Viva os filmes épicos. Todos já assistimos a dúzias deles, mas continuaremos por todo o futuro visível. Custa querer que eles sejam pelo menos um pouquinho criativos? Esta é nossa crítica A Mulher Rei.
CRÍTICA A MULHER REI
A Mulher Rei acontece na África no século XIX. Um local e momento de importância absoluta para a história do mundo até os dias de hoje. Mas curiosamente vemos poucas obras culturais com esta temática.
Era uma época de guerra e tensão. As tribos guerreavam entre si, e pegavam prisioneiros de guerra. Se estes não fugissem logo, eram vendidos para os navios negreiros europeus, que viviam aparecendo em busca de mão de obra. Na história de A Mulher Rei, esta era uma atitude comum entre todas as tribos. Todas vendiam seus inimigos capturados para os europeus.
Aqui acompanhamos a primeira tribo que começa a pensar que isso é errado. Que embora tenham suas diferenças, são o mesmo povo, e não devem vender uns aos outros. Legal, né? Particularmente, todas as histórias relacionadas a escravidão de que me lembro tem nos escravos seus protagonistas. Aqui os heróis e vilões são africanos livres, mas que podem a qualquer momento ser capturados e vendidos.
POR QUE NÃO SIMPLESMENTE “A RAINHA”?
Nanisca (Viola Davis) é uma guerreira importante que tem um papel vital em mudar a mentalidade de sua tribo. Ela pessoalmente convence o rei a mudar de atitude. Mas não querer vender os inimigos não significa que o outro lado terá o mesmo respeito. E eles ainda estão em guerra.
Diante deste cenário, a real protagonista é Nawi (Thuso Mbedu). Ela se recusa a casar com os noivos para quem o pai quer vendê-la, então é entregue ao exército de mulheres da tribo. Boa parte de A Mulher Rei (mais da metade) envolve o treinamento dela, a apresentação dos costumes e camaradagem das guerreiras até, eventualmente, ela se juntar ao grupo.
A essa altura, talvez você já esteja chegando à mesma conclusão que eu. É uma temática muito legal. Só de pensar nesse momento histórico, dezenas de possíveis histórias começam a pipocar na minha cabeça. Mas, como você sem dúvida já percebeu, a história que temos aqui é a mesma de sempre. “Filme épico de Hollywood, mas dessa vez na África”.
ROTEIRO FEITO POR INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL
Como alguém que já assistiu a muitos desses filmes, você já sabe absolutamente tudo que vai rolar aqui. Mentor morre para o novato poder crescer. Herói com origem comum que descobre ser especial. Um povo oprimido lutando pela sua liberdade. Quando é revelado que determinado personagem tem um parentesco com um herói e um vilão ao mesmo tempo, eu pensei: “que óbvio. E ao mesmo tempo, que sem sentido!”.
E isso estraga toda a experiência. O papel do artista é dar ao público aquilo que ele não sabe que quer. Não aquilo que já viu dezenas de vezes. Mas é isso que temos em A Mulher Rei. Parece que colocaram um monte de épico hollywoodiano, de Star Wars a Coração Valente, em um computador, e a inteligência artificial cuspiu este roteiro.
O texto é assinado por Dana Stevens, mas poderia ser creditado a George Lucas ou até mesmo a Joseph Campbell. Caramba, Hollywood faz esse filme repetidamente pelo menos desde a década de 30. Já somam centenas de obras com a exata mesma história. Esta ganhou apenas uma roupagem cultural africana em uma época de alta importância histórica. Cenário fértil para qualquer contador de histórias. Mas provavelmente os produtores meteram a mão para que o passo a passo da fórmula do blockbuster hollywoodiano fosse repetido aqui.
CRÍTICA A MULHER REI: BLOCKBUSTER HOLLYWOODIANO
E você sabe, eu gosto de épicos. Mas chega a um ponto em que qualquer pessoa percebe quando estão contando e recontando a mesma história. E este é o ponto em que a diversão acaba.
A Mulher Rei tem absolutamente tudo de bom que costumamos esperar de um blockbuster de alto orçamento. As atuações são ótimas. O figurino é caprichado. A cinematografia é linda. É um filme que pode muito bem ganhar prêmios técnicos no Oscar. Mas é criativamente falido. Mais falido que uma adaptação de super-heróis ou uma de videogame. Afinal, pelo menos nesses casos o filme tenta adaptar uma história original de outras mídias. Se bem que já tivemos três recontagens da origem do Homem-Aranha no cinema, então até neste gênero estão literalmente se repetindo.
A Mulher Rei não é ruim. Pelo contrário, é bem-feito e até diverte. Fosse meu primeiro épico, e não o milésimo, provavelmente teria gostado. Claramente é um filme construído, não criado. É linha de produção, como um carro ou uma casa, não a criação de pessoas que tinham algo a dizer. É, no máximo, e sendo muito gentil, a produção de pessoas criativas contratadas por pessoas endinheiradas que querem apenas ganhar mais dinheiro. Ei, exatamente como um carro. Ou uma casa.
