Fazia muito tempo que não ia a um show tão underground de rock quanto este “festival” Cobra Spell. Na época que eu cobria a cena com frequência, ia a shows menores, mas também o heavy metal era maior e tocava em casas de shows como Credicard Hall. Daí rolou aquele caso do Gammaween e eu parei de cobrir shows por anos. Quando voltei, o mundo do rock pesado estava bem diferente e, cá entre nós, há muito tempo eu só ia a shows de metal maiores, como Helloween e tal.
Cobra Spell é consideravelmente menor. Uma banda ainda iniciante, com apenas um disco e dois EPs lançados. É o tipo de show internacional que dificilmente vemos no Brasil, já que as bandas de fora menores costumam vir ao nosso país em festivais grandes como o Summer Breeze. Ou vêm para shows solo quando já são headliners. No caso deste, o Cobra Spell teria abertura de três bandas nacionais de estilos bem diferentes. E mesmo que elas tocassem todas as músicas que já gravaram, o show seria relativamente curto.
A CENA ROOTS DO ROCK PESADO
O que me chamou a atenção especificamente neste show é que você via como a salsicha é feita. Cada uma das bandas que tocaram montou seu próprio palco, testou o som na frente do público e desmontou seus instrumentos após o show. E isso inclui o próprio Cobra Spell, que subiu ao palco mais de meia hora antes do seu show de fato começar.
Além disso, era comum ver as bandas andando pela plateia antes e depois de seus shows. Algumas delas até falaram que quem gostasse do show, poderia ir falar diretamente com os músicos após a apresentação para comprar CDs. Totalmente caseiro. E eu acho isso muito romântico.
Você nunca vê isso em shows maiores, em que a montagem e toda a preparação é feita por funcionários, isso quando não é feito antes mesmo do público ter acesso ao local. Faz parte da mística do rock e da música em geral você só ver os músicos no palco e vê-los tocando tendo acesso mínimo ou inexistente aos bastidores necessários para tudo acontecer. E no show do Cobra Spell, foi possível acompanhar todo este trabalho em primeira mão. Mais ou menos como o DELFOS faz aqui com o jornalismo. Para que se colocar acima do público quando você – músico, jornalista, ou o que seja – é literalmente parte do público? Vamos ao show!
VINGANÇA SUPREMA
Cheguei ao local às 18:45. O show estava marcado para começar às 19, mas quando entrei, o Vingança Suprema já estava tocando. Como você já deve imaginar pelo nome da banda, o estilo deles não é do tipo que me agrada. É cantado em português, o que acho bacana, mas é muito pesado. Além disso, o som simplesmente não estava legal, o que deixava tudo mais embolado e difícil de entender.
O Jai Club é muito pequeno, e a banda mal cabia inteira no palco. Um problema de todos os shows é que o baterista simplesmente ficava escondido atrás do vocalista, e os músicos mal podiam se mexer. O que mais me divertiu no Vingança Suprema foi a postura empolgada do baixista, que entre todas as músicas fazia dois “chifrinhos” com as mãos e dava um grito.
Vi só as últimas músicas, mas estilisticamente pareceu estranho colocar o Vingança Suprema abrindo para o Cobra Spell, já que acredito que o farofa das moças e o som pesadão e agressivo deles não deve ter muita intersecção de público. Fiquei um pouco receoso do que viria depois, mas felizmente as bandas seguintes foram mais meu estilo.
ALEFLA
A segunda banda foi o Alefla, que começou seu show às 19:22. Tirando o Cobra Spell, era a única cujo nome me parecia conhecido, mas admito que não fazia ideia do tipo de som deles. Eles fazem um metal melódico com vocal feminino, estilo que muito me agrada.
Infelizmente, os problemas de som continuaram. Um dos guitarristas fazia ocasionalmente uma segunda voz (não backing vocal, mas uma segunda voz principal mesmo), mas da plateia simplesmente não conseguíamos ouvi-lo. Víamos ele cantando no microfone, mas sem sinal da voz dele.
O estilo da banda me agradou bastante. Eles têm belos solos e guitarras gêmeas frequentes, mas o que mais curti foi a bateria. Normalmente estas bandas que puxam mais para o lado melódico como, digamos, o Stratovarius, têm bateria rápida demais. É um estilo “helicóptero/metralhadora” que simplesmente não me agrada. Gosto das músicas, mas meio que ignoro a bateria. No Alefla, as batidas são mais criativas e cadenciadas, e o resultado são canções mais empolgantes. O show acabou e eu fiquei com vontade de conhecer melhor o Alefla, especialmente porque com a qualidade do som ficou difícil saber quão boa a banda era – parece muito boa.
