Vencedor da Palma de Ouro em Cannes, Azul é a Cor Mais Quente chamou a atenção do público não pela qualidade da narrativa, mas pelas cenas intimistas de sexo homossexual e pelo “vouyeurismo” do diretor Abdellatif Keichiche. Entretanto, o delfonauta que for assistir ao filme em busca de mais um Matadores de Vampiras Lésbicas pode sair desapontado ao encontrar um filme de sensibilidade semelhante ao Antes da Meia-Noite e os demais filmes da trilogia de Richard Linklater.
Adaptando a história em quadrinhos Le Bleu Est Une Coulleur Chaude, o filme segue Adèle (Adèle Exarchopoulos), do colégio até sua vida como professora, e explora a busca por identidade e segurança da protagonista. De adolescente melancólica, a protagonista passa a encontrar vida nas suas primeiras experiências amorosas, e principalmente, após conhecer Emma (Lèa Seydoux), estudante de Belas Artes, por quem se apaixona e começa a dividir sua vida.
Diferente do material de origem já em seu nome (La Vie d’Adele significa “A Vida de Adele”), o filme busca fugir do ultra-romantismo e ingenuidade que tanto prejudicou a obra original (culminando no indulgente e artificial final da graphic novel). A produção aposta num tom mais realista. Do nome da protagonista, que de Clèmentine virou Adele, mesmo nome da atriz, à direção que evita chamar a atenção para si e a trilha sonora diegética o expectador não parece estar assistindo a um filme, mas testemunhando realmente a vida daqueles personagens. Os sentimentos e simbolismos pretendidos pelo filme então ficam a cargo do design de produção e da performance de suas atrizes, o ponto alto do filme.
Do azul melancolia, para o amarelo que reflete a incerteza da protagonista. O uso das cores é constante. Essa lógica visual é responsável pelo momento mais inspirado do filme: após ser rejeitada ao abordar sua primeira parceira, Adele percorre um corredor em que os pilares vermelhos (simbolizando a paixão entusiasmada) são substituídos pelo azul (da melancolia pela rejeição).
Intensa, Exarchopoulos convence ao mostrar o amadurecimento de sua personagem, assim como ao passar da melancolia para o entusiasmo e da insegurança para uma mulher madura consciente do preconceito da sociedade. Já Seydoux, que em seus trabalhos anteriores (A Bela Junnie, Meia Noite em Paris, Missão: Impossível – Protocolo Fantasma) precisava apenas parecer atraente (papel, aliás, que ela desempenha tremendamente bem) aqui tem a oportunidade de explorar uma personagem tridimensional. Segura, sua Emma exibe a sabedoria de alguém que passou pelos mesmos problemas que sua companheira passa no inicio da projeção.
Com um roteiro que nunca trai seus personagens, o filme exibe elementos chaves para seu desenvolvimento. As cenas de sexo, sempre necessárias, não só mostram a paixão das duas, como formam um paralelo com o sexo protagonizado entre Adele e o namorado no inicio do filme, em que o desconforto de Adele é evidente. Não sem motivos, sempre há duas velas acessas ao fundo a materializar a paixão de ambas, e nas cenas externas o Sol emprega essa função com uma obviedade que só não prejudica o longa pela belíssima fotografia que proporciona.
Encontrando ainda espaço para discutir o cinema (Hollywood é citada com certa freqüência) Azul é a Cor Mais Quente é um filme de várias camadas. Cruel, mas ainda assim uma experiência fantástica. Sem receio de abraçar o realismo e frustrar o expectador, é o programa ideal pra quem busca algo diferente do que se encontra no cinema hoje em dia. É uma pena, portanto que o filme possa não chegar ao home-video em blu-ray.
A POLÊMICA DO BLU-RAY
A Sonopress, parceira habitual da Imovision na reprodução dos filmes em blu-ray e DVD se negou a reproduzir Azul é a Cor Mais Quente, alegando que contratos com outras empresa, como a Disney, impedem a Sonopress de replicar material com conteúdo explícito. A Sony DADC, também contatada pela Imovision, se recusou a produzir o filme pelo mesmo motivo. Até pouco tempo atrás, Ninfomaníaca, aquele filme do diretor favorito do Corrales, distribuído pela Califórnia Filmes, estava previsto para ser lançado normalmente em blu-ray pela mesma Sonopress, entretanto, após a polêmica com o Azul é a Cor Mais Quente, a empresa recusou a impressão do filme. Lembrando que ambos os filmes são classificados para maiores de 18 anos, e que Ninfomaníaca já chegou aos cinemas em sua versão “censurada” concluímos que:
O problema não é sexo homossexual, só o sexo. E tudo bem ver as genitálias alheias, desde que não seja em alta definição.
Brincadeiras à parte, a atitude dessas empresas mostra uma imaturidade social preocupante e ultrapassada. O cinema já explora o sexo em sua narrativa há tempos, em especial o cinema europeu. E vale lembrar que filmes como O Segredo de Brokeback Mountain e O Último Tango em Paris foram distribuídos em blu-ray, este segundo, aliás, pela própria Sony DADC.
Além do óbvio, sexo e homossexualidade são comuns entre os seres humanos, e não há nada de errado nisso.
O mais interessante dessa discussão é a força que ela dá para o filme. Não só por seu preciosismo narrativo, mas por escancarar a face preconceituosa e infantil de um mercado que parece esquecer que o material com que trabalham são obras artísticas, e que o público tem a capacidade de julgar por si seu conteúdo.
As cópias em DVD de Azul é a Cor Mais Quente serão produzidas por uma empresa terceirizada contatada pela Imovision.