Acredito que muitas pessoas já entraram nessa matéria com o intuito de me xingar. Calma, delfonauta. A coisa não é para tanto e, como já é hábito nos meus textos, o título é um tanto sensacionalista (deve ser um resquício dos meus tempos de publicitário). Não, eu não sou CONTRA a democracia, assim como não sou contra o comunismo, o anarquismo ou nem mesmo o capitalismo. Da mesma forma, não sou contra o catolicismo, judaísmo ou nem mesmo o satanismo. Como disse aqui, faço questão de me manter como um pensador livre, questionando tudo e todos sem, é claro, negar os valores intrínsecos ao que critico. E parte da idéia de ser um pensador livre é se permitir criticar algo sem necessariamente sugerir algo melhor, então me acompanha nesta reflexão?
Acredito que toda corrente de pensamento filosófica, social ou religiosa tem o seu valor, independente de você concordar com sua essência ou não. Assim como falei neste texto sobre as religiões, aplico meu pensamento aqui a ideias políticas e econômicas: só alguém estupidamente radical negaria os pontos positivos que tanto o capitalismo quanto o comunismo apresentam.
No papel, o capitalismo pode ser resumido em uma frase: aqueles que mais contribuírem com a sociedade através do seu trabalho e/ou, principalmente, investimentos (livre iniciativa) terão maiores condições (no caso, financeiras) de usufruir de seus benefícios. Claro, a gente sabe que não é assim que funciona na prática, até porque esse sistema não partiu de uma sociedade zerada, onde todos tinham as mesmas condições de investir e, portanto, de “contribuir com a sociedade”. Ainda assim, não é correto pensar que o capitalismo foi concebido como um plano maligno de exploração dos mais fracos ou menos favorecidos.
Já o comunismo e sua idéia de que tudo é de todos também é interessante, mas não leva em consideração a competitividade intrínseca à raça humana, onde uns sempre querem ser melhores que outros. Por isso, em ambos os casos, quando colocamos pessoas na equação e tentamos trazer o bicho para a vida real, o trem começa a descarrilhar e nenhuma dessas alternativas provou ser a ideal.
Mas o assunto desse texto não é o comunismo nem o capitalismo (talvez eu os aborde no futuro), mas a democracia, o “poder do povo”, independente de ser direta ou representativa (este último é o modelo aplicado no Brasil, em que o povo exerce seus representantes para gerir o país). E digo que neste caso é independente porque o que vou criticar aqui é justamente o âmago da democracia, aquilo no qual ela se sustenta como princípio e, para tal, aplicarei a seguinte definição:
DEMOCRACIA É QUANDO A MAIORIA IMPÕE SUA VONTADE SOBRE A MINORIA
Essa é a forma que eu encaro o assunto e acredito que, embora essa definição possa incomodar os entusiastas desse tipo de regime, ninguém vai considerá-la incorreta. Existe até um termo amplamente conhecido e citado em diversos textos acadêmicos para isso: A Tirania da Maioria. Ok, analisando da forma mais racional possível, é melhor para um povo, como um todo, ter uma minoria insatisfeita do que uma maioria, e esse é o principal motivo pelo qual eu não conseguiria sugerir uma opção melhor do que a democracia.
Mas e quando a maioria está errada? Ora, isso já causou a morte de personalidades como Sócrates e Jesus Cristo (lembre que a maioria, neste caso, escolheu liberar o assassino Barrabás ao invés do Messias cristão). Será que alguém hoje em dia, com o benefício da imparcialidade que só o tempo nos traz, consideraria que qualquer um desses dois merecia a morte? O meu ponto de vista é que ambos contribuíram bastante para a evolução da humanidade, embora as palavras do bom e velho JC sejam constantemente utilizadas com fins diferentes dos que ele esperava. No final das contas, a verdade é o que fala no fenomenal Guia do Mochileiro das Galáxias: “Jesus foi pregado em um pedaço de pau por dizer que as pessoas deveriam ser mais legais umas com as outras para variar”. E o assassinato mais recente de personalidades como John Lennon ou Gandhi mostra que a gente ainda não está pronto para aceitar um sujeito estranho que aparece dizendo para “sermos legais uns com os outros”.
De qualquer forma, o objetivo aqui não é ficar remoendo a história ou decisões políticas do passado, mas simplesmente apresentar a minha visão sobre a democracia e sobre a forma como ela rege nossas vidas. E a minha insatisfação com ela se deve por um simples motivo: eu SEMPRE estou na minoria.
COMO ASSIM?
Entendo que algumas pessoas podem estranhar uma frase como essa vir de um homem heterossexual branco de classe média e ensino superior completo, mas é a mais pura verdade. Desde a mais tenra idade, eu sempre me senti diferente e percebia que a minha opinião constantemente diferia do consenso geral.
Aqui, onde falava sobre o racismo, elaborei a idéia de que o fato de ser nerd na escola me destacava mais dos outros do que acontecia, por exemplo, com os negros que estudavam comigo. Eu sempre era o único nerd e sofria por isso. E todas as classes pelas quais passei tinham sempre muito mais negros do que nerds, até porque, convenhamos, branco mesmo, com pele cor de fantasma, como eu, é bem difícil de se encontrar aqui no Brasil, onde todo mundo é misturado. Na escola e até hoje, as pessoas olhavam para mim e diziam “cara, você é branco demais”. Já pensou se virassem para um negro e dissessem que ele é “negro demais”? Isso daria cadeia!
