É parte das boas memórias de muitos adultos: quando crianças, uma das brincadeiras preferidas era imitar os mágicos da TV ou dos filmes; e o auge era quando se dizia a palavra mágica: abracadabra. Muitos, ainda na infância, tentavam fazer desaparecer aquela lição de casa complicada da escola, fechando os olhos e pensando com toda a concentração do mundo: abracadabra. Claro, não funcionava.
Então a gente cresce e descobre que uma das nossas bandas preferidas vai lançar disco novo. Beleza! Ansiedade a mil. Mais alguns meses e anunciam o título do tal disco: Abrahadabra e a gente fica sem entender nada. Como assim? Agora uma das mais foderosas (como é bom escrever essa palavra) bandas de heavy metal vai lançar um disco que faz menção aos mágicos de filminhos infantis. Pronto. Agora sim é que vão dizer aquelas coisas típicas de fãs de metal radicais: se venderam, são mainstream, muita pose e pouca música.
Lançado em 2010, Abrahadabra é o nono álbum de estúdio da banda norueguesa Dimmu Borgir. Qual o melhor rótulo pra classificar a música dos caras? Aí vão algumas opções; e o leitor que escolha a que melhor lhe convier. Symphonic Black Metal, Black Metal, Heavy Metal e tantos outros. Prefiro utilizar o clássico e universalmente reconhecido Heavy Metal.
Uma boa definição para esse trabalho seria grandiosidade. Aproximadamente 11 meses foram consumidos em sua construção, que conta ainda com a participação de coral e orquestra noruegueses; quase 100 músicos envolvidos. Há, ainda, toda uma concepção visual muito bem trabalhada; que pode ser conferida nas fotos promocionais da banda e no vídeo clipe para a faixa Gateways.
A máscara que consta na capa é obra do artista plástico Joachim Luetke e, segundo ele, é uma referencia a um dos trabalhos de H. P. Lovecraft, conhecido escritor de ficção e terror. Aliás, vale uma conferida no site do cara. Tem imagens bem bacanas lá.
Mas afinal de contas, quem é que está usando “abracadabra” de forma equivocada? Os mágicos bonzinhos que habitam nossas memórias de infância ou os noruegueses que batizaram sua banda com o nome de uma localidade na escandinávia onde há uma formação rochosa que se acredita ser a entrada para o inferno? Duas definições. E, mais uma vez, que o leitor tire suas próprias conclusões.
O Instituto Antonio Houaiss nos diz o seguinte: “palavra cabalística a que os antigos atribuíam a virtude de curar moléstias / palavra cabalística que metiam em um amuleto, na crença de que tinham a virtude de curar certas doenças”. A Wikipédia diz o seguinte: “uma possível origem seria do Aramaico אברא כדברא avra kedabra que significa ‘Eu crio ao falar’”.
Tudo aquilo que os fãs do gênero buscam é possível encontrar aqui. Músicos demonstrando técnica absoluta; momentos de pura agressividade em alternância com passagens que primam pela delicadeza. Vamos a um faixa a faixa? Come with me, i´ll take you there, to the land of make believe. Ops, isso não deveria estar aqui né? Sabe de quem é?
1 – Xibir é a típica introdução desnecessária. Sabe aquele expediente batido da faixa instrumental de abertura só pra “dar um clima”? Pois é isso o que temos aqui.
2 – Born Treacherous inicia de fato os trabalhos. Ótimas quebras de tempo, baixo extremamente audível e perfeita conexão entre orquestra, coro e banda. Boas variações vocais de Shagrath.
3 – Gateways gera uma longa pausa. Com toda a parcialidade de quem há muito vem acompanhando o trabalho dessa banda: putz! Ritmo cadenciado, influenciado pelo heavy metal tradicional e com uma letra muito bacana: realize you are your own sole creator of your own masterplan
O clipe pra essa música merece total atenção: belíssimo e ao mesmo tempo assustador. Dica: experimente mostrá-lo para alguém que não tenha um mínimo de ligação com o mundo do heavy metal. Observe atentamente a reação dessa pessoa.
4 – Chess With the Abyss continua com quebras de ritmo e variações vocais. Aqui chama atenção o trabalho das guitarras de Silenoz e Galder, pura NWOBHM.
5 – Dimmu Borgir tem um início foderoso ( de novo essa palavra). Orquestra, coral e banda. E sua letra, segundo os músicos, é quase uma autobiografia sobre as dificuldades recentes que enfrentaram com a saída de antigos componentes.
6 – Ritualist começa dúbia. Guitarras acústicas abrem a faixa que se desenvolve num andamento bem black metal e muda completamente o ritmo no refrão. Guitarras power metal e excelentes vocalizações limpas de Snowy Shaw, o baixista que entrou pra banda e rapidamente voltou a seu local de origem, o igualmente tremendão Therion.
7 – The Demiurge Molecule tem um título filosófico, não? Aqui a quebradeira de ritmos assume seu mais alto grau dentro do disco. Com um título desses, não poderia faltar na letra trechos como “arcane perfection/arcane illumination”. As guitarras mais uma vez são completamente power metal.
8 – A Jewel Traced Through Goal é a mais black metal em um disco que não é black de uma banda que um dia já foi. Para desespero dos puristas, mais uma belíssima participação de coro e orquestra.
9 – Renewal começa parecida com Painkiller do Judas Priest. E também tem muito das guitarras gêmeas do Thin Lizzy, Judas Priest e Iron Maiden; além de excelentes vocalizações limpas de Snowy Shaw novamente.
10 – Endings and Continuations tem um começo assustador e é uma experiência interessante. Ouvir Shagrath falando/sussurando ages of the past / abrahadabra / forever to last é algo belíssimo, sobretudo se considerarmos todo o contexto de concepção/produção do disco.
11 – Não consta no track list da contra capa, mas há uma faixa 11, que é a parte de orquestrações e coral da faixa Gateways, sem guitarras, vocais, bateria ou baixo.
Acho que agora entendi o título. Esse disco, de fato, é um amuleto capaz de curar muitos males; ou no mínimo espantar muitos deles. Claro, o que se tem aqui é pura criação enquanto se fala/canta. Merece o Selo Delfiano Supremo, de tão bom.
Curiosidade: Sabe qual é a pronuncia correta para Dimmu Borgir? É só clicar aqui para descobrir.