Tinha começado minha aventura por Dark Souls III há pouco tempo. Ainda não tinha tido a possibilidade de fazer upgrades nem encontrado algum chefe. Também não tinha morrido. Meu subconsciente falava para o meu consciente: “aproveita, Corrales, não vai demorar para as mortes começarem”.
O fato é que Dark Souls III começa de forma muito mais light do que Bloodborne ou Scholar of the First Sin.
Bloodborne te inicia sem armas, praticamente te obrigando a morrer no primeiro inimigo. E até chegar no primeiro chefe, você vai morrer muitas vezes. Já Scholar of the First Sin faz suas armas quebrarem com frequência e você não consegue consertá-las até liberar o ferreiro, o que não só leva um tempo e exige uma habilidade considerável, como muita gente vai precisar de um guia para conseguir.
Aqui eu não precisei consertar minhas armas nenhuma vez nas 45 horas que levei para concluir a história do jogo, e levei um bom tempo para morrer pela primeira vez. Especificamente, cheguei ao primeiro chefe sem ter batido as botas nenhuma vez. Ao chegar nele, no entanto, morri. E morri. E morri de novo.
O que achei legal é que, sim, tive dificuldades neste chefe. Porém, ele nunca pareceu impossível. A cada tentativa, eu tirava mais energia dele. Muitas vezes eu fui derrotado enquanto ele tinha apenas uma merrequinha de vida. Em outras palavras, foi uma batalha difícil, mas que nunca pareceu inalcançável. Precisa ser muito bom de gamedesign para atingir este equilíbrio.
Dark Souls III não é tão equilibrado o tempo todo. Muitos dos chefes da segunda metade do jogo são praticamente impossíveis de serem vencidos por conta própria (pelo menos por alguém com a minha habilidade). Ainda assim, jogá-lo do início ao fim rende um monte de histórias para contar entre amigos gamers na mesa da hamburgueria. Algumas delas eu contarei neste texto.
VÍCIO TRANSMITIDO PELO SANGUE
Muita gente terá em Dark Souls III sua primeira incursão na série Souls. Como já contei por aqui antes, eu tive uma breve experiência com Demon’s Souls, mas foi com Bloodborne que realmente percebi como os jogos da From Software eram bons.
Com isso, passei um bom tempo jogando Dark Souls II em sua versão Scholar of the First Sin e fiquei realmente empolgado para o lançamento de Dark Souls III. Eu sabia que, quando chegasse a hora de jogá-lo, meus sentimentos sobre ele iriam do “cara, isso é muito legal” para o “isso é muito injusto” bem rápido.
A relação de um gamer com Dark Souls lembra, dadas as devidas proporções, a daquelas mulheres envolvidas em um relacionamento abusivo. Elas não conseguem largar o cara, mesmo ele não sendo bom para ela. É mais ou menos assim que eu me sinto com esses jogos.
Toda vez que liberava uma nova área, rolava uma empolgação enorme de explorá-la e revelar seus segredos. Porém, quando eu começava a morrer repetidas vezes, sem nenhum sinal de avanço ou da próxima fogueira, a frustração aumentava, a ponto de eu querer parar de jogar.
Só que eu não gosto de parar no meio de uma fase, então decidia “vou terminar esta fase e vou jogar algo mais relaxante”. Daí chegava no chefe. “Só matar este chefe e vou dar uma pausa”. Quando finalmente o brucutu caía sob a epicidade do meu poder, obviamente uma nova área se abria. Eu estava livre para fazer outras coisas, mas tinha uma outra área ali, pedindo com voz sedutora para ser explorada. É realmente difícil parar de jogar Dark Souls.
COOP VITORIOSO
Eu tinha matado já uma grande quantidade de chefes por conta própria. Porém, Aldrich, Devourer of Gods era mais forte do que eu. Em várias tentativas, eu dificilmente conseguia tirar mais de 10% da sua vida. “Este é o chefe que vai me vencer, pensei”.
Dark Souls III, no entanto, tem um modo coop, que é um tanto escondido e, para ser sincero, não funciona muito bem. Você precisa usar um item chamado ember, que vai aumentar sua energia em 30% e vai permitir que você veja sinais no chão, que podem ser usados para chamar outros jogadores no seu jogo. Isso também abre a possibilidade de você ser invadido por um jogador hostil, e dura até você morrer.
