O cenário de shows em Santos tem evoluído bastante nos últimos anos, e dá para dizer que a cidade está voltando ao seu auge, porém uma banda internacional do porte do Bad Religion não era algo que eu esperava ver tocando por aqui tão cedo, de modo que quando um show da turnê foi anunciado, isso pegou a mim e a muitas pessoas de surpresa, ainda mais levando em consideração que as outras três cidades em que a banda tocaria são rota constante desse tipo de evento e Santos seria a única mais incomum.
A ABERTURA
Quando nós, de Santos, queremos ir a shows de bandas gringas de porte médio ou grande, acabamos quase sempre viajando até São Paulo. Não é uma distância tão longa e é difícil de reclamar sabendo que esses shows geralmente só passam pela região sul e sudeste do Brasil, e as pessoas de outras regiões infelizmente acabam tendo que pagar passagens aéreas para assistir a suas bandas preferidas, ou então nem assistem. Então, o tempo que leva de Santos a São Paulo não acaba sendo empecilho tão grande. Ainda assim, de vez em quando isso acaba cansando, então poder sair de casa a pé meia hora antes da abertura dos portões do local do show e não gastar um dia inteiro apenas no lugar e no trajeto para ele é sempre uma sensação muito boa.
Já que eu moro relativamente perto da casa de shows, cheguei cedo e consegui um bom lugar junto á grade, o show aconteceu na Capital Disco, que não é o meu lugar favorito, porém é uma das maiores casas de shows de Santos, o que acaba justificando a escolha dela para o Bad Religion. Mesmo sendo uma das maiores da cidade, ela tem capacidade para aproximadamente 2500 pessoas apenas, o que acaba sendo um ponto positivo pela maior facilidade de ver o show de perto.
Depois de algumas horas esperando, a primeira banda das duas que abririam pro Bad Religion subiu no palco. Eram os paulistanos do Nem Liminha Ouviu (NLO), que eu não conhecia até aquela hora e foi uma boa surpresa, a banda é um projeto que faz covers de bandas nacionais menos conhecidas da década de 80 (daí o nome, Nem Liminha Ouviu), eles tocaram para a casa praticamente vazia, mas conseguiram agradar boa parte das pessoas que já estavam lá esperando, com um show bem enérgico e eficiente.
Depois que o show deles acabou, foi só esperar o tempo de o palco ser arrumado pro segundo show de abertura começar. A banda era o Bayside Kings, uma banda local de hardcore que vem conquistando cada vez mais espaço na cena underground, já tendo tocado até na Argentina. É sempre bom ver bandas da cidade abrindo grandes eventos, e aqui, felizmente, pelo menos na maioria dos shows que eu vou sempre rola uma banda da região. O que acaba não sendo tão feliz assim é o costume das pessoas de chegarem somente na hora do show principal. Por causa disso, o público do Bayside Kings foi maior que o do NLO, mas a casa não estava nem perto de estar cheia ainda. Isso não foi um obstáculo para a banda que fez um show bem pesado e puxou a reação do público com a primeira rodinha da noite. A banda interagiu bem, com o vocalista Milton passando várias músicas na pista, no meio da roda.
Terminado o show do Bayside Kings era só esperar o tempo que faltava para a atração principal da noite finalmente subir ao palco.
BAD RELIGION
O Bad Religion já havia tocado em Santos em 1999, época em que a cidade era conhecida por muitos como a “Califórnia brasileira” devido à grande quantidade de bandas de hardcore e pelo clima de praia. Como eu era só uma criança na época eu não pude ver aquele show, porém é uma história muito interessante do cenário local e rendeu até um comentário do Greg Graffin na época (http://www.thebrpage.net/shows/show_review.asp?reviewID=124). Eu também não tinha ido para nenhum dos shows realizados pela banda em outras cidades do Brasil, então essa foi a primeira vez que eu vi eles ao vivo.
A casa ia começando a lotar enquanto os roadies arrumavam o palco, e como eu estava colado na grade pude ver as três folhas com o setlist grudadas e elas foram seguidas à risca pela banda. Eu esperava um setlist igual ao que foi tocado no Rio de Janeiro, com uma ou duas músicas diferentes, porém o setlist de Santos teve várias mudanças, e no momento que eu escrevo isso a banda divulgou o de SP na página do Facebook, e também foi diferente, e isso é algo muito interessante. Eu gostei bastante do que li nas folhas e isso só aumentou a ansiedade para a banda subir ao palco.