Depois, mais velho, quando deixei meu cabelo crescer e comecei a me vestir de preto, senti que isso me tornava minoria. Inclusive, perdi várias oportunidades de emprego por causa do meu cabelo (embora analisando isso hoje, acredito que foi positivo, pois se estivesse preso das 8 às 18 em algum banco ou no departamento de marketing de uma Unilever da vida, já teria cometido suicídio e o DELFOS não existiria).
DEMOCRACIA NO DIA A DIA
Voltando à democracia, ela parece ser um valor amplamente aceito pelo nosso povo e exigido nas mais diversas situações. Se quatro amigos vão decidir aonde comer, três deles querem ir a um mesmo restaurante e o quarto quer ir a outro, o que vai invariavelmente acontecer? O quarto vai ter que aceitar e se submeter à vontade alheia. ISSO é a democracia na prática. E, sim, durante toda minha vida, eu sempre fui esse quarto, o famoso cara do contra – que muitos devem chamar de “o chato”.
Nunca entendi porque é tão difícil para a minha pessoa compartilhar da mesma opinião da maioria. Para dizer a verdade, acredito que eu nunca estive do lado da maioria. Quando o grupo vai escolher um sabor de pizza, eu sempre quero algo cheio de queijo e, de preferência, com bacon. A maioria sempre quer uma marguerita básica ou alguma coisa com presunto e ovo. Quando é para escolher um lugar para ir viajar, todo mundo quer saber de praias e baladas. O chato que vos fala só quer saber de um lugar calmo, onde possa relaxar, conversar e pensar – aliás, um dos meus passatempos preferidos.
Talvez seja excesso de opinião, talvez eu ande com as pessoas erradas, talvez eu realmente seja algum tipo de E.T. que caiu na Terra e em uma sociedade que não me entende e que eu não consigo entender ou de repente eu sou chato demais mesmo (e, para falar a verdade, acho que sou mesmo, já que definitivamente não sou um cara simpático e sociável). Mas ei, não considero sinal de saúde ser bem adaptado a uma sociedade profundamente doente. Quem sabe com a publicação desse texto, não aparecem pessoas que estão constantemente nessa situação também. Manifestem-se nos comentários! =)
Claro, quando se está com amigos mais próximos ou turmas menores, é possível resolver esse tipo de coisa agradando a todas as partes, dividindo os sabores da pizza proporcionalmente ou algo do tipo. Agora dependendo da decisão em pauta e da quantidade de pessoas envolvidas, não tem jeito e eu invariavelmente tenho que me submeter à vontade alheia. E isso é, ao mesmo tempo, frustrante e irritante.
Já aconteceu muitas vezes de eu ter que gastar meu rico dinheirinho para ir a uma balada que não me agradasse (não que alguma balada já tenha me agradado) – e até a cidades que não me agradavam.
Algumas pessoas podem simplesmente dizer “não quero e não faço”. Screw you, guys, I’m going home”, como diria Eric Carman. Mas em alguns casos, como em uma road trip, por exemplo, isso não é possível. O máximo que alguém do contra poderia fazer seria pegar um avião e voltar para casa.
E NA POLÍTICA?
Isso acontece direto, nos mais variados graus da vida cotidiana. O que dizer, então, da vida política? No país bipartidário em que vivemos, eu sou obrigado a sempre aceitar o representante que o povo escolhe. Na última eleição para presidente, por exemplo, tornei pública a minha opinião de que não queria nem o Lula nem o Alckmin (aquele que tem a força e as habilidades proporcionais às de um Alck).
Só que nenhum outro candidato tinha a menor chance de ganhar – e sempre é assim. Na eleição do próximo final de semana, também não quero a Dilma e muito menos o Serra (um sujeito que abandonou no meio o cargo de prefeito pra virar governador e o de governador pra virar presidente não é digno da menor confiança).
Que diferença faz meu voto nulo se o governo do Brasil parece ser sempre disputado entre o PSDB e o PT (eventualmente, algum outro partido assume o lugar de um dos dois, mas nunca tem três candidatos com chances reais de vencer)? Eu acredito que esse tipo de coisa aconteça principalmente por causa da maldição do voto obrigatório, que obriga pessoas sem o menor conhecimento político a votarem no menos pior, achando que isso é voto consciente, ou no caso do brasileiro médio e burro, votar no mais bonitinho, no mais simpático ou no que beija mais crianças. Ou no Tiririca que, obviamente, vai se eleger, levando junto com ele um monte de políticos reais e que vão fazer tudo no cargo, menos o que deveriam: nos representar.
E aí voltamos à minha antipatia com a democracia. Afinal, eu vou ser obrigado a aceitar o Tiririca como meu representante. E eu não deixaria aquele cara representar nem o papel de árvore em uma peça escolar infantil, quanto mais minhas necessidades políticas.
O que fazer nessa situação? Não vejo muita saída. Como falei antes, é melhor que uma minoria esteja insatisfeita do que uma maioria, mas ao mesmo tempo, não é legal obrigar uma minoria a aceitar as vontades alheias. Democracia é quando a maioria impõe sua vontade sobre a minoria. Algumas vezes tudo bem, mas se você sempre está na minoria, como é meu caso, isso se torna revoltante. E eventualmente a minoria vai acabar dando um golpe para ter a sua vontade saciada. E, pelo menos a meu ver, a maioria costuma estar sempre errada. Afinal, ela vai eleger o Tiririca. E convenhamos, escolher uma pizza marguerita sobre uma cinco queijos não é natural! =)
PS: Para terminar com bom humor, confira aí embaixo uma tirinha da Mafalda sobre o assunto.
PS2: Fazia tempo que não publicávamos um texto reflexivo mais sério, né? O humor realmente tomou conta do DELFOS nos últimos meses.