Games como turismo virtual

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Muitos motivos diferentes levam as pessoas a jogarem videogame. O desafio, a competição, caçar troféus e achievements… Para mim, no entanto, nada disso é o primordial. O que eu mais gosto nos games é a possibilidade de eles serem uma espécie de turismo virtual.

FOZ DO IGUAÇU DIGITAL

Todos que leram minha resenha de Assassin’s Creed IV: Black Flag sabem que ele me decepcionou um bocado. Porém, foi também nele que eu tive um momento inesquecível e por isso é dele a honra de abrir as festividades no texto de hoje.

Em uma das poucas fases que não envolviam navios, eu estava andando por uma floresta fechada e daí cheguei na beirada de um abismo, onde podia ver um cenário aberto. À minha frente, uma cachoeira enorme, épica e lindíssima, recheada com arco-íris, passarinhos e tudo mais que se encontraria num cenário assim na vida real. Uma verdadeira conquista técnica e artística.

Ao ver isso, eu simplesmente parei. Fiquei por alguns minutos neste lugar, andando de um lado para o outro, vendo e ouvindo, em geral absorvendo o ambiente sensacional que os artistas da Ubisoft desenvolveram ali. O caminho para continuar com o jogo era claro. A trilha seguia novamente para dentro da floresta fechada, mas eu me dei ao luxo de ficar um tempinho ali. Pois ISSO, meu amigo, é o que os games têm de melhor, e de mais único, se comparados com outras formas de entretenimento.

Pense, por exemplo, em um filme como Prometheus, que também tem cenários impressionantes e convidativos. Prometheus até nos dá muitas possibilidades de curtir esses cenários e em vários momentos a história para por um tempo para que possamos absorver aquilo. Porém, ele tem um timing estabelecido pelo diretor (Ridley Scott, no caso). Se você quiser passar mais tempo naquelas localidades, precisa pausar ou rebobinar, e mesmo assim você só pode olhar para onde o diretor quer que você olhe.

Em games não. Você não apenas olha para onde quiser, como o timing é totalmente seu. Com certeza muitos jogadores passaram reto por esse cenário, sem nem ter olhado com atenção para toda a beleza ao seu redor. Mas aqueles que, como eu, jogam com calma e sem pressa, podem passar vários minutos ali, curtindo o visual e o silêncio. Ah, o silêncio, outro grande ponto que apenas os videogames nos proporcionam.

Agora vamos comparar com o turismo real. O cenário em questão é bem parecido com as fantásticas Cataratas do Iguaçu. Mas se você for até lá pessoalmente, obviamente vai ter outras pessoas ali. Haverá ruídos de conversas, crianças chorando, lanchonetes, e mesmo construções humanas que tornam o passeio mais confortável. Essa sensação, de estar só você e a natureza, envolto em silêncio total, ouvindo apenas o barulho da água e dos animais, sem nenhuma outra alma humana por perto, é algo que só é possível nos videogames ou em trilhas que exigem muito esforço físico.

Falando em trilhas, outro jogo que dá um prazer bem semelhante a trilhas e a sensação de estar no meio da natureza é Far Cry 3 e sua ilha paradisíaca. Tanto a parte natural quanto as ruínas são tão marcantes no jogo que permanecem por muito mais tempo na memória do que os tiroteios ou a história.

Claro, os games não substituem a vida real, mas ajudam a criar pequenas viagens para lugares fantásticos quando você chega em casa depois do trabalho ou tem algumas horas livres, sem precisar tirar dias de férias. É por isso que, mais do que filmes ou qualquer outra forma de entretenimento, acredito que os games são os que mais se beneficiam de um bom equipamento de som surround e de uma TV grande. Quanto melhor o equipamento, mais proveitosas serão suas “férias de 15 minutos”.

RED DEAD CHILENO

Em alguns casos, os games podem até matar as saudades das férias de verdade. Por exemplo, o delfonauta dedicado sabe que eu passei alguns dias no deserto de Atacama. Quando voltei para a vida real, em São Paulo, por um acaso do destino, o primeiro jogo que joguei foi Red Dead Redemption. E por causa deste timing do destino, aposto que minha experiência com ele foi diferente da maioria das pessoas.

Isso porque, enquanto eu cavalgava pelos cenários desérticos, olhando para as montanhas, a vegetação e demais detalhes criados pela Rockstar, eu lembrava de quando estava nos ônibus de turismo, indo da cidadezinha de San Pedro de Atacama para os lugares turísticos. E este tempo no ônibus foi tão marcante quanto os passeios em si. Foi muito legal reviver isso em casa, depois que a viagem acabou.

VIAGEM

Nos exemplos acima, são momentos dos jogos que não se beneficiariam em nada da presença de inimigos, troféus e outros objetivos. É você e o cenário, e é isso que os torna mágicos. E parece que os games vêm percebendo isso, pois um dos jogos mais aclamados dessa geração é basicamente você andando de um ponto a outro, sem grandes objetivos, inimigos ou nada mais. É o mais belo exemplo da diferença entre simples e simplista, um jogo complexo em sua simplicidade. Falo, é claro, de Journey.

