Sin City – A Cidade do Pecado

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Como começar a falar deste filme? Deixe-me ver. Que tal: a adaptação de HQs mais fiel já feita? Ou ainda: um dos filmes mais impressionantes dos últimos anos? Ora, uma das grandes vantagens de sites em relação à mídia impressa é a não-limitação de espaço, logo, usarei ambas.

Bem, Sin City estreou nos EUA em maio e teve seu lançamento no Brasil (e em muitos outros países) adiado para 29 de julho, mais conhecido como hoje. A longa espera, além de me deixar ansioso e de fazer a alegria dos camelôs do centro de São Paulo, me deu tempo de pensar no que podia dar errado no filme.

De imediato, pensei em dois problemas. Primeiro, o filme poderia ser irregular, afinal ele é a adaptação de três das graphic novels de Frank Miller, e seria muito difícil manter o mesmo nível de qualidade nas três histórias. Segundo, ele se utilizaria de técnica similar à utilizada em Capitão Sky e o Mundo de Amanhã, onde os atores contracenam o tempo todo com fundo verde e os cenários são acrescentados digitalmente na pós-produção (Somente o cenário do Bar da Kadie, ponto de encontro da galerinha de Sin City, é real). Fiquei com medo de que as atuações sofressem com a falta de pontos de referência, como aconteceu no filme citado (embora o Corrales discorde, já que concedeu ao Capitão a honra máxima delfiana). Fico feliz em dizer que me preocupei em vão! As três histórias conseguem manter o mesmo pique durante os 124 minutos de projeção e o filme simplesmente não seria tão bom se não fosse feito com a tal técnica dos cenários inexistentes.

Para quem leu os quadrinhos, não há nenhuma grande surpresa. Para quem não conhece, eis o que se precisa saber sobre a tal cidade do pecado: Basin City (o nome verdadeiro da cidade) é um lugar perigoso, habitado pelos piores tipos que existem na face da Terra, mas também é um lugar de heróis – não na concepção a que estamos acostumados – com noções bem definidas de honra e justiça. É uma cidade onde a noite parece não ter fim e a chuva cai constantemente. Um verdadeiro antro de criminosos, prostitutas, policiais e políticos corruptos.

Frank Miller se apropriou da estética dos filmes noir dos anos 40 para utilizá-la em suas histórias. Um mundo em preto-e-branco, com fortes contrastes, onde não são tão claras as definições de quem é bom ou quem é mau. Mulheres fatais, narrações em off, cigarros e muita violência também fazem parte do pacote. Nada mais natural que Miller e Robert Rodriguez devolvessem essa estética à telona.

Porém, aqui a violência é totalmente estilizada. É preciso ter isso em mente para se divertir com o filme. Se você não se utilizar da suspensão da descrença, fica difícil de engolir personagens que são crivados de balas, atropelados, espancados sem piedade e ainda assim saem andando. Ou mesmo com alguém que consegue reduzir uma cabeça a pó utilizando-se apenas de socos. Claro, isso não será nenhum problema para quem estiver acostumado com as HQs e filmes de fantasia. Apesar do preto-e-branco, algumas pessoas, detalhes e objetos ganham cores em determinadas partes, dependendo de sua importância para a história.

Robert Rodriguez não adaptou a obra de Miller, ele a transferiu fielmente para o cinema. São os mesmos enquadramentos e personagens idênticos fisicamente a suas matrizes de papel. Este filme é uma grande HQ em movimento, o que só evidencia a proximidade da linguagem dos quadrinhos com a do cinema. Isso pode gerar estranhamentos de pessoas não-acostumadas ou que não gostam (vai entender essa gente) da linguagem “quadriniana”, mas para os delfianos e delfonautas se torna um show à parte.

O filme abre com o teste feito por Rodriguez para convencer Miller a aceitar a empreitada. Adaptado do conto O Cliente Sempre tem Razão, a seqüência protagonizada por Josh Hartnett e Marley Shelton já dá a idéia do que vem a seguir.

As três histórias que se seguem, apesar de um ou outro cruzamento de personagens, são independentes entre si, mas mesmo assim o filme mantém sua unidade, lembrando bastante Pulp Fiction. Vou falar de cada uma separadamente e, embora a história O Assassino Amarelo comece logo depois da cena de Hartnett e Shelton, ela só é concluída após as outras duas histórias, por isso vou deixá-la para o final.

