Pegue uma porção de letras sombrias, uma vocalista mentalmente perturbada, misture com influências de noise rock, blues e grunge e bata tudo em um liquidificador, depois sirva sem parcimônia em um palco que mais parece um hospício. Esta é mais ou menos a receita do Queenadreena (anteriormente grafado como Queen Adreena), banda fundada por KatieJane Garside e Crispin Gray no fim dos anos 90, em Londres.
Pouca gente os conhece fora do Reino Unido, mas eles fizeram bastante sucesso por lá. Infelizmente, a banda já não existe mais. Seja como for, os membros do Queenadreena meio que se esforçavam para fugir dos holofotes, bem como de qualquer cenário que pudesse ser considerado mainstream. Por quê? Não sei, bicho. Essa galera é esquisita.
A vocalista KatieJane, por exemplo, é avessa a entrevistas e pouco se sabe sobre sua vida pessoal. Rolam boatos de que ela passou anos internada para tratar de problemas mentais antes de integrar a banda. Em suas apresentações ao vivo, a moça costumava rasgar a própria roupa e ficar peladona durante os shows. Às vezes se cobria de flores e usava vestidos que lhe conferiam contornos de fada. Em outras ocasiões borrava a boca de batom vermelho e, vestindo uma camisolinha quase transparente, sensualizava dançando em uma cadeira sobre o palco.
Tudo isso já chamaria a atenção, mas nada é mais especial do que ouvir KatieJane cantando. Sua voz é rouca, macia e reconfortante, por vezes quase infantilizada. Doce e assustadora ao mesmo tempo. Mas suas letras versam sobre estupros, assassinatos, solidão, abandono, remorso e tristeza – o pacote completo. E quando você menos esperar, a dor se transformará em fúria e KatieJane explodirá em gritos rasgados que são a própria voz da insanidade.
Se essa descrição parece contraditória, é porque é mesmo. Queenadreena é uma banda ambígua, cheia de nuances. Esquizofrênica e fora de controle tanto em seu formato – arranjos, melodias, timbres – quanto em seu conteúdo, de onde emergem declarações poéticas como esta, cantarolada muito suavemente por KatieJane em Happy Now:
“Filled with bile and bruising
Against the kitchen sink
Give me a kiss
I’ll slash my wrist
We’ll watch the blood run pink”
E o aspecto mais sinistro não é nem a letra em si, mas a forma como Garside a canta. Dá para sentir a loucura sendo destilada em cada verso, enquanto a guitarra de Crispin trabalha sorrateiramente no fundo, esperando a chegada do refrão para ganhar corpo.
Eu conheci Queenadreena em 2012, e desde então não consigo passar mais do que um punhado de meses sem revisitar a banda. E toda vez que retorno a ela (tenho uma playlist com as favoritas: nada menos que 29 faixas), sinto que as músicas parecem se tornar ainda melhores. Há sempre uma nova camada a ser descoberta e estudada: seja instrumental, lírica ou emocional. Pequenos detalhes que vão sendo revelados mesmo depois de já ter escutado a mesma música dezenas (talvez centenas?) de vezes.
Atualmente, KatieJane mora em um barco com seu marido e dois filhos, e não faço ideia do que os outros membros da banda estão fazendo. Mas o que sei é: Queenadreena é uma banda que conversa comigo como pouquíssimas outras bandas fizeram. As músicas são bonitas, horrendas, delicadas, monstruosas. São perversas e inquietantes, tranquilas e relaxantes– uma dualidade perfeita entre os opostos mais opostos do espectro humano.
Se pudesse obrigar você a ouvir Queenadreena, eu obrigaria. Mas já que não posso, deixo aqui o clipe de uma das minhas canções prediletas. Este vídeo foi o primeiro contato que tive com a banda, e faço questão de que seja o seu também: