Essa foi a primeira vez que comprei um vídeo por seus extras. O curioso é que acho até estranho que realmente seja assim. Para quem não sabe, Flight 666 traz o filme de mesmo nome, que teve exibição restrita nos nossos cinemas. Como extra, traz todas as músicas da turnê, gravadas em diferentes lugares, inclusive no Brasil.
Como o legal mesmo do pacote é o show, vamos começar por ele. Pague um pau para a minha criatividade absurda para intertítulos:
O SHOW
Dezesseis faixas gravadas em 16 cidades. Apenas clássicos. Qualquer banger que se preze há de ter uma ereção involuntária ao assistir isso. Duas delas foram gravadas no Brasil: Heaven Can Wait, em São Paulo, e The Clairvoyant, em Curitiba, na “Padeira” (sic) Paulo Leminski. Sério, custava terem revisado o nome do lugar, turminha? Até porque no encarte está escrito corretamente (Pedreira, para quem não sabe).
Temos aqui a maior qualidade visual e sonora que já vi em um home-video de banda (tudo bem que é o primeiro Blu-ray do gênero a que assisto, mas não deve ser possível ficar melhor que isso). A imagem é cristalina, dá para ver os poros dos músicos e todas as imperfeições do Eddie gigante. É tudo extremamente colorido, com tons brilhantes e iluminação bem clara o tempo todo.
O show é (muito bem) filmado com várias câmeras e aquele tipo de edição ideal, que permite que você admire o que está acontecendo sem ficar trocando de imagens a cada meio segundo, mas também sem se tornar monótono. Ao contrário do que acontece com 90% dos DVDs de Metal, aliás, a equipe de câmeras não está testando brinquedos novos. Assim, não temos aqui aquele exagero de zooms, mudanças de cores, falta de foco e coisas do tipo. O negócio é profissional mesmo! Viu, Helloween?
Em alguns momentos durante o show, vemos o que está acontecendo atrás do palco. Desde a equipe da banda carregando equipamentos até Bruce Dickinson colocando suas fantasias durante a introdução de cada música, isso dá um charme todo especial para a filmagem. E, como não é feito exageradamente, também não chega a incomodar. Parabéns para a equipe técnica, por este excelente trabalho que, visualmente, pode ser o registro em vídeo definitivo de uma banda de Rock.
O som vai na mesma linha. Disponível em DTS-HD Master Audio 5.1, PCM Uncompressed 5.1 e Dolby Digital 2.0. Meu equipamento não tem capacidade para DTS-HD nem para PCM Uncompressed, portanto acabou transformando a primeira opção automaticamente em DTS 5.1. E, de novo, não consigo imaginar como pode ficar melhor. A qualidade de áudio é absurda, o som está alto e claro e a mixagem está tremendona, com a platéia bem alta nas caixas de trás e a banda à frente.
Minha única reclamação quanto ao áudio é no refrão da Heaven Can Wait, em que os pratos da bateria, por algum motivo, ficaram nas caixas de trás e, sabe-se lá por que, dão a impressão de que a caixinha está chiando. Colocando o ouvido próximo a ela, dá para perceber que é o som dos pratos, mas em posição normal, incomoda um pouco.
Antes de entrarmos na performance, tenho apenas duas coisas negativas a comentar, na parte da autoração do disco. Como o show é tratado como extra, não dá para selecionar as músicas no menu principal. Você precisa escolher Play Concert e usar o pop-up menu para mudar de faixas enquanto a primeira, Aces High, toca.
Embora seja inconveniente, não incomoda tanto. O que incomoda mesmo são os pontos escolhidos para o início das faixas. Ao invés de estarem marcados no momento em que a música começa, é comum você ser obrigado a ver fãs gritando, aviões voando ou o Bruce falando com a platéia antes de ser brindado com o bom e velho Metal Pesado. Antes de Wasted Years, por exemplo, rola cerca de um minuto dessas coisas e é um saco ter que dar fast-forward toda vez que você quiser apenas curtir um som.
Por fim, sobre a performance da banda, ela está no mesmo alto nível do resto do material. Novamente, contudo, tenho apenas duas reclamações, ambas relacionadas a solos. Em The Number of the Beast, Dave Murray para de solar no meio do dito-cujo e fica segurando uma nota por um tempão. Não tem jeito de ter sido um erro, dada a pose “eu sou pintudo” do sósia do Pernalonga, mas cá entre nós, soou horrível.
O segundo problema não é tão feio, mas me deixou bem decepcionado. Sabe como o solo de Wasted Years termina pouco depois do refrão começar, e até rola um momento em que a guitarra de Adrian canta junto com Bruce? Esses talvez sejam meus cinco segundos preferidos de toda a discografia do Maiden. E adivinha só: Adrian mandou esse finalzinho ouvir Pagode e parou seu solo no momento em que o refrão entra.
Como você pode perceber, são detalhes pequenos que não chegam a atrapalhar consideravelmente o show. Foram suficientes para não receber o Selo Delfiano Supremo, mas ainda assim, este é o melhor show já lançado pelo Maiden em home-video, talvez até por ser a única opção a trazer as músicas que todos querem ouvir. Claro, temos o Live After Death, também com um excelente setlist, mas como ele é de mais de 20 anos atrás, tem qualidade de imagem e som bem inferiores ao que um fã de música do século XXI exige.
