Dentre as inúmeras possibilidades do cinema, uma de suas vertentes é aquela que prima pelo realismo. Por mostrar, parafraseando Nelson Rodrigues, a vida como ela é. Seja por mero voyeurismo ou para tentar entender um pouco mais sobre nossa própria existência, longas-metragens que retratam pedaços da vida e do cotidiano e os pequenos dramas de pessoas comuns sempre foram e sempre continuarão a ser produzidos aos montes.
Mas creio que nenhum conseguiu o que o diretor Richard Linklater atingiu neste Boyhood: Da Infância à Juventude, seu projeto mais ambicioso: capturar e retratar o crescimento de um menino a adolescente diante dos olhos do espectador, em um longa-metragem filmado aos poucos, ao longo de 12 anos.
A sinopse não poderia ser mais simples, e nisso o subtítulo brasileiro ajuda bastante. O filme mostra a vida do menino Mason (Ellar Coltrane) dos seis aos 18 anos de idade. Da infância à juventude. Simples assim. Mason é apenas um garoto comum da classe média estadunidense e tudo que o filme mostra são passagens ordinárias e mundanas na vida de qualquer criança.
Mudanças de casa, escola, a relação com os pais separados, a formação de uma nova família, a primeira cerveja, namoradas, os primeiros empregos, faculdade. Tudo isso retratado com a câmera quase documental de Linklater e os diálogos inteligentes e bem construídos, entre o cabeça e o filosófico, que tanto fizeram a fama de seu trabalho mais famoso, a trilogia Antes de alguma coisa.
É realmente uma experiência única e profundamente marcante assistir a Ellar Coltrane envelhecendo e crescendo diante de seus olhos a cada nova sequência da película, rodada entre os anos de 2002 e 2013, lentamente virando um adulto enquanto você assiste ao longa.
O engraçado é que, por outro lado, Ethan Hawke e Patricia Arquette, que interpretam seus pais, parecem não envelhecer quase nada. Ou os dois dormiram no formol nesses 12 anos, ou a transformação física de Ellar Coltrane é tão intensa (o que só nos lembra de como o tempo passa rápido) que acaba chamando toda a atenção para si e disfarçando o envelhecimento dos outros dois.
Deixando esse gimmick de lado e analisando apenas o filme como narrativa tradicional, ele ainda se sustenta muito bem. Talvez seja o slice of life mais épico já feito, pela quantidade de tempo coberta, mas demonstra sensibilidade e toda uma gama de sentimentos, do drama ao romance, passando pela comédia, cobrindo cada aspecto da vida do protagonista e seus coadjuvantes.
Quero dizer, vendo friamente, é o tipo de história que o cinema já tratou inúmeras vezes, e não há grandes surpresas ou sequer nenhuma novidade, tirando, claro, o lance do envelhecimento real de 12 anos de seu ator principal. Mas ainda assim, a história e sua condução são tão envolventes que as duas horas e quarenta e cinco minutos passam voando e, ao final, fica aquela sensação de que você terminou de acompanhar a vida não de um personagem de ficção, mas sim de algum conhecido.
No fim das contas, pode nem ser algo tão inovador assim. Mas, assim como no caso de Avatar, é menos a história separada que importa (história essa que talvez não agrade todo mundo, mesmo entre os fãs desse gênero) e totalmente a experiência cinematográfica como um todo que o torna um trabalho que lhe confere destaque, colocando-o acima de seus pares. Àqueles que quiserem ter uma experiência marcante e emocionante no cinema, Boyhood cumpre o papel com louvor. Um grande filme sobre um pequeno garoto.
CURIOSIDADE:
– Segundo o IMDb, devido ao longo tempo do projeto, o diretor Richard Linklater fez um acordo com seu amigo e colaborador frequente Ethan Hawke. Caso ele morresse antes de completar o filme, Hawke ficaria encarregado de terminá-lo. Felizmente, não foi preciso.