O delfonauta dedicado sabe que meu adventure preferido é o terceiro Monkey Island. No entanto, o que você talvez não saiba é que Full Throttle também tem um lugar bastante especial no meu coração.

Foi pouco depois de ter ganhado meu primeiro computador. Claro, não foi um presente comum. A idéia era que eu o utilizasse para trabalhos escolares. Obviamente, como um reles e espinhudo adolescente, eu tinha duas preocupações principais: ver mulher pelada e jogar. Pensando bem, acho que eu não mudei tanto desde então.

Assim, na primeira semana, eu fui até urna loja de informática e saí dali com dois jogos: Dark Forces e Full Throttle. Ambos eram da Lucasarts, mas eu nem devia saber disso. Para mim, eram dois jogos de gêneros que muito me apeteciam: um era um FPS – que ficava melhor ainda por ser no universo de Star Wars. O outro? Ah, o outro era um jogo no estilão desenho animado do Monkey Island. Pois é, nessa época o terceiro Monkey ainda não tinha saído, mas eu já adorava a serie.

TOMA ISSO!

Não demorou para eu me apaixonar por Full Throttle. Logo no início, eu chutei aquele lixão onde você começa o jogo, e o Ben falou “take that!”. Eu chutei de novo e, para minha surpresa, ele não falou a mesma coisa. Ele falou “and that!”, que as legendas em português traduziram como “e mais isso!”. Como eu ri, delfonauta. Parece algo tão bobinho e de fato é. Este era o grande charme da Lucasarts. Seu humor era inocente e bobo, o que deixava seus jogos altamente charmosos e os colocaram no coração de toda uma geração de gamers.

Full Throttle também foi o primeiro adventure a usar de um novo modo de controle, que eu considero a melhor forma de controlar este tipo de jogo. Funcionava assim: você clivava e aparecia um menu com olhos, boca, mão e pé. Escolha como deseja interagir. A boca, claro, serve para conversar, mas acabou rendendo uma das frases mais famosas do gênero: “I’m not putting my lips on that!”, dita quase sempre quando você usa a boca em um objeto inanimado. Nesta nova versão, a piada foi até usada apropriadamente para o nome de um troféu.

Este novo modo de controle era uma evolução considerável do esquema de verbos tradicional, usado em jogos como os Monkey Island anteriores e o clássico Day of the Tentacle. Ele simplificava e deixava o jogo bem mais intuitivo e agradável.

Admito, naquela sombria época pré-internet, eu fiquei um bom tempo travado, e até me lembro em que parte. Sabe aquela parte do cachorro no ferro velho? Pois é, eu demorei alguns dias para sacar que eu podia andar para a direita, já que até este momento, as telas eram fixas. Sabe quando você desencalha e fica se sentindo um burraldo por ter travado ali? Pois é, o trauma foi tamanho que eu nunca mais esqueci daquela cena.

E MAIS ISSO!

“Mas e a versão remasterizada, Corrales?”, pergunta a delfonauta dos lábios vermelhos. E eu respondo ao mesmo tempo em que pego o celular dela e coloco meu telefone nos seus contatos. A versão remasterizada é excelente. Basicamente, ela é quase aquilo que o jogo seria se não fossem as limitações técnicas da época.

O visual, que antes se dividia estranhamente entre computação gráfica e cartum, agora é totalmente cartunesco. O pixelado não existe mais também, agora é tudo redondinho. Se antes Full Throttle já parecia um desenho animado, agora ele é um desenho animado. Ou quase.

Acontece que ele sofre dos mesmos problemas de tantos outros remasterizados: a animação não foi mexida. Isso significa que ela está muito aquém dos padrões atuais. Cada quadro foi cuidadosamente recriado em alta definição, mas novos quadros não foram criados, e isso causa estranhamento.

Músicas e vozes também foram remasterizadas, e é perceptível, especialmente quando as empolgantes músicas dos Gone Jackals tocam a todo volume – agora em 7.1. Ouça a música abaixo e tente não se empolgar. Agora imagine ela saindo a todo vapor de um home theater moderno. Fuck yeah!

O legal é que você pode alternar entre o estado atual do jogo e o original apertando o touch pad. O original tem um charme retrô muito forte, pois é incrível a qualidade do design do jogo. A remasterizada é bem fiel e basicamente se limita a tirar as limitações do passado, mas é inegável que muito do charme do visual antigo está justamente em como eles lidaram com essas limitações.

PÉ NA TÁBUA

Full Throttle Remastered é uma chance de reviver as memórias da adolescência para aqueles que já o jogaram e, para quem não jogou na época, é também uma chance de conhecer um pouco da história dos games, neste que se tornaria um dos adventures mais famosos de todos os tempos. Ao contrário de vários dos clássicos da Lucasarts, este é bem mais acessível e não exige ser jogado com um guia do lado. No entanto, se você travar, hoje a internet existe, então a solução sempre está a um clique de distância. Jogue pela nostalgia ou pelo valor históricos, mas jogue. Full Throttle é a obra-prima do Tim Schafer e continua tão legal hoje quanto era no passado.

REVER GERAL
nota
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Carlos Eduardo Corrales
Editor-chefe. Fundou o DELFOS em 2004 e habita mais frequentemente as seções de cinema, games e música. Trabalha com a palavra escrita e com fotografia. É o autor dos livros infantis "Pimpa e o Homem do Sono" e "O Shorts Que Queria Ser Chapéu", ambos disponíveis nas livrarias. Já teve seus artigos publicados em veículos como o Kotaku Brasil e a Mundo Estranho Games. Formado em jornalismo (PUC-SP) e publicidade (ESPM).
full-throttle-remasteredPlataformas: PS4 e PC<br> Versão analisada: PS4<br> Desenvolvedora: Double Fine, Shiny Shoe<br> Editora: Double Fine<br> Ano: 18 de abril de 2017<br> Gênero: Adventure Point and Click