O problema é que o sistema não funciona muito bem. Perto das lutas com chefes é onde a maior parte dos jogadores coloca seus sinais, mas você basicamente tem que esperar um deles aparecer e apertar o X em cima dele. Feito isso, você deve torcer, pois em 90% das vezes, leva uma mensagem de erro dizendo “unable to summon”. Não dá para entender porque dá tanto erro, mas é realmente difícil conseguir que alguém entre no seu jogo.
Felizmente, não é tão difícil quanto em Bloodborne. No jogo anterior, eu só consegui jogar em coop uma única vez, pois eu tocava o maldito sininho, mas parecia que o negócio não funcionava.
Por outro lado, é bem comum que, enquanto você está tentando juntar alguns parceiros para matar um chefe, você seja invadido e, pela minha experiência o invasor sempre vence, exigindo que você use um novo ember e comece o processo do nada. Realmente deveria ter uma forma de desativar as invasões, uma vez que são uma função bem pentelha do jogo e que nunca são bem-vindas para alguém que quer avançar na história e não brincar de PVP.
Assim, eu passei uma boa parte da tarde de domingo tentando vencer o maldito Aldrich sem sucesso. Percebi que não conseguiria vencê-lo sozinho e teria que pedir ajuda de jogadores melhores do que eu. Passei mais um bom tempo para conseguir juntar dois coleguinhas e poder encarar o chefe.
Em coop, os chefes ficam muito mais fáceis. Só o fato de outros jogadores também servirem de alvo do vilão ajuda bastante, pois você consegue recuar e usar um estus flask para recuperar sua vida. Ainda assim não fica fácil, pois a maioria dos chefes consegue matar você em dois golpes, e muitas vezes os dois vêm seguidos, batendo suas botas dolorosamente.
Pela experiência, percebi que o mais importante quando você é o host é se manter vivo. Se você morre, os jogadores que estão te ajudando perdem também. E se um deles morre, os restantes podem continuar lutando, então realmente o host não pode morrer. Mas mesmo assim eu morri algumas vezes.
Depois de algumas horas, e com a ajuda dos meus dois novos melhores amigos, finalmente venci o monstrão. Todos os jogadores fazem gestos de comemoração, sabendo que nossos caminhos agora vão se separar. Quando o chefe morre, o jogo desconecta todo mundo, então sempre rola uns tchauzinhos emocionados. É uma pena que não tenha voice chat, pois eu realmente gostaria de agradecer os coleguinhas que me ajudaram a passar de um chefe tão difícil.
LEVEL UP
Uma coisa que eu percebi jogando Dark Souls III é que subir de nível não significa quase nada. Aumentar sua stamina, por exemplo, dá um aumento de apenas 2%. Caso você use uma arma que se beneficie de força, aumentar este atributo vai fazer o dano dela passar de 150 para 151. É algo muito incremental, e considerando quão caro cada level up passa a custar depois de um tempo (no final do meu jogo, cada um estava custando 50 mil almas), eu logo passei a não me importar mais tanto com isso, o que é uma boa, pois quando você morre perde todas as almas que estiver carregando. E quero ver você não xingar quando isso fatalmente acontecer. Sem falar o desespero de quando você tem um monte de almas na mão, vê que vai rolar um chefe, mas não tem o suficiente para um upgrade, ficando sem opções.
Basicamente, os level ups servem para você usar determinados equipamentos. Algumas armas podem exigir que você tenha X de força para poder equipá-las, enquanto as armaduras têm um peso e você tem limite no quanto pode carregar. E se estiver com mais de 70% desse limite, terá limitações de movimento, deixando o jogo ainda mais difícil.
E aí que está. Meu personagem tinha por volta de 15 de strength e dexterity, e quando eu pegava alguma arma bacana ela exigia que eu tivesse 40 ou mais. Chega a parecer inalcançável considerando quão caro é cada um desses upgrades.
Por causa disso, eu passei o jogo todo usando uma arma que peguei logo no início (um machado com dano de dark) e uma armadura que arranjei também logo na primeira fase. Eu até queria experimentar outras armas, mas toda vez que pegava uma interessante que tinha a capacidade de usar ou estava próximo o suficiente para valer o investimento de pontos nas exigências dela, tinha a sensação de as armas serem mais fracas, então acabei não mudando mais.