Exatamente 00:20h, com a casa já superlotada, ao som de uma música instrumental que serviu de introdução, a banda entrou no palco para o delírio de todos. O clima era bem descontraído, com os integrantes fazendo pequenas coreografias para a música de introdução antes de pegarem os instrumentos. Bastou Brian Baker tocar os primeiros acordes de Fuck You, do disco True North, o último trabalho da banda (sem contar o EP de Natal), para a casa toda vir abaixo. A música foi muito bem recebida, e cada palavra da letra foi cantada pela maior parte do público, quebrando o tabu de que músicas recentes de bandas antigas geram sempre reações medianas ou ruins.
A banda emendou sem pausas I Want to Conquer the World do clássico No Control, o que foi uma grata surpresa para mim, já que eu gosto bastante dessa música e ela não tinha sido tocada no Rio. A banda estava visivelmente satisfeita com a reação do público e eles pareciam tão animados por estarem tocando quanto nós por estarmos assistindo, o que sempre resulta em shows memoráveis. O show seguiu novamente sem interrupções com New America, música que a banda desenterrou para essa turnê. Ela gerou uma interação muito boa, com Greg trocando ‘new America’ por ‘new brazilians’ em um dos refrões e com o público berrando o coro a plenos pulmões.
Já tendo todos nas palmas das mãos, a banda parou para se dirigir ao público pela primeira vez, agradecendo e dizendo como era bom estar de volta, aquele papo que sempre rola em shows gringos. Eles seguiram com Stranger than Fiction, Recipe for Hate e Los Angeles is Burning em sequência, o que levou o público ao êxtase.
Fica até difícil definir a reação do público neste show, pois todas as músicas foram tão bem recebidas que não tem muito como fugir da descrição padrão. Sério, foi algo muito legal de se ver. Past is Dead é uma das músicas mais interessantes do último disco e é muito boa de ouvir ao vivo, mas mais legal ainda foi Raise Your Voice, que veio em seguida. Na versão de estúdio, ela não é das minhas favoritas, porém ela é tão fácil de seguir que é impossível no final não acabarem todos cantando junto, mesmo quem não conhecia a música antes.
Generator sempre é uma das mais esperadas nos shows dos caras e foi o ápice da primeira parte, com o número de rodinhas crescendo e minhas costelas sendo esmagadas contra a grade (valeu a pena). True North, faixa título do último álbum, fez um trabalho eficiente mantendo todos com a mesma animação de antes e foi seguida por Struck a Nerve, uma das surpresas mais legais dessa turnê. Outro ponto alto da noite foi You, onde houve uma boa sensação de sintonia entre banda e público.
O show foi se encaminhando para a metade com uma bela homenagem ao álbum Suffer, de 1988, onde a banda enfileirou quatro músicas do álbum seguidas: You Are (The Government), Suffer, How Much is Enough? e Do What You Want, e o público continuou seguindo tudo sem sinais de cansaço.
Before You Die infelizmente foi a única do New Maps of Hell presente no setlist. Como eu já disse antes, a banda estava muito descontraída, e Greg fez algumas piadas sobre o chão escorregadio do palco, fingindo patinar e escorregar nele. Overture e Sinister Rouge tocaram o show pra frente, e foram seguidas por No Direction, faixa muito comemorada pelos presentes e muito legal de ver ao vivo. O famoso verso ‘no Bad Religion song can make your life complete’ (nenhuma música do Bad Religion pode deixar a sua vida completa) foi berrado por um público que naquele ponto tinha sérias dúvidas quanto à veracidade da frase.
Beyond Electric Dreams segurou os altos níveis de empolgação e preparou o terreno para Skyscraper, para mim um dos pontos altos dessa turnê. A faixa não é tocada em shows regularmente e foi uma das mais inesperadas a serem incluídas nos setlists. A música cresce muito ao vivo e a banda bem que poderia começar a fazer dela um hábito daqui para frente. O show seguiu para mais uma sequência de músicas de um álbum, dessa vez do The Process of Belief de 2002. A banda tocou as faixas que abrem o disco: Supersonic, Prove It e Can’t Stop It.
