Dogão, Amigo Pra Cachorro

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Esse título causa sentimentos paradoxais em mim. Por um lado, como um fã de piadas infames (como você já deve saber, considerando que o Rezek é um delfiano), achei genial a idéia de traduzir Doogal como Dogão, embora admita que ficou, talvez, um pouco infame demais. Por outro lado, não consigo entender como ainda tem gente que acha boa a idéia de colocar subtítulos como “pra cachorro”, “da pesada”, “do barulho”, etc e tal. Aliás, também não agüento mais as empresas, veículos e demais que falam idiotices como “a gente faz aniversário, mas quem ganha presente é você”. Isso pode ter sido uma boa idéia há uns 40 anos, quando a primeira pessoa pensou e usou, mas hoje simplesmente denota que sua empresa não tem a menor criatividade e prefere repetir um chavão já usado milhares de vezes antes ao invés de criar algo único e exclusivo. Mas, broncas de ex-publicitário à parte, agora eu tenho que cumprir minha profissão atual, a de crítico.

Ao contrário do que o subtítulo dá a entender, Dogão não é uma história da amizade de uma garota com um au-au, naquela linha Freewilly e tal. A amizade, claro, está presente, mas este é muito mais um filme de ação com humor do que uma historinha melosa de amizade.

Tudo começa quando Zé do Mal, um mago do mal e que na verdade é uma mola, escapa de sua prisão. Zé Bem Bem (você adivinhou, o mago do bem, que também é uma mola), junta, então, a sua fellowship of the spring (esse nome não é usado no filme, eu inventei agora) para que eles recuperem os diamantes que possibilitarão que Zé do Mal volte a ser encarcerado. Entre os heróis, temos Dogão, uma vaca, uma lesma (que na verdade pra mim parece um caracol, acho que traduziram errado na dublagem), um trenzinho e um coelho roqueiro, que faz várias referências a bandas, de Pink Floyd a Beatles.

A partir daí, é uma perseguição cheia de cenas movimentadas para ver quem chega nos diamantes primeiro mas, verdade, seja dita, toda a ação é bem básica e infantil, sem muito desenvolvimento. E o mais estranho: praticamente 90% das piadas são referências adultas, muitas completamente obscuras. É quase como se os adultos assistissem a uma comédia, enquanto as crianças ficam com a ação. Meio bizarro, para ser sincero, pois Dogão não consegue conciliar aventura e comédia como os recentes desenhos da Pixar e da Dreamworks têm feito tão bem.

Entre as referências, temos desde os tradicionais Matrix e Senhor dos Anéis até coisas praticamente desconhecidas aqui no Brasil, como a fábula The Little Engine That Could que, aliás, deve ser uma das poucas referências ao universo infantil presente, mas nenhuma criança brasileira vai sacar. Eu, pelo menos, só conheci essa história depois de velho. Mas o troféu de “referência mais obscura” vai para o momento em que a lesma fala “Mama se, mama sa, mama coo sa”. Sinceramente, tenho minhas dúvidas se alguém na sessão sacou a piada, mas para o delfonauta que não sacou, eu explico. Isso é uma alusão à música Wanna Be Startin’ Something, presente no álbum Thriller, do Michael Jackson. Mas, pô, embora esse seja um dos discos mais vendidos da história, quem, além de mim, se lembra dessa música? Principalmente se lembrarmos que nesse mesmo disco tem, além da faixa título, os imensos hits Billie Jean e Beat It. Pô, sei que o Bruno Sanchez também tem esse disco e aposto com você que ele não sacaria a referência! 😉

Uma outra parte que chega a valer o ingresso é quando o coelho se empolga com a sua guitarra e manda uma versão para You Really Got Me, imortalizada pelo Van Halen. Só que o mais legal é que a letra foi traduzida na dublagem, o que deixou tudo ainda mais bizarro. Canta comigo: “Amor, você me pegou de jeito, tanto que eu nem sei o que estou fazendo”. Aí entra o coralzinho com o Yeeeeaaaaah! Genial, só teria traduzido “Girl”, como “Mina”, pois é bem mais engraçado que “Amor”, mas mesmo assim, eu ri muito quando reconheci o riff. E quando o coelho começou a cantar em português, ri mais ainda.