O que vale mais a pena fazer é upgrades nas armas. Se um level up de força aumenta seu dano em um único ponto, subir o nível da sua arma preferida aumenta em 20 ou mais. Bem mais eficiente, e ainda é bem mais barato.
COOP BUGADO
Depois da minha história com o Aldrich, eu passei a usar mais o modo coop para matar outros chefes. O problema foi quando fui visitar Archdragon’s Peak, uma área opcional muito difícil. Consegui chegar até o final dela e liberar o chefe, um tal de Nameless King.
Essa batalha começa com o sujeito montado em um dragão. Eu até consegui matar o dragão com bastante dificuldade e drenando muitos dos meus itens, mas daí ele simplesmente enche novamente toda a energia e agora deve ser derrotado no tete-a-tete. Comigo já enfraquecido e sem itens, eu percebi que não conseguiria vencê-lo. Hora de apelar para o coop.
Talvez por ser uma área secreta e bem escondida, demora muito mais para aparecer o sinal de coop no chão dessa área. E como o sistema não funciona direito, invariavelmente você recebe a maldita frase “unable to summon”.
Para você ter uma ideia, em duas horas esperando na entrada do chefe, eu fui invadido e morto dezenas de vezes, mas só consegui juntar um time de dois coleguinhas e encarar o chefe duas vezes. E perdi ambas.
Eu terminei Dark Souls III. Explorei todas suas áreas, inclusive as secretas, e matei todos seus chefes. Todos, com exceção do Nameless King, que é difícil demais para encarar sozinho, e o coop não funciona direito para conseguir parceiros.
CADÊ O CHEFE?
Dark Souls é uma série que não te diz para onde ir. Isso faz parte do seu charme, e contribui para a sua exploração ser tão satisfatória. No entanto, também vai eventualmente deixar o jogador perdido. Eu tenho uma história sobre isso, e nem guias de internet me ajudaram.
Após vencer três dos Lords of Cinder (os chefes mais bombados de Dark Souls III), você é teleportado para uma sala onde vai encontrar outro chefe, chamado Dancer of the Boreal Valley. Obviamente, o chefe me matou. Só que ao invés de eu renascer na fogueira mais próxima, eu apareci na fogueira do chefe anterior, em outra área. E fiquei sem saber para onde ir.
Procurei na internet por “Dancer of the Boreal Valley location” e não achei nada muito claro. Os guias diziam que ele ficava na região do castelo de Lothric, mas não falavam perto de qual fogueira ou como chegar lá. Bom, depois de muito explorar, eu consegui encontrá-lo, então se você também travou nessa parte, DELFOS ao resgate.
Chegar lá é simples quando você sabe onde ele está. Teleporte-se para a fogueira de onde lutou com o chefe Vordt e ande para trás. Vai ter uma linha reta com uns inimigos que a essa altura do campeonato serão vencidos facilmente. Passe por eles e você vai encontrar a porta de fumaça que simboliza a entrada para os chefes. Divirta-se! =]
DO OUTRO LADO DO ONLINE
Depois de terminar o jogo, resolvi experimentar o outro lado do online. Fui tentar invadir alguém para ver qual era a graça. Joguei contra um cara que me venceu e em seguida contra um que eu venci. Eu me senti um grandessíssimo FDP por ter invadido o jogo do cara e eliminado o ember dele.
De recompensa por ter feito isso, ganhei apenas um item que não dá para usar e aparentemente não serve para nada. Sua descrição diz algo como “prova de vitória ao invadir outros mundos”. Se ganhei alguma experiência, foi quase nada. Em outras palavras, realmente não vi nenhuma graça nisso, e só me senti mal. Senti uma obrigação de ajudar outros jogadores, e resolvi dedicar algumas horas a colocar meu símbolo perto da entrada de alguns dos chefes mais difíceis.
Aí foi uma experiência completamente diferente. Além de ser muito mais divertido ajudar ao invés de atrapalhar, é bem legal ver os gestos de comemoração do carinha que foi ajudado após vencer a luta. Além disso, ao vencer você ganha um ember e um montão de experiência. No tempo que passei lutando contra chefes variados nos jogos dos outros, consegui subir uns quatro níveis, o que me custou mais de 200 mil almas.
