Scott Pilgrim Contra o Mundo: A Graphic Novel

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Como fazer uma história que agrade os nerds? Você pode dizer que é preciso que ela tenha muita ação e comédia, uma narrativa bem contada, preferencialmente com doses massivas de fantasia. E eu diria que você está errado. O que realmente caracteriza os nerds, na minha opinião, é uma quase obsessão por detalhes curiosos das coisas que gostam. Assim sendo, a forma garantida de fazer uma história que apele aos nerds é recheá-la de referências e curiosidades, muitas vezes apelando para a nostalgia e a paródia. Quentin Tarantino e o pessoal da Pixar sabem bem disso. Assim como Bryan Lee O’Malley.

Scott Pilgrim, ao longo de seus seis volumes originais (compilados aqui no Brasil em três volumes pela Cia. das Letras), é uma comédia romântica que faz uma celebração à “cultura nerd”. Recheado de referências a jogos de videogame da era dos 16 bits, música pop dos anos 90 (o primeiro volume contém até mesmo uma referência a uma música dos Backstreet Boys), animês, mangás, filmes e à vida do morador de Toronto, é praticamente impossível não devorar a história ou passar três páginas sem ao menos um sorriso no canto da boca. Scott Pilgrim acerta em cheio na fórmula do sucesso nerd, principalmente porque o próprio autor é um nerd que cresceu na década de 90 e foi influenciado pela cultura pop. Sim, a Graphic Novel é uma salada mista de “referências nerds”, mas que não são gratuitas e possuem uma alma própria.

A HQ conta a história do jovem canadense Scott Pilgrim, um sujeitinho preguiçoso, distraído, sem qualquer talento, viciado em videogames, pobretão e carismático, cuja vida amorosa não é das melhores. Um belo dia ele se apaixona pela “alternativa” Ramona Flowers, a única entregadora da Amazon na cidade de Toronto e que tem a capacidade de invadir seus sonhos. Como nada pode ser fácil na vida do nosso herói, Scott logo descobre que terá de enfrentar os sete ex-namorados malvados da Ramona se quiser ficar com ela para sempre. Assim, ele terá de enfrentar altas confusões do barulho com a sua turminha da pesada.

Se você tem meio neurônio, já percebeu que esse é o roteiro típico de um jogo de videogame dos anos 90 e que a história não é lá grandes coisas. Afinal, é apenas uma variação do roteiro base do Gary Gamewriter. Só que Scott Pilgrim consegue virar a mesa e transformar os seus clichês em sua maior qualidade. A história não apenas lembra a geração dos 16 bits, mas o próprio Scott se vê como um herói de videogame. Ele ganha níveis, passa de fase, e seus inimigos deixam itens e moedas quando derrotados. Para quem cresceu jogando Sonic The Hedgehog, Super Mario World e Final Fantasy, isso é quase um orgasmo nerdístico.

A arte remete aos mangás, onde os personagens têm traços bem simples e expressivos, enquanto os ambientes e cenários são muito detalhados. A história não é contada apenas nos balões, mas na disposição dos quadros, na virada das páginas e na composição das cenas. Talvez a figura que sirva de maior referência aqui seja o mestre Osamu Tezuka, o pai do mangá moderno. Apesar de Scott Pilgrim ser uma Graphic Novel ocidental, ela é completamente oriental na sua alma. Poderia apostar que ela faria sucesso na terra do sol nascente.

No entanto, O’Malley não é nenhum Michelangelo e sua arte deixa a desejar, especialmente nos primeiros volumes. É nítida a melhora na narrativa e no seu traço ao longo dos seis anos de produção da HQ, mas a arte em preto e branco é o principal problema.

Quem desenha sabe que é muito difícil fazer um desenho bom em preto e branco: é preciso ter domínio completo do uso de luz e sombra, saber trabalhar com tons e ter traços precisos quando a arte possui muitos detalhes. O’Malley, apesar de um artista competente, só consegue dominar todas estas técnicas no último volume, o que torna seu traço muito irregular.