A Cidade do Pecado

Baseada no primeiro número dos quadrinhos, esta é a história do tremendão Marv (Mickey Rourke), um sujeito enorme e muito feio. Em liberdade condicional e tomando remédios para esquizofrenia, ele não é muito atraente para as mulheres. Nem mesmo as prostitutas aceitam atendê-lo. Até que conhece Goldie e, depois de uma noite de sexo, acorda com ela morta ao seu lado e as sirenes dos carros de polícia se aproximando. Armaram para cima de Marv e mataram a única mulher que ele já amou… grande erro. O grandalhão parte em busca de vingança e irá descobrir que tal armação pode chegar aos mais altos escalões, talvez até ao portador do anel em pessoa. 🙂

Marv é, sem dúvida, o garoto propaganda da série, e é interpretado com perfeição por Mickey Rourke (que por sinal, é ainda mais feio que Marv, graças a plásticas mal feitas) no papel que pode recuperar sua carreira.

Marv tem uma noção de moral só dele, é incrivelmente sádico e não bate em mulheres. O sujeito é tão indestrutível quanto Jason (aquele mesmo de Sexta-Feira 13), mas encontra um rival à altura em Kevin, interpretado por Elijah Wood. Acredite ou não, mas o franzino hobbit, que aqui incorpora um assassino de gostos culinários exóticos e não diz uma palavra, dá um trabalhão para nosso anti-herói.

Completam o elenco Jaime King num papel duplo, Carla Gugino como a deliciosa oficial de condicional lésbica de Marv e Rutger Hauer como um dos membros da família mais poderosa de Basin City. E fique atento à ponta de Frank Miller como um padre na cena do confessionário. Esta é a história mais fantasiosa das três, com alto nível de sangue, violência totalmente irreal e algumas surpresas bizarras.

A Grande Matança

Esta história é a continuação da segunda graphic novel de Sin City, “A Dama Fatal”, que conta a origem de Dwight McCarthy (Clive Owen). O filme apresenta referências a essa história, mas nada que prejudique quem não leu. Como vem sendo feito desde X-men é apenas mais um mimo para aqueles que leram.

Enfim, em A Grande Matança, Dwight está namorando Shelley (Brittany Murphy), garçonete do Bar da Kadie. Quando seu ex-namorado Jackie Boy (Benicio Del Toro) e sua turma aparecem na casa dela bêbados e procurando encrenca, não resta a Dwight outra alternativa a não ser aplicar um corretivo no safado.

Humilhado, Jackie ruma para a Cidade Velha, área controlada com mão de ferro pelas prostitutas guerreiras que lá residem. McCarthy vai atrás para garantir a segurança das moças (embora elas não precisem) e os resultados desse encontro podem gerar uma disputa por poder na região.

Participam deste segmento um grande elenco de delícias: Rosario Dawson como Gail, a líder das garotas da Cidade Velha, Devon Aoki como Miho, uma prostituta ninja que entra muda e sai calada (mais ou menos como ela vem fazendo nas fantasias dos delfianos desde que assistimos a este filme) e Alexis Bledel como Becky, uma meretriz de intenções misteriosas. Note que as meninas também têm uma pequena participação na história de Marv. Michael Clarke Duncan, o Rei do Crime do filme do Demolidor também dá as caras como Manute, outro personagem surgido em “A Dama Fatal”, que tem uma rivalidade antiga com Dwight.

É aqui que Quentin Tarantino entra como diretor especialmente convidado. Robert Rodriguez fez a trilha incidental de Kill Bill Vol. 2 por apenas 1 dólar e Tarantino retribuiu o favor dirigindo pela mesma quantia uma cena de “A Grande Matança”. A saber, trata-se da cena de Dwight no carro, conversando com alguém (é melhor não saber quem) até ser parado por um policial.

O Assassino Amarelo

A prova definitiva de que esta cidade não presta. Roark Jr. (Nick Stahl, de O Exterminador do Futuro 3) é um notório torturador e assassino de crianças. Todos sabem disso e, no entanto ele não é preso graças a seu pai senador (o pior é que a vida real não é tão diferente).

