das contas, o Godzilla acaba virando coadjuvante em sua própria produção. Mas antes de entrar nos méritos e deméritos, tiremos a sinopse do caminho.
OLHA, MAMÃE, UM DINOSSAURO
O homem e sua arrogância científica, especialmente quando se trata de energia nuclear, acaba pagando um alto preço quando monstros milenares despertam e se posicionam muitos degraus acima na cadeia alimentar. Mas o cientista interpretado por Ken Watanabe acredita que uma dessas criaturas, a qual ele se refere como Gojira, tem o papel de servir como uma força de equilíbrio, combatendo os outros seres gigantes.
É isso aí, neste filme o Godzilla não é o monstro enfurecido que arrasa cidades só por diversão. A nova produção utiliza a outra pegada de parte das produções japonesas: a do monstro que defende o mundo de outros seres gigantes. Toda a destruição que ele acaba causando é como consequência por ele ser grande e um tanto estabanado.
O filme começa muito bem prestando tributo aos principais elementos da franquia. A energia nuclear (o que teria criado o monstro no longa original de 1954) e a radiação desempenham um papel fundamental na trama. E grande parte do primeiro ato se passa no Japão, o que foi outra decisão acertada.
A produção também surpreende por se focar nos personagens. Especificamente no engenheiro de usina nuclear de Bryan Cranston, que testemunha em primeira mão a destruição que uma criatura gigante pode causar, e, posteriormente, no seu filho Ford (Aaron Taylor-Johnson, o Kick-Ass), um soldado do exército que vai parar no meio da trilha de destruição.
Ótima a iniciativa de tentar construir um roteiro de blockbuster mais focado nos personagens e em seus dramas, com algumas situações até inesperadas. E que também gaste um bom tempo tentando imaginar de forma mais realista como seria o processo de lidar com essas incontroláveis forças da natureza. Que se preocupe em mostrar o antes, durante e depois da ação, e não apenas uma série de cenas de destruição gratuitas. Definitivamente esse tipo de filme precisa de mais iniciativas como essa.
O REI DOS MONSTROS
Contudo, a coisa passou do ponto. Não há equilíbrio algum entre as sequências do núcleo humano e aquilo que todo mundo realmente quer ver: Godzilla quebrando tudo pelo caminho e enchendo os outros monstros de porrada. E isso, amigo delfonauta, é um grande pecado.
Não só porque, como disse lá no começo, relega ao Godzilla o posto de mero coadjuvante em seu próprio filme, aparecendo muito menos do que se poderia esperar, mas também pela forma estética como é tratado quando finalmente dá as caras. Eu não consegui olhar no relógio, mas a impressão que tive na sala de cinema foi que o bicho só aparece em sua totalidade pela primeira vez com mais de uma hora de projeção.
A partir daí o diretor Gareth Edwards passa a conduzir a narrativa no mesmo esquema de seu filme de estreia, Monstros (2010) ou, se preferir, de Cloverfield. Vemos pedaços esparsos da ação, geralmente pelo ponto de vista de outros humanos ou por matérias nos jornais da televisão. Cenas curtíssimas, sendo que pelo menos umas duas delas dão aquela broxante sensação de coito interrompido de tão legais que poderiam ter sido caso não cortassem imediatamente para algum outro lugar sem monstros presentes.
Monstros foi feito dessa forma porque era um filme independente sem grana nenhuma. Foi a velha fórmula da criatividade da narrativa contra os perrengues orçamentários. Já Cloverfield nasceu dessa proposta, esse gimmick de não mostrar quase nada era o que sustentava o que de outra forma seria uma produção sem qualquer apelo.
Godzilla é outra história. Se você vai ao cinema ver um de seus filmes, você quer ver o bicho com calma. E você quer, sobretudo, se divertir com a destruição resultante. Mas não, você vê os monstros de relance, em muitas cenas até bem legais, e aí corta de novo para o núcleo humano e as criaturas demoram para voltar a aparecer, em mais sequências curtas onde só se pode visualizar partes.
Quando chega a grande batalha final e Gareth Edwards finalmente nos mostra o que queremos assistir em toda sua gloriosa totalidade, é simplesmente épico. Aí sim se pode ver todo o potencial que uma produção com efeitos especiais de primeira é capaz de fazer. Pena que esse momento apoteótico dure apenas alguns míseros minutos e aí, quando você finalmente está vibrando na poltrona, o negócio termina. Por conta disso, me lembrei muito de Círculo de Fogo, outro filme de monstros gigantes que prometia muito e acabou por entregar pouco.
Aliás, por conta dessa opção por fazer das cenas de ação um complemento e não o prato principal e por causa do excessivo tempo dedicado à trama e aos personagens com menos de 100 metros de altura, esse é o tipo de filme que a molecada mais nova, criada no imediatismo, na montagem epilética estilo Michael Bay e nas explosões pelas explosões vai simplesmente odiar.
Este novo Godzilla tem o coração no lugar certo. Quer homenagear a contraparte nipônica ao aproveitar referências e ao mesmo tempo ser um blockbuster com mais conteúdo e uma levada menos frenética, algo que realmente faz muita falta. Mas infelizmente a mistura não saiu como o planejado e o resultado foi uma penca de cenas muito boas enterradas em um enredo humano que se estende além da conta.
Fãs de longa data da criatura e gente com paciência para esperar os bons momentos no meio de outros mais enfadonhos podem dar uma chance ao filme, até porque ele merece ser visto na tela grande graças aos excelentes efeitos visuais. Se você não se encaixa nessa categoria, há grandes e reais chances deste longa não te agradar nem um pouco. Ainda não foi dessa vez que Godzilla ganhou uma versão estadunidense à altura de seu legado, mas ao menos o longa aponta um caminho interessante que, se bem balanceado, pode finalmente gerar o filme que o personagem merece.
CURIOSIDADE:
– Aqui vai um “causo” pessoal: assisti ao Godzilla de 1998 num cinema de shopping em Bauru, interior de São Paulo. E eis que, na metade do filme, rolou um intervalo, como no teatro. A projeção parou do nada, “Intervalo” apareceu escrito na tela e o pessoal ganhou quinze minutos para ir ao banheiro, comprar pipoca, esticar as pernas e etc… Findado esse tempo, o filme foi retomado do ponto exato de onde havia sido interrompido. Até hoje esse foi o único filme que assisti no cinema que teve um intervalo (proposital) durante sua exibição. Bizarro. E você, delfonauta, já passou por isso?