Segundo o Corrales, na questão dos gostos musicais, os nerds se dividem em dois grupos: os que escutam Heavy Metal e jogam RPG e os que curtem um Rock mais alternativo e filmes do Kevin Smith. Obviamente, um não exclui o outro, já que um do primeiro grupo pode gostar de Kevin Smith e um do segundo pode jogar RPG. Você já deve ter percebido que eu pertenço ao segundo grupo. Esta coluna tem o objetivo de apresentar um pouco do modo de ser de quem gosta desse estilo de música (afinal, boas canções têm o poder de influir no nosso comportamento). Como as outras colunas delfianas, ela não terá uma periodicidade definida para que não se torne uma obrigação e para garantir que todas elas sejam relevantes. O assunto primário a ser tratado aqui é a música, mas nada impede que outras questões venham à tona futuramente. Mas como essa é a primeirona, o assunto será exatamente esse.
Ultimamente, a imprensa musical brasileira vem se rendendo cada vez mais a uma característica peculiar de sua irmã britânica. A de eleger, quase semanalmente, aquela banda que vai chacoalhar o mercado e mudar sua vida. São as salvações do Rock.
Lendo jornais, revistas e, principalmente, colunas de jornalistas especializados na Internet, sempre me pergunto: por que diabos esses caras acham que o Rock precisa ser salvo? É aquele velho papo de que ele morreu nos anos 70, ou eles simplesmente gostam do som dessas palavras?
Seja como for, digo que, a meu ver, o Rock nunca chegou nem perto de esticar as canelas. Há bandas de todos os gêneros possíveis e imagináveis, para todos os gostos. Claro, a qualidade pode variar, mas isso é normal.
Esse papo de que o Rock de qualidade acabou lá no fim dos anos 70 soa como uma grande bobagem de gente que se recusa a evoluir. Os caras estão presos no passado e acham isso legal. Parecem aqueles velhos rabugentos que vivem falando que no tempo deles é que as coisas eram boas. O mais deprimente é que boa parte dessa galera está ainda na casa dos 20.
Sério, dá para acreditar que, da década de 80 para cá, não surgiu nada com um mínimo de qualidade? Algo que se compare com as grandes bandas dos anos 60 e 70? Eu gosto de acreditar que nada é intocável, incluindo-se aí os medalhões da música. Ou você acha que a singela letra de I Want to Hold Your Hand, dos Beatles é poesia em estado bruto? Se a questão é simplesmente tempo, então daqui a dez ou vinte anos, as bandas atuais também serão consideradas Classic Rock. Será que então vão dizer que o Rock morreu nos anos 90?
Quanto à questão do hype em torno das novas bandas, eu culpo a Internet. Ela possibilitou uma rapidez na busca por coisas novas nunca imaginada anteriormente, além de ter aumentado também a transmissão de informação. Essa volúpia por informação e a velocidade quase instantânea com que ela agora é produzida simplesmente ferraram os jornalistas. Eles precisam trabalhar dobrado para ter assunto para apresentar a um público ávido por novidades em tempo real. Assim, nada mais natural que a cada semana uma banda seja o foco das atenções. Falsos ídolos são criados e destruídos com a velocidade de um clique do mouse.
O endeusamento das novas bandas, ao menos aqui no Brasil, começou com os Strokes. Os caras tinham um CD single com três músicas e críticas favoráveis quanto aos seus shows em Nova Iorque. Mas o fuzuê começou mesmo quando eles foram tocar na Inglaterra. A partir daí, eles viraram a banda a ser descoberta, e com urgência, que era para combinar com o som deles. A partir daí, a história é bem conhecida: lançaram o primeiro disco, Is This It (sacaram a opinião da banda sobre o próprio fenômeno que os acometeu?), que angariou ótimas críticas, vendeu como água e transformou a faixa Last Nite no hino dos anos 2000 (outra mania da imprensa musical. Eles adoram eleger hinos). Já o segundo disco, Room on Fire, basicamente mais do mesmo, dividiu opiniões e devolveu a banda a um status mais justo. Uma boa banda que resgata o som do Rock de garagem dos anos 60/70. E só.