O FILME
Porém, o disco não se limita ao show. Para ser sincero, eu não podia ter menos interesse no longa Flight 666. Gosto muito daquele documentário sobre a história da banda presente no Early Days, mas nunca vi graça nesses filminhos de bastidores que mostram músicos de mais de 40 anos agindo como moleques escatológicos e imaturos de apenas 15 primaveras.
Claro, este não é o caso do Iron Maiden. Aqui você não vai ver os ingleses arrotando, bebendo até cair ou coisas do tipo. Ao contrário disso, Flight 666 é composto de várias cenas dos caras jogando golfe. Minha pergunta: isso o torna mais interessante? Na minha opinião, não.
Tem algumas cenas onde eles visitam pontos turísticos (o momento mais divertido é quando Nicko diz que Janick sempre some quando o guitarrista está exatamente atrás dele) ou do Bruce pilotando o avião, mas nada que particularmente me apeteça, apesar de ser engraçado ver que os vôos da banda realmente têm o número 666. Você ouve os caras do aeroporto falando com aquela voz séria “vôo 666, permissão para decolar”. Se esse tipo de coisa é sua praia, talvez lhe agrade mais.
Porém, isso é apenas metade das duas horas do longa. Praticamente toda a outra metade, consiste apenas na banda tocando. São as mesmas músicas e a mesma filmagem presente nos “extras” (com exceção de um trecho da Children of the Damned, que não está nos “extras”). Porém, tirando a última, Hallowed Be Thy Name, nenhuma delas está inteira. Assim, me responda: por que alguém colocaria o filme e assistiria a três minutos de The Trooper se pode colocar o show e ver a performance completa?
Para dar uma ideia, o troço funciona assim: a banda chega numa nova cidade, rola algumas cenas de bastidores e dos caras jogando golfe, daí vemos um trecho relativamente longo (por volta de 70 a 80% da duração da música) da apresentação naquela cidade (sempre as mesmas canções da mesma cidade apresentadas na outra parte).
Claro, o filme foi pensado para o cinema, então faz sentido ter a banda tocando por bastante tempo. Mas analisado nesse contexto, com o disco contendo as mesmas músicas na íntegra, muito se perde. Se ainda mudassem as cidades, por exemplo, tivesse Heaven Can Wait em Buenos Aires ao invés de São Paulo, seria mais legal, pois não seria material repetido.
Também é um pouco irritante o fato de eles insistirem que essa turnê é extremamente arriscada. Ora, depois de décadas em que a banda ficava constantemente indo contra seus fãs, tocando músicas que pouquíssimos queriam ouvir e se recusando a mostrar os clássicos, não tem absolutamente nada arriscado em fazer um greatest hits. Pelo contrário, os fãs estavam tão na seca e com tanta vontade de ouvir maravilhas como Aces High ou Wasted Years que obviamente compareceriam em peso. Para fazer uma analogia, pense num cara casado com uma gostosona que dá apenas beijinhos nele. Cacildis, na hora que ela quiser uma safadeza maior, o cara vai estar doido pra mandar ver, certo? O mesmo acontece com os fãs de Iron Maiden e o fato de a banda ter um dos melhores catálogos do Rock Pesado e ignorá-lo quase que completamente por quase 20 anos.
Se você não é versado na língua de Shakespeare, nada tema, pois tem legendas para todos os gostos, incluindo os dois portugueses (do Brasil e de Portugal). Porém, se você for assistir com legendas em inglês, prepare-se para um momento vergonha alheia na parte do padre brasileiro. O cara fala que tem um fã-clube chamado “Piece of Maiden”. Só que o caboclo fala “Páice of Maiden”, ao invés de “Píce”. Como se já não fosse feio o mano não saber pronunciar o nome do próprio FC, os caras que fizeram a legenda entenderam “Pais” e traduziram como “Father of Maiden”. Por Satã, é tanto erro de tantas partes que chega a dar raiva. E como ninguém reparou que o nome era “Piece of Maiden”? O cara tem isso tatuado no peito, cacildis!
De qualquer forma, como deixei claro, não comprei esse disco pelo filme. Esse é o extra para mim e, como extra, até funcionou bem. Porém, como costuma acontecer com extras, não devo assistir ao filme de novo, apenas ao show.
OUTROS EXTRAS
Esse é todo o conteúdo do disco, mas além disso, a embalagem vem com um encarte bem legal, trazendo um diário escrito por Bruce Dickinson de quase toda a turnê. É uma leitura interessante e, no final das contas, mostra mais da personalidade do vocalista do que o próprio filme.
CONCLUSÃO
Se você quer um show do Maiden com ótimo setlist, excelente apresentação e alta qualidade técnica, seus problemas acabaram. Flight 666 é o DVD/Blu-Ray definitivo do Iron Maiden e vai demorar muito até alguma outra banda ter cacife (de investimento e de repertório) para bater isso. Até lá, compre aqui o Blu-ray e aqui o DVD e não perca seu tempo procurando pelos seus anos perdidos!