Como você enxerga a boneca Barbie? Um inocente brinquedo da infância? O principal responsável por uma enorme quantidade de mulheres se sentir mal com seus corpos e suas aparências? Uma arma do patriarcado, usada para mostrar como a mulher ideal deve ser? É realmente muito difícil separar a marca Barbie de todas as implicações políticas que vêm com ela. E o filme faz questão de demonstrar que está ciente de todas elas. Desta forma, nesta crítica Barbie, eu mesmo não vou me ater ao bom e velho “fale sobre o filme, não sobre a política”. Barbie é política. Ora, cultura pop é política. Ser apolítico é uma opção política.
BARBIE E A POLÍTICA
Eu sinceramente não vejo Barbie com bons olhos. Falando como homem heterossexual, a boneca fazia as meninas acharem que o que nós desejávamos em uma mulher era algo que eu, particularmente, não desejava. Falando como consumidor, sempre senti que era uma boneca cara demais, que deixava meninas de famílias mais carentes comprando falsificações malfeitas porque não podiam ter a de verdade. Ao mesmo tempo, a enorme quantidade de “Barbie Girls” na televisão ajudava em fazer mulheres normais – e muitas vezes mais bonitas do que as Barbies – a se sentirem inadequadas.
Por outro lado, sou pai de uma menina. E calhou que a minha menina é uma princesinha. Do tipo que é extremamente meiga, adora se vestir de rosa e, embora não pareça a Barbie fisicamente, ela claramente é atraída pela estética que a rodeia. Ela adoraria assistir a este filme da Barbie, mas a classificação indicativa é 12 anos. Por enquanto, ela assiste a desenhos estrelados pela boneca, canta as músicas que ouve e brinca com elas de forma inocente. Apolítica. E aí entra a pergunta: realmente existe a possibilidade de ser apolítica?
Mesmo ela não tendo esses ideais ao consumir este tipo de cultura pop, será que os desenhos e demais produtos não vão de alguma forma mostrar que uma mulher bonita precisa ser assim? Que uma mulher precisa agir assim? Eu amo que minha menina seja toda princesinha porque ela é assim naturalmente, e também a amaria se ela fosse mais moleca. O que não gostaria é ela ser algo que não a define por achar que precisa ser assim.
CRÍTICA BARBIE
O filme começa com uma narração da Helen Mirren dizendo que a Barbie é algo feminista, e mostra que as mulheres podem ser bem-sucedidas fazendo qualquer coisa. Daí mostra um monte de mulheres que são Barbies, de todas as etnias possíveis. Nas literalmente centenas de mulheres mostradas, tem até três sereias. Mas todas são magérrimas. Nenhuma é trans. Todas são tradicionalmente bonitas, daquele jeitão bem Hollywood mesmo. Também tem um monte de Kens, de todas as etnias imagináveis, mas todos lindíssimos e com barriga tanquinho, sempre à mostra. Porque nada é mais nojento do que um homem que não esteja desidratado. Eu sei e você sabe, mas Hollywood ainda precisa aprender que diversidade vai muito além da etnia.
Eventualmente, aparece sim uma Barbie gorda. Ainda bonita, mas gorda, portanto feia de acordo com Hollywood. Mas ela é tratada como as outras, embora seja claramente mais coadjuvante do que mesmo as que são apenas coadjuvantes. Afinal, Barbie é um filme político. E como ele mesmo fala, em tom de piada, “Barbies não podem ser grávidas, porque mulheres grávidas são estranhas”.
Com tudo isso, sinto que Barbie é um filme político, e tem o que falar. Talvez sua mensagem até esteja no caminho certo, mas assim como A Baleia, está com o coração no lugar errado.
YOU CAN BRUSH MY HAIR, UNDRESS ME EVERYWHERE
A surpresa positiva é justamente que o filme é muito mais político do que esperava, e talvez por isso sua classificação seja de 12 anos. Ele pode não abordar todos os problemas relacionados à Barbie com a mesma profundidade, mas certamente cita todos os que eu consegui pensar, nem que seja numa piada de uma frase. É como se dissesse “estou ciente desse problema, viu? Mas hoje não é o dia de nos aprofundarmos nisso. Talvez numa continuação, se este filme render dinheiro o suficiente”.
A história envolve a Barbie de Margot Robbie passando por mudanças físicas que a tornam feia. Em especial, seus pés não têm mais o formatinho de salto alto, e ela tem um pouquinho de celulite na perna. Aparentemente, isso está relacionado com a menina que brinca com ela no mundo real. Se a menina não está feliz, a Barbie reflete isso. Então a Barbie e o Ken de Ryan Gosling vão para o mundo real tentar ajudar a menina.
Lá, encontram um mundo bem diferente da Barbielândia. Homens olham com desejo para a Barbie, e isso a incomoda. Já Ken se sente admirado, respeitado, de forma que não sentia no mundo rosinha das bonecas. É curioso como se sentir desejado para um homem é bom, mas para uma mulher é ruim. Mas não muda o fato de que ser olhado com nojo ou desprezo é ainda pior do que com desejo, tanto para homens quanto mulheres. Acredito que mesmo para a Margot Robbie, é bem melhor ser bonita e desejada do que desprezada ou considerada feia.
I’M A BLOND BIMBO GIRL IN A FANTASY WORLD
Falar com mais detalhes da história arruinaria algumas surpresas que acho que devem ser mantidas para quem quiser assistir. Mas o filme visa abordar e problematizar o patriarcado do mundo real e o matriarcado do mundo da Barbie. É o tipo de visão “nós e os outros” que não me parece positivo. Enquanto os homens acharem que a vida das mulheres é mais fácil e elas acharem que é mais fácil ser homem, a coisa vai virando em círculos, deixando a “guerra” entre os gêneros cada vez mais próxima de uma guerra sem aspas.
O filme até brinca com isso. Quando Ken percebe que está num mundo em que os homens têm privilégios, tenta arranjar empregos argumentando ser homem. Um dos caras com quem ele fala diz que isso não ajuda, até atrapalha. Mas a seguir o homem fala que “a gente manda bem no patriarcado, mas ficamos muito bons em esconder isso”. Barbie, o filme, nunca vai tão fundo nos assuntos que aborda, preferindo problematizar tudo, mas não opinar sobre nada. Pelo menos nada que já não seja extremamente batido e de senso comum abordar. Afinal, tem Barbies negras aqui, você viu? Isso mostra que diversidade é importante para Hollywood, desde que a negra seja magra e tradicionalmente bonita. Tem até uma gorda, mas ela está aqui apenas simbolicamente, não dê muita atenção a ela porque o filme não dará. Ninguém se importa com os gordos na vida real.
A BARBIE GIRL IN A BARBIE WORLD
O filme é sinceramente melhor do que esperava. Mas não dá para separar Barbie, o filme, da Barbie, a boneca. E não dá para separar a boneca da política. Felizmente, eu escrevo para o DELFOS, então nem precisei fingir aqui que estou escrevendo uma “crítica imparcial” – como se isso existisse. Mas, ei, com certeza você vai encontrar várias por aí, que vão falar apenas sobre fatos do filme. Fatos, desde que reflitam a opinião de quem está lendo. Senão são opiniões e, portanto, são errados. Felizmente, o público do DELFOS é mais inteligente do que isso.
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