Eu dei uma olhada nas folhas do setlist para ver o que vinha em seguida e preparei minhas costelas psicologicamente, pois a próxima música era a clássica Infected. Greg a dedicou ao público e nós correspondemos não dando sinais de cansaço e usando o que sobrou das nossas vozes para cantarmos junto. Ela foi emendada com Dept. Of False Hope do disco novo, que também foi bem recebida por todos.
Neste ponto, a banda saiu do palco e encerrou o set principal, mas não foi por muito tempo e logo eles já estavam de volta. Greg voltou usando uma camisa do Santos Futebol Clube. Eu não acompanho muito futebol, mas foi uma homenagem digna para a cidade e recebeu mais aplausos do que vaias. O baixista Jay Bentley fez uma piada com o fato de que todos sabíamos que eles iam voltar para o bis… e que bis! A banda enfileirou três de seus maiores clássicos: Fuck Armageddon… This is Hell, que tinha ficado de fora do show no Rio, Punk Rock Song e American Jesus. Obviamente nós usamos toda a força e voz que sobraram para essas três músicas, e foi o momento que literalmente todo mundo estava pulando e cantando junto. Este bis serviu pra fechar tudo com chave de ouro.
O Bad Religion é uma banda que entrega tudo o que se propõe a fazer e um pouco mais. Mesmo depois de mais de 30 anos, eles tocam com a mesma energia de uma banda em seu auge. O baterista Brooks Wackerman e o baixista Jay Bentley tocam de maneira extremamente entrosada, e este último é bem carismático e conversa constantemente com o público.
Brian Baker é muito eficiente na guitarra. Eu tive o privilégio de ficar bem na frente dele na grade e posso dizer que o cara é incrivelmente talentoso. O ex-guitarrista do The Cult, Mike Dimkich, que entrou na banda para substituir o veterano Greg Heston (que está afastado da turnê desde o ano passado por conta de problemas matrimoniais), tocou o set inteiro com tanta naturalidade que parece que está na banda faz anos, deixando pouca margem para críticas. Por fim, Greg Graffin é um show à parte. Extremamente experiente e carismático, sabe como comandar o público como poucos e ainda está afinadíssimo.
O setlist foi muito bom e passeou bem pelos 30 anos de carreira da banda, compensando a ausência de alguns clássicos que quase sempre são tocados como Sorrow, 21st Century Digital Boy e We’re Only Gonna Die com várias faixas raras. Fica difícil para uma banda com 30 anos de estrada fazer um setlist que tenha tudo que todo mundo quer ouvir, e o fato da banda não deixar de fora nenhuma fase da carreira e escolher sempre muito bem o que tocar deve ser o suficiente para agradar a todos os tipos de fãs.
O som teve altos e baixos, e o vocal por vezes ficava mais baixo do que os instrumentos. Graças a isso eu tirei meio Alfredo da nota, porém a banda é tão boa no palco que acabou por compensar as falhas técnicas e não se prejudicou tanto quanto poderia. Foi uma atitude louvável trazer o Bad Religion para tocar em Santos, e nós sinceramente esperamos outros shows desse porte por aqui em um futuro próximo, pois como ficou comprovado na noite do dia sete de fevereiro, a cidade tem público para isso.
1. Fuck You
2. I Want to Conquer the World
3. New America
4. Stranger Than Fiction
5. Recipe for Hate
6. Los Angeles Is Burning
7. Past Is Dead
8. Raise Your Voice
9. Generator
10. True North
11. Struck a Nerve
12. You
13. You Are (The Government)
14. Suffer
15. How Much Is Enough?
16. Do What You Want
17. Before You Die
18. Overture
19. Sinister Rouge
20. No Direction
21. Beyond Electric Dreams
22. Skyscraper
23. Supersonic
24. Prove It
25. Can’t Stop It
26. Infected
27. Dept. of False Hope
BIS:
28. Fuck Armageddon… This Is Hell
29. Punk Rock Song
30. American Jesus