Hartigan (Bruce Willis) é um dos poucos policiais honestos da cidade, porém está para se aposentar devido a um problema no coração. Em seu último dia de trabalho, decide dar um fim nas estripulias de Junior, conseguindo salvar a garotinha que seria sua próxima vítima. Porém, graças à influência do senador é ele quem vai para a cadeia, onde passa longos oito anos. Seu único estímulo para continuar vivendo são as cartas que recebe da menininha toda quinta-feira.

Quando a já crescida Nancy (Jessica Alba, de Quarteto Fantástico – você já reparou quanta mulher bonita tem nesse filme?) pára de lhe enviar cartas, Hartigan teme pelo pior e faz um acordo para sair da prisão. Imediatamente, vai atrás de sua protegida, mas irá encontrar pelo caminho o tal Assassino Amarelo, uma figura nojenta (e amarela mesmo) que tem uma ligação com o passado do honrado tira. Completa o elenco Michael Madsen como o parceiro nada confiável de Hartigan.

Das três, esta é a história de temática mais pesada, além de apresentar um típico personagem dos filmes noir (o policial honrado, mas que não é perfeito) e um final nada feliz.

Terminado O Assassino Amarelo, há ainda um epílogo que serve para amarrar uma ponta solta de A Grande Matança e conferir a tal unidade à obra. No final do filme, este que vos fala estava de queixo caído, não só pela qualidade técnica (fiquei convencido de que os dias da película estão contados), mas também pelo grande e espetacular elenco e cenas chocantes apresentadas (em todos os sentidos possíveis). Trata-se de uma revolução no modo de se fazer cinema e de como adaptar uma obra de quadrinhos.

Pelas razões acima, Sin City – A Cidade do Pecado leva o Selo Delfiano Supremo, honraria mais do que merecida para este que deverá ser o modelo a ser seguido pelas outras obras que migrarem dos quadrinhos para o cinema.

A essa altura, você já deve saber que Sin City 2 será produzido (até porque dissemos isso ontem). Torço para que siga o caminho das continuações de Homem-Aranha e X-Men, que superaram em muito os filmes originais. Será que é possível ser ainda melhor?

O delfonauta deve ter notado a ausência de links no texto. Fizemos isso porque eles seriam muitos e poluiriam excessivamente a resenha. Você encontra uma lista de links interessantes e relacionados logo abaixo. Divirta-se!

Filmes que levaram o Selo Delfiano Supremo

Homem-Aranha 2
Capitão Sky e o Mundo de Amanhã
Volta ao Mundo em 80 Dias – Uma Aposta Muito Louca
Robôs
Star Wars – Episódio III: A Vingança dos Sith
Terra dos Mortos

Filmes de Quentin Tarantino

Kill Bill Vol. 1
Kill Bill Vol. 2

Outras adaptações de Quadrinhos/Fantasia

Garfield – O Filme
Hellboy
Mulher-Gato
O Justiceiro
Elektra
Constantine
Batman Begins
Quarteto Fantástico
O Quarteto Fantástico – O filme nunca lançado

Outros filmes de Fantasia

Alien Vs. Predador
Van Helsing
Os Incríveis
Star Wars – Episódio V
Guerra dos Mundos
Anjos da Noite – Underworld

Outros textos relacionados com Frank Miller

Tremendões – Frank Miller
Batman – O Cavaleiro das Trevas
Tremendões – Batman

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Nota
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Carlos Eduardo Corrales
Editor-chefe. Fundou o DELFOS em 2004 e habita mais frequentemente as seções de cinema, games e música. Trabalha com a palavra escrita e com fotografia. É o autor dos livros infantis "Pimpa e o Homem do Sono" e "O Shorts Que Queria Ser Chapéu", ambos disponíveis nas livrarias. Já teve seus artigos publicados em veículos como o Kotaku Brasil e a Mundo Estranho Games. Formado em jornalismo (PUC-SP) e publicidade (ESPM).
sin-city-a-cidade-do-pecadoPaís: EUA<br> Ano: 2005<br> Gênero: Ação<br> Roteiro: Frank Miller<br> Diretor: Robert Rodrigues e Frank Miller<br>