Apesar dessa divertida versão, as demais piadas no geral não são assim tão engraçadas. Eu sorri várias vezes durante o filme, mas não ri alto nenhuma vez. E a parte da ação me deixou um pouco entediado, pois achei infantil demais, até para mim que sou uma criança grande.

Uma coisa que não tem como colocar defeitos é o visual do filme, que é absurdamente fofinho. Fiquei o filme todo com vontade de apertar o nariz do Dogão e os demais personagens são igualmente bilu bilu. Agora como um todo, Dogão não é nenhuma pérola da animação, como Happy Feet, por exemplo. Este é um filme bem razoável, recomendado principalmente para crianças bem novinhas.

Reclamações e curiosidades:

– A dublagem estadunidense desse filme conta com nomes bem legais, como Judi Dench, Ian McKellen, Whoopy Goldberg e até o ídolo nerd Kevin Smith. Mas nem adianta se animar, pois apenas cópias dubladas em português vão passar nos nossos cinemas.

– A carência afetiva de algumas pessoas realmente me incomoda. Durante os créditos, tem algumas cenas que mostram os atores fazendo a dublagem e, para cada famoso que aparecia, uma mulher sentada na fileira imediatamente atrás de mim dava gritinhos e gemidos. Se ela grita daquele jeito em uma sessão de cinema, imagino como deve gritar na cama. Se bem que, para ela estar tão carente de atenção a ponto DE GRITAR EM UMA SESSÃO DE CINEMA, ela não deve dividir a cama com ninguém há um bom tempo.

– Em cabines de filmes infantis, para o meu desespero, é comum ser permitida a entrada de crianças. Digo isso porque, se a maior parte dos adultos não consegue ficar calado, sem falar no celular e sem chutar a cadeira da frente por mais de uma hora, como podemos esperar isso das crianças? Claro que aqui eu me refiro a pessoas genéricas, pois tenho certeza que o delfonauta tem a capacidade de respeitar os demais e não tem nenhuma dificuldade em fechar a boca quando as luzes se apagam e só voltar a abri-la quando elas se acendem, certo? Quão difícil pode ser deixar para comentar o filme DEPOIS que ele acaba? Sem falar, é claro, em desligar o celular. Se precisa falar urgente no telefone, saia da sala para atender, ou melhor, nem entre!

– Por fim, por que diabos os adultos têm necessidade de ficar narrando o filme para as crianças? Seriam seus filhos retardados, incapazes de entender um filme dublado e feito para crianças a partir de três anos? Ao meu lado, tinha uma mulher que ficava a toda hora falando para sua filha o que estava acontecendo. E pior é aquela mania que têm de ficar falando com os moleques com aquelas melodias irritantes (verdade seja dita, mulheres fazem isso bem mais do que homens, deve ser genético). “Ah (voz de espanto)! O chiclete saiu da boca dele!” ou “Olha, ele tá soltando pum!”, foram algumas das pérolas soltadas pela desgraçada. Se fizessem isso comigo quando eu era um infante, possivelmente responderia “sim, estou assistindo ao mesmo que você, agora cala a boca para eu continuar assistindo, cacilda!”.

– Responda para mim, delfonauta, será que eu sou a única pessoa que acha que absolutamente nada deve tirar sua atenção do que acontece na tela durante uma sessão de cinema? É tão absurdo querer sentar confortavelmente em uma cadeira sem ser chutado, desejar silêncio absoluto para proporcionar a maior imersão possível na história e não querer luzinhas de celulares acendendo ao seu redor como se fossem árvores de natal fora da época? Às vezes eu me sinto o último cinéfilo da face da Terra…

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Nota
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Carlos Eduardo Corrales
Editor-chefe. Fundou o DELFOS em 2004 e habita mais frequentemente as seções de cinema, games e música. Trabalha com a palavra escrita e com fotografia. Já teve seus artigos publicados em veículos como o Kotaku Brasil e a Mundo Estranho Games. Formado em jornalismo (PUC-SP) e publicidade (ESPM).
dogao-amigo-pra-cachorroPaís: França/Reino Unido/EUA<br> Ano: 2006<br> Gênero: Ação/Comédia<br> Artista: Livre<br> Distribuidor: Imagem<br>