WOLFPIRE
Curioso que a ordem das bandas não parece ter sido escolhida por popularidade, mas por quanto elas se pareciam com o Cobra Spell. Afinal, o dia começou bem pesado e foi ficando mais melódico. O Wolfpire, cujo show começou às 20:21, já era bem puxado para a farofa. Isso se estendia ao visual. Antes mesmo do show, embora não conhecesse a banda, imaginei quem eram os músicos por causa de sua aparência. O baterista, em especial, parecia um membro do Twisted Sister que entrou para o Steel Panther. O baixista também tinha um visual bem puxado para o andrógino e penas no baixo.
O Wolfpire foi, das bandas da abertura, a que mais parece ter planejado seu show. Não só eles tinham este visual mais “montado”, tinham também coreografias num estilo meio Judas Priest. É bem o tipo de show que eu gosto de ver. Lembrou aquela cena clássica da série do Peacemaker em que ele fala “nos anos 80 os homens eram homens de verdade, porque não tinham medo de se vestir como mulheres”.
Infelizmente, os problemas no som continuavam. Apesar do som do Wolfpire ser bem mais leve que o do Vingança Suprema, a coisa ainda estava bem embolada. Sem falar as falhas frequentes no microfone. Na segunda música, a voz do vocalista simplesmente sumiu. Na terceira, o baixista visivelmente demonstrou frustração com a falha do seu microfone. Curiosamente, o backing vocal que melhor funcionou durante toda a apresentação foi o do baterista.
MAIS WOLFPIRE
Com um show mais planejado e um vocalista extremamente sorridente, o Wolfpire pareceu a banda mais feliz em estar ali. Curiosamente, entre suas músicas eles tocaram dois covers. Até onde percebi, foi a única banda no evento que tocou covers. Uma delas Rebel Yell, do Billy Idol – uma escolha curiosa. A outra foi em homenagem ao recém falecido Carlos “Nenê” Monteiro, proprietário do Malta Rock Bar. Foi uma versão de Still of the Night, do Whitesnake que, segunda o vocalista, era uma das bandas preferidas de Nenê.
A performance de Still of the Night me impressionou, pois achei que o vocalista mandou muito bem cantando algo difícil originalmente cantado por David Coverdale. Outra curiosidade é que, no meio dessa música, o Cobra Spell inteiro passou na minha frente indo para o palco.
PRÉ-COBRA SPELL
Uma coisa muito legal do evento é que os intervalos entre os shows estavam bem curtos. Sinceramente, não sei se era por isso que o som estava tão ruim. Mas é bem mais bacana assistir a uma sequência de bandas com intervalos de pouco mais de 10 minutos entre elas. A exceção foi o Cobra Spell. Elas subiram ao palco pouco depois do Wolfpire terminar de desmontar seu equipamento, perto das 21 horas. Mas elas ficaram MUITO tempo lá. O show delas estava previsto para começar às 21:15, mas começou só às 21:52.
Quando elas subiram ao palco, o povo aplaudiu, elas sorriram, agradeceram. E daí deram as costas para montar seu palco e equipamento. Elas foram as únicas a usar um pano de fundo, e parece que cada uma teve seu tempo de testes. Em determinado momento, a vocalista Kristina Vega começou a cantar para testar o som. Em outro, a guitarrista tocou alguns segundos de um riff de uma música da banda.
No som de fundo, a preparação começou com Stevie Ray Vaughan, mas um tempo depois virou o British Steel do Judas Priest, que tocou quase inteiro. Durante Breaking the Law, a baixista Roxana Herrera olhou para a plateia e começou a cantar junto, iniciando um coro com um dos maiores clássicos do rock pesado. Finalmente, depois de uma espera que pareceu interminável, o show principal da noite começaria.
COBRA SPELL
O sinal de que o show estava para começar é que as musicistas ficaram de costas, olhando umas para as outras, claramente em posição de início. Elas fizeram aquela união tradicional de mãos e, ao se separarem, começaram a tocar. A primeira música foi The Devil Inside of Me. Achei curioso que o show começa com uma música do meio do disco, mas é uma música bem legal. Adoro aquele refrão, em que a vocalista canta “I was only sixteen“, e o backing fala “666”.
Mas a verdade é que não sou muito fã dessa temática “from hell” que o Cobra Spell escolheu para várias músicas de seu primeiro disco, que inclusive se chama 666. A segunda música (do show e do disco), por exemplo, chama Satan is a Woman e tem até um trecho em que a cantora fala “hail, Satan”. Acho que esta temática não combina com a delicinha harmoniosa que costuma ser o rock farofa. Talvez elas queiram se equiparar ao Mötley Crüe falando tanto sobre isso, mas o fato é que o Cobra Spell é MUITO melhor que o Mötley Crüe, especialmente na apresentação ao vivo.
