Chico Bento: Pavor Espaciar

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Eu definitivamente não sou um cara do campo. Morei por quatro anos em uma fazenda bastante isolada no Mato Grosso e não faço ideia de como eu não fiquei louco. Até gosto de passear por campos verdejantes e de me deitar sob a sombra de uma árvore e ver vacas e cavalos pastando, mas não consigo viver sem as facilidades da cidade grande, como internet, cinema, bancas de jornal e comida congelada.

E mesmo tendo odiado a minha experiência rural, eu não consigo me imaginar trocando a vida sossegada de uma cidade média do interior paulista, aonde eu nasci e moro, pela correria caótica de uma metrópole como São Paulo. Acho que lá no fundo, eu sou de fato um “caipira urbano”.

Chitãozinho & Xororó é muito trüe.

Portanto, não é à toa que eu sempre gostei do Chico Bento, o simpático morador da roça com um peculiar jeito de falar criado por Maurício de Sousa, e não pensei duas vezes ao comprar Pavor Espaciar. Este é o terceiro volume da tremendona série de graphic novels da MSP, escrita e desenhada pelo cartunista Gustavo Duarte que embora tenha nascido na “capitar” do estado, foi criado em Bauru, cidade do interior de São Paulo.

BUNITO DIMAIS DA CONTA

A primeira coisa que chama a atenção é a sua arte espetacular. O traço de Gustavo é bastante limpo, sem dar muita atenção a detalhes, mas também é muito bem definido. O Chico e o Zé Lelé ficaram simplesmente hilários com seus olhinhos pequenos e rostos corados.

Muitos dos quadros não possuem cenário, mas diferente das técnicas do mestre, isto dá uma baita sensação de imensidão e agonia. Há uma cena em que vemos os protagonistas bem pequenininhos correndo em um imenso fundo branco, que parece não acabar nunca. E isso envolve de forma que faz você sentir como se estivesse dentro da nave com o próprio Chico.

Assim como seu predecessor, Laços, também há várias referências à cultura pop e às obras de Maurício de Sousa. Entre elas estão a participação de um cantor de aparência bisonha e de um certo elefante que eu sempre soube que não era normal. Afinal, onde já se viu um elefante verde que come extrato de tomate?

SIMPRÃO

Se a arte de Pavor Espaciar é espetacular já de cara, o mesmo não pode ser dito de sua trama, que é muito, muito simples. Basicamente, Chico Bento está passando a noite sem nenhum adulto em casa, tendo apenas a companhia de seu abobalhado primo Zé Lelé. De repente, do nada absoluto, uma nave alienígena aparece e abduz os dois garotos, bem como o porco Torresmo e a galinha Giselda, os animais de estimação de Chico. Agora nossos improváveis heróis precisam escapar das garras dos “lienígenas” e voltar para a casa. E esta é praticamente toda a história.

Não há profundidade no enredo. Não é explicado qual é a origem dos alienígenas, ou o que eles estavam fazendo na Terra, ou porque diabos eles resolveram abduzir dois garotos, um porco e uma galinha. Em Laços, a trama também era bastante simples, mas os autores optaram por isso para focar mais na nostalgia e na amizade que une as crianças, mas aqui não há nada disso. Aliás, não há nem mesmo muitos diálogos. A obra possui várias sequências de páginas sem um balão sequer.

Contudo, o humor de Pavor Espaciar é muito, muito tremendão. O simples fatos de dois caipiras simplórios estarem em uma avançada nave interestrelar por si só já cria uma situação de ironia cômica imensa. Embora sejam poucos, muitos dos diálogos possuem um certo tom de sarcasmo, mas sem nenhuma malícia por trás deles. E claro, o dialeto caipira tão famoso do personagem continua hilário como sempre. Se você for um delfonauta do interior paulista, com certeza vai reconhecer várias das palavras “bissurdas” de Chico logo de imediato.

Porém o que vale mesmo destacar são as expressões que Gustavo Duarte dá a seus personagens. A cada nova surpresa que nossos heróis encontram, eles fazem uma careta tão vívida e engraçada que muitas vezes eu me peguei rindo só de olhar para a cara dos personagens, sem que nenhuma piada fosse feita. É engraçado desse jeito.

Isto se deve pelo fato de Gustavo não ser um quadrinhista tradicional, mas sim especializado em charges. Dê uma busca pelo nome dele no Google Imagens e você encontrará vários desenhos muito expressivos, mas com quase nenhum cenário ou balão.

No fim, Pavor Espaciar é uma obra de um estilo bem diferente do que estamos acostumados, muito mais visual do que escrita, mas nem por isso deixa de ser muito bem feita. A história poderia render bem mais se tivesse mais alguns diálogos, mas mesmo assim ela é altamente recomendável para todos os fãs do Chico Bento, da Turma da Mônica e de quadrinhos em geral.

CURIOSIDADES

– Nos extras, é dito que Gustavo Duarte é torcedor do São Paulo, mas seu time do coração é o Noroeste, o time da cidade de Bauru. O cara é tão fanático pelo clube que colocou duas referências ao time no começo da história e até aparece vestindo a camisa do time na foto.

– Já eu odeio futebol e não assisto jogo nem da Copa do Mundo, mas confesso que gosto de ir assistir ao XV de Piracicaba no estádio e até penso em adquirir uma camiseta do time.

– Na contracapa do livro, há um texto escrito pelo Roger Moreira, do Ultraje a Rigor, comentando sobre o trabalho de Gustavo Duarte.

– O Chico Bento e o Zé Lelé são inspirados nos tios-avôs gêmeos de Maurício de Sousa. Ele não chegou a conhecer nenhum dos dois, mas sempre ria das hilárias histórias protagonizadas pelos irmãos, contadas por sua avó.

– Assim como aconteceu com a Mônica e o Cebolinha, o Chico Bento começou como um coadjuvante das tirinhas de jornal da dupla Hiroshi e Zézinho, os atuais Hiro e Zé da Roça. O personagem se tornou tão popular que logo ganhou suas próprias histórias.

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