Além disso, quando estava do outro lado, não senti que o coop não funcionava. Ao colocar meu símbolo, no máximo alguns minutos depois já entrava no jogo de alguém e não recebi nenhuma mensagem de erro. Provavelmente vou passar mais um tempo nos próximos dias ajudando outras pessoas a desencalhar de chefes difíceis.
INVASOR CAMARADA
Minha história contra o Nameless King não é feita só de momentos ruins. Eu cheguei a me juntar com um coleguinha, mas estava tentando chamar outro, uma vez que o chefe é bem difícil. O amigo que se juntou a mim resolveu esperar deitado no chão enquanto eu procurava por algum sinal que funcionasse e que trouxesse alguém para o time. Como sempre acontecia, claro, nós fomos invadidos por outro jogador que queria nos destruir.
O vilão chegou. Viu que eu estava na minha, procurando por sinais no chão e meu colega estava deitado. Parou, olhou. E simplesmente deitou do lado do meu amigo. E os dois ficaram lá, deitados e relaxando numa boa. Eventualmente, eles levantavam e ficavam acenando um para o outro ou fazendo outros movimentos.
Foi algo engraçado e divertido, especialmente porque a essa altura, toda vez que o jogo dizia que eu fui invadido eu começava a xingar e com vontade de desligar antes que ele me matasse, então foi legal ter uma invasão mais camarada para variar um pouco.
Claro, o cara podia simplesmente levantar e nos matar a qualquer momento, então o perigo nunca deixou de existir. Como mais de dez minutos depois eu não estava conseguindo um segundo parceiro para encarar o chefe, resolvi iniciar a batalha contra o chefe, o que expulsa o invasor do seu jogo. Perdemos, claro, mas eu fiquei com uma historinha pra contar.
TEM MUITO MAIS
Essas são algumas das histórias que vivi com Dark Souls III, e alguns comentários mais descritivos para quem ainda não jogou a série. Teria muito mais a falar. Tenho pelo menos mais três histórias divertidas ou curiosas anotadas aqui, mas já me estendi bastante. Também teria muito a dizer sobre o jogo em si em uma resenha tradicional.
Por exemplo, como o design artístico dele é exemplar. Como existe uma imensa variedade de inimigos diferentes, todos com visuais e formas de luta incríveis e detalhadas. Como os cenários são legais e mesmo aqueles mais cinzas e sem graça têm uma imensa quantidade de detalhes que mostram o carinho envolvido em sua criação.
E ainda tem a música, belíssima, com um jeitão que transita entre o santo e o profano que muito me agrada. Só é uma pena que músicas toquem apenas nos chefes, e o resto do jogo se ancore no seu excelente design de som.
Poderia também falar das novidades no gameplay, como as habilidades de armas, mas isso é algo que eu quase não usei, já que preferia gastar a minha barra de mana com magias propriamente ditas.
Tem muito o que falar de bom de Dark Souls III. É um jogão, em todos os sentidos. É divertido, caprichado e tem uma jogabilidade que está entre as melhores dos jogos de ação. É também enervante e frustrante em muitos momentos.
Sei que tem muita gente que gosta de Dark Souls por causa da sua dificuldade. Eu não sou desses. Eu gosto da série apesar da sua dificuldade. Gosto da exploração, gosto do combate, gosto do clima e da atmosfera. Não gosto de ficar horas morrendo sem fazer progresso ou de perder dezenas de milhares de almas por causa de um único erro da minha parte. Em geral, ainda gostei mais de Bloodborne, especialmente porque foi um jogo no qual fiquei menos tempo travado em checkpoints ou em chefes.
A essa altura, você sabe no que está se metendo ao pegar um jogo da From Software. Você sabe o que vai encontrar e em muitos aspectos Dark Souls III é mais do mesmo. É um mesmo excelente, que merece ser jogado. Mas não é algo que vai mudar sua opinião caso você já tenha experimentado a série antes e decidido que não é para você. Caso esteja em cima do muro, no entanto, experimente. Você vai morrer, mas vai se divertir. E se bobear, vai se viciar.
CURIOSIDADES:
– Quem vai ser o primeiro a matar de onde é a referência “Surprise! You’re dead!”, que está na chamada de capa deste artigo?
– Assim que acabei de escrever isto, fui jogar um pouco de Dark Souls e consegui matar o maldito Nameless King com a ajuda de dois coleguinhas. Coloquei uma foto do nosso golpe final na galeria para imortalizar a ajuda desses caras!
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