Em Journey, você está no deserto e seu objetivo é apenas andar até o final do jogo. Há pouquíssimos puzzles e não há inimigos. O jogo é apenas a viagem. De vez em quando você encontra outro jogador. Vocês podem escolher viajar juntos, ou se separar, exatamente como na vida real. E este conceito, tão mercadologicamente perigoso, rendeu um jogo aclamado por crítica e público, o que espero que incentive a criação de outros semelhantes.

AS ÚLTIMAS GIRAFAS DO MUNDO

Outro exemplo que quero dar é de outro jogo aclamado por crítica e público: The Last of Us. Este é um jogo mais tradicional, e inclusive bastante difícil. Porém, de vários momentos inesquecíveis dele, um em especial me marcou.

Para os dois delfonautas que nunca jogaram, no game seu objetivo é levar uma garota chamada Ellie em uma viagem através dos EUA pós-apocalíptico. É um caminho perigoso, cheio de zumbis e humanos malvados. Porém, o jogo tem um timing muito mais lento do que a maioria dos games. Isso porque ele tem longuíssimos trechos (algumas vezes mais de 40 minutos seguidos) sem inimigos, em que você fica apenas andando por cenários belíssimos, conversando com a sua companheira. É por isso que o jogo foi tão aclamado pela construção de seus personagens. Boa parte dos diálogos só são possíveis porque acontecem em momentos calmos, quase de tédio, que não seriam viáveis no meio de uma situação de vida ou morte.

O momento que eu quero descrever, no entanto, acontece lá perto do fim do jogo. A Ellie vê algo e sai correndo na frente, dizendo para você acompanhá-la para “ver isso”. Quando você a alcança, olha por uma janela e vê um grupo de girafas andando pelo cenário abandonado. Lembre-se, estamos em um mundo pós-apocalíptico, e a Ellie nunca viu girafas, daí a empolgação dela.

Você e ela seguem as girafas por um tempinho, até que chegam num pedaço do prédio que está destruído. E para a surpresa de ambos, e do jogador, uma girafa enfia e cabeça no buraco e começa a comer as plantinhas que estão ali. E aí o jogo te dá a possibilidade de simplesmente se aproximar e fazer um carinho na girafa. Cá entre nós, quem nunca teve vontade de fazer um carinho numa girafa? The Last of Us possibilita isso.

Depois que a girafa vai embora, você sobe até o teto do prédio, e dali pode ver o grupo de girafas inteiro, andando, comendo e afins. O jogo te possibilita apertar um botão para “parar ali e ver”. E assim tudo para. Você pode ficar ali, olhando as girafas, quanto tempo quiser, exatamente como no zoológico. E, meu amigo, eu fiquei um tempão ali. E de novo, é o tipo de sensação que nenhum filme conseguiria criar. A mesma cena poderia existir em um filme, mas não daria a possibilidade de ficarmos quanto tempo quiséssemos ali, e muito menos de olhar para onde quiséssemos. Se a descrição te deixou curioso, assista a cena aí embaixo.

NEM TUDO É PERFEITO

Você deve ter percebido que todos os exemplos acima são de jogos dessa geração. E, ao mesmo tempo, são todos “realistas” graficamente. Infelizmente, apesar dessas pérolas, a geração atual ficou famosa por ser predominantemente marrom, cheia de cenários nem um pouco interessantes. E é uma pena, pois os videogames também nos possibilitam fazer turismo virtual por cenários totalmente surreais. Nenhuma outra forma de entretenimento nos possibilitaria andar por um lugar semelhante a uma pintura de Salvador Dali. Os games possibilitam isso, mas temos aí um campo praticamente inexplorado.

Cenários surreais costumavam ser uma característica dos jogos japoneses, que andam rareando nos últimos anos. Mesmo desenvolvedoras/editoras grandes, como a Capcom, estão delegando suas franquias para desenvolvedoras externas e de países ocidentais, como aconteceu com a série Devil May Cry. Isso tem o reflexo de os jogos ficarem mais realistas, e menos propensos a cenários fantásticos.

Mais do que turismo, em jogos como Sonic, Mario ou o recente remake de Castle of Illusion, o cenário dos mundos é um grande playground, aonde o jogador está lá não para ser especialmente desafiado, mas para se divertir. E isso é mágico.

Já citei aqui como considero um momento inesquecível do primeiro God of War aquela hora em que você está escalando o Templo de Pandora e vê, lá embaixo, o enorme Cronos, lembrando-o que o templo, por maior que seja, está nas costas do titã, que é maior ainda, o tempo todo. Aliás, apesar das limitações técnicas, o primeiro God of War é, de toda a franquia, o que mais tem estes momentos de “turismo virtual pela mitologia grega”, característica que acabou perdida ao longo dos games posteriores.

Os games precisam de mais momentos assim também, sem nenhum reflexo na nossa realidade, mas igualmente inesquecíveis. Eu adoraria poder visitar da mesma forma outras mitologias, em especial a nórdica e a egípcia, assim como cenários que não tenham nenhuma outra inspiração clara além das pirações da cabeça de um desenvolvedor criativo.

Tínhamos bastante disso na época do Super Nes/Mega Drive, quando os jogos eram primordialmente japoneses, mas as limitações técnicas eram grandes, o que não dava tanto a sensação de turismo. Agora que as limitações são quase inexistentes, apenas a criatividade é o limite. Então torço para que o sucesso de jogos como Journey incentivem a criação de mais pérolas como as citadas aqui. E que, além dos cenários realistas, também sejamos brindados com cenários surreais.

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