Em vários momentos, os cenários não possuem os detalhes necessários, ou então os detalhes são tantos que acabam tornando-os irreconhecíveis. A variedade das faces é muito pequena, exceto pelos personagens principais, o que levará a vários momentos em que você se perguntará quem é o personagem com quem Scott está conversando.

O problema é tal que a opção pela falta de cor acaba atrapalhando até na composição da personalidade de Ramona: durante a HQ, é estabelecido que ela está sempre mudando a cor dos seus cabelos, mas, fora as capas e páginas iniciais do volume quatro, eles não aparecem coloridos em momento algum. Ora, o que resta ao leitor além de simplesmente ignorar esse fato? Tivesse optado pela arte colorida, O’Malley poderia esconder suas limitações e diferenciar melhor os personagens.

Mas talvez a melhor qualidade de Scott Pilgrim é levar quadrinhos a um público que não está acostumado a eles. Não é segredo que o mercado de HQs anda mal das pernas nos EUA, especialmente devido a uma série de erros editorais e comerciais que acabaram afastando as “revistinhas” do público mais novo ao longo dos últimos 30 anos. A situação chegou a tal ponto que é muito difícil ver jovens entre 15 e 20 anos lendo histórias em quadrinhos por lá. Ao aproximar a leitura e narrativa com os videogames, Scott Pilgrim conseguiu chamar a atenção dessa molecada mesmo sendo vendido apenas em livrarias.

O sucesso da série foi tanto que o sexto volume chegou a superar a série Crepúsculo entre os mais vendidos da Amazon no dia do seu lançamento. Quem sabe isso é apenas um início de uma aposta mais vigorosa das editoras em quadrinhos mais autorais, que não mostrem apenas homens musculosos e mulheres seminuas enfrentando ameaças interplanetárias? Nada contra este gênero, eu adoro quadrinhos de super-heróis, mas é bom ver uma maior variedade nas prateleiras.

Levando em consideração todos os pontos, o saldo é positivo. Se fôssemos apenas levar em conta a história, Scott Pilgrim seria um exemplar de “HQ nada”, e teria obtido apenas os dois Alfredos e meio padrões. Felizmente a série está recheada de referências nerds, todas incluídas em um trabalho claramente feito com paixão, que a acabaram transformando num conto épico de epicidade épica. Não fosse a arte irregular, não teria sequer perdido o meio Alfredo que perdeu.

Curiosidades:

– Todos os lugares mostrados na HQ são locais reais de Toronto, inclusive a loja do “Honest Ed”.

– O’Malley escreveu a palavra “hipster” (gíria que dá nome aos fãs de bandas alternativas e que seguem uma moda própria e urbana) na camisa da Ramona em um quadrinho do último volume para marcar o último desenho que fez para a série.

– Michael Cera, que faz o Scott Pilgrim no cinema, também estrelou Juno, outro romance adolescente bonitinho que se passa no Canadá.

REVER GERAL
Nota
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Homero de Almeida
Ao contrário dos outros delfianos, Homero não tem pretensões de dominação global. Ele se contenta apenas em dominar a rede mundial de telecomunicações, principalmente a internet. Afinal, conhecimento é poder. Entre outros planos, ele pretende ter uma noite de amor gostoso perto da lareira com a Natalie Portman (ao contrário do que diz o Corrales, ele acredita que ela agüentaria levar um caprichado tapão na bunda), cantar Valhalla junto com o Hansi Kürsch, xingar o antigo professor de Computação Gráfica e deixar de ser gordo. Ah sim, ele também quer dar um chute na bunda do Bill Gates.
scott-pilgrim-contra-o-mundo-a-graphic-novelPaís: Canadá<br> Ano: 2004 a 2010 (EUA/Canadá) / 2010 (Brasil)<br> Autor: Bryan Lee O'Malley<br> Editora: Cia. das Letras<br>