Caso mais grave aconteceu com os australianos do The Vines. Apontados como o novo Nirvana (essa referência até procede: os caras começaram como uma banda cover deles e a voz de Craig Nicholls lembra bastante a de Cobain), lançaram um disco de estréia vigoroso, Highly Evolved, porém derivativo da banda de Seattle. Ser um derivado do Nirvana não quer dizer que você é o Nirvana, senão o Bush (a banda, não o presidente imbecil dos EUA) teria sido um sucesso absoluto. Para o segundo disco, quiseram dar uma mexida na sua sonoridade, acrescentando um pouco de psicodelismo. Resultado: foram massacrados pela crítica (realmente o álbum é bem mais ou menos) e sumiram sem deixar rastros. Não se sabia se continuavam na ativa ou não, até que recentemente anunciaram, e posteriormente lançaram seu terceiro disco, Vision Valley. Mas como o estardalhaço foi zero a respeito do novo trabalho, não me admira se eles sumirem novamente por mais um longo período.
A mesma mídia que endeusa bandas iniciantes e inexperientes, trata de destruí-los e/ou esquecê-los, geralmente no segundo álbum. Assim, a síndrome do segundo disco se torna ainda mais dramática para esses grupos. É quase impossível corresponder às expectativas dos malignos críticos e dos ávidos fãs. Justamente por isso, muitos desses grupos estão fadados a ter uma carreira curta. Para mim, o verdadeiro desafio para eles não é o segundo, mas o terceiro disco. Somente quando ele é lançado, pode-se dizer que vieram para ficar. A maioria deles ainda não chegou lá.
White Stripes, Libertines, Franz Ferdinand, Bloc Party, Killers. Todos já tiveram seus quinze minutos de glória sendo tachados de “a banda a ser ouvida”. Não me entendam mal, eu gosto de todas essas bandas que citei, mas acontece que elas não possuem nenhum potencial para causar qualquer tipo de revolução. São grupos muito legais, e só. Musicalmente, não apresentam nada de novo, apenas revisitam sonoridades que os influenciaram com maestria, como o Blues, o Pós-Punk ou o Tecnopop. Até aí, nada de errado em reciclar suas influências, mas eles parecem não ter a pretensão de algum dia buscar outras sonoridades e muito menos de brincar com as próprias estruturas musicais, como o Radiohead faz. Em tempo, eu considero o grupo de Thom Yorke a banda mais importante em atividade. Estes sim, responsáveis pela última revolução no Rock.
Muito bem, se eles não têm a pretensão de revolucionar nada, a maioria dessas bandas apresentam um ponto fraco, as letras. Esses caras geralmente não tem nada para dizer, ficando naquele lugar comum do “o que os jovens das cidades grandes fazem”. OK, o tema condiz com o perfil do público, mas depois que vinte bandas começam a cantar a mesma coisa, fica meio redundante. Lembre-se, os Beatles começaram com a já citada I Want to Hold Your Hand, mas depois chegaram a A Day in the Life. Os novos hypes, embora tenham sacadas inteligentes, ainda não saíram desse lugar comum temático.
Com tudo isso, não estou dizendo que essas bandas são inferiores. Quero dizer que todas elas merecem, no mínimo, uma escutada. Afinal, não é nada bom ser um daqueles caras parados no tempo. Mas tenha consciência, não acredite em tudo que lê. Sem a pressão de serem os novos messias, a maioria delas são muito legais, divertidas e quem sabe, com o tempo, algumas não se tornam realmente importantes. Afinal, o Radiohead também começou como um clone do Nirvana, e atualmente faz as músicas mais esquisitas do Rock (isso é um elogio). Acho que a moral da história é que essa carga de responsabilidade que a imprensa relega a esses sujeitos não é nada boa, afinal é preciso tempo para se refinar qualquer coisa. Até mesmo um urgente Rock n’ Roll.