Se o ponto fraco da banda estadunidense é claramente o vocalista, que é um dos piores entre todos que já cantaram em um disco, a cantora Kristina Vega canta muito. Eu realmente fiquei surpreendido com as notas altas que ela alcança. A banda é também muito boa, fazendo direitinho todas as harmonizações melódicas e boa parte dos corais que estão no disco. Elas são também muito simpáticas, bastante sorridentes, e têm uma energia que simplesmente era demais para um palco tão pequeno.
SOM MELHOROU
Uma coisa sensacional é que, talvez por causa do intervalo maior, o som do Cobra Spell ficou muito melhor do que das bandas anteriores. Seria legal ter ouvido todas nessa qualidade, mas pelo menos o show principal realmente soou bem. Acredito que todas as bandas mandaram bem na performance, mas a única que teve um som tecnicamente semelhante ao que deveria foi o Cobra Spell.
Bad Girl Crew é uma das minhas preferidas do disco 666 e foi a próxima a ser tocada. Ela foi seguida da divertida abertura S.E.X., que tem backing vocals muito pegajosos, bem típicos do que a gente ama em uma boa farofa. Love Crime e a também ótima You’re a Cheater encerraram a sequência de músicas tiradas do álbum full-length da banda. E isso me leva ao próximo ponto.
QUANDO O CANTOR DO COBRA SPELL ERA HOMEM
O Cobra Spell é hoje uma banda totalmente feminina. Mas seus dois EPs anteriores são cantados por um cara, Alex Panzza. Falando da voz em si, acho que o estilo nem mudou muito. Tanto ele quanto a Kristina Vega são muito bons, e com certeza o marketing é bem melhor com a banda sendo inteira feminina. Mas, meu amigo, o quanto eu gosto dos dois EPs lançados pelo Cobra Spell com a voz do sujeito simplesmente não está no gibi. Quando ouvi pela primeira vez o Anthems of the Night, simplesmente não acreditava no fato de que era uma música melhor que a outra.
Falei sobre isso porque a próxima música foi Poison Bite, do primeiro EP Love Venom. Eu já estava curtindo muito o show nessa hora, mas foi aí que realmente me animei. As músicas pré-primeiro álbum continuaram com Accelerate, empolgante e rápida canção do Anthems of the Night. Esta foi introduzida por um pedido para a plateia acelerar até 666 milhas por hora.
Foi também o retorno à temática cramulhão do disco mais recente, com Warrior From Hell. Nesta, a guitarrista brasileira Noelle dos Anjos pediu para a galera “ajoelhar perante…” não sei o quê. É, eu não entendi o que ela falou. Perante Satã, suponho? Curiosamente, parte do público de fato entrou na brincadeira e se ajoelhou para a música se iniciar.
ENCERRANDO O FEITIÇO DA NAJA
Era chegada a hora do fim do show. “A última música”, disse a vocalista Kristina Vega. E esta foi High On Love, a minha preferida do disco 666. Ô, música mais gostosa, meu! Seria um excelente fim para o show, mas ainda tinha mais uma, e outra das minhas preferidas: Addicted to the Night, a faixa que abre Anthems of the Night. Estas duas últimas músicas estão entre as que mais gostei no show inteiro. Dito isso, achei o show deveras curto, com apenas 11 músicas.
Até o momento, a banda tem 21 músicas lançadas e, considerando que as 11 levaram cerca de 60 minutos para serem tocadas, seria perfeitamente viável tocarem o catálogo inteiro. Mas o que mais me deixou chateado é que duas das minhas músicas preferidas entre as que conheci nos últimos anos simplesmente não foram tocadas. São elas Flaming Heart e Steal My Heart Away. Esta última provavelmente é a canção de hard rock farofa que eu mais ouvi no último ano, e se ela não foi tocada agora, suponho que nunca mais será. Grande pena.
COBRA SPELL E OS PENSAMENTOS DELFIANOS FINAIS
Gostaria que o show tivesse sido mais longo, no mínimo que tivesse incluído estas duas canções das quais tanto gosto. Mas o que foi tocado foi bacana, com uma excelente performance, muita simpatia e energia. Foi um show divertido, como o rock farofa deve ser. As bandas de abertura foram me agradando mais conforme o tempo passava, com o Vingança Suprema fazendo um som que não me conquista, mas com o Wolfpire já sendo bem próximo do que eu esperava ouvir em uma apresentação do Cobra Spell. Abaixo mais algumas fotos para os delfonautas visuais.
Foi um show bacana, que para mim foi quase um retorno às origens, de quando vivia com mais força e trueza a cena underground do rock e metal, lá nos primórdios do DELFOS. Se você quer ver mais matérias sobre música e outros assuntos que foram tão importantes para nós no passado, considere apoiar a gente no Apoia.se.