Muita gente, incluindo quase a equipe inteira aqui do DELFOS, se lembra da escola como o pior período de suas vidas. Sabe como é, nerds sofrem bullying e não conseguem conquistar as gatinhas da sala. No meu caso, não tenho tantas más lembranças da escola (na verdade, hoje tenho uma visão bem positiva desse período), mas devo dizer que ela teve um impacto negativo em minha vida por me ensinar várias coisas erradas, e arrisco dizer que isso vale para sua vida também.
A verdade é que matemática, português e história são as coisas das quais menos nos lembramos da escola. Pô, eu me lembro de um professor meu falando que nós não iríamos lembrar de nada do que nós aprendemos e taí, me lembro de ele ter dito isso, mas nada da matéria dele, que era geografia. Ok, sei que a região sudeste do Brasil é formada por mares de morros, mas apenas porque mares de morros” soa muito legal. A escola ensina um monte de conceitos e ideologias errados que, esses sim, ficam grudados eternamente no seu cérebro.
Um dos papéis mais importantes (e subestimados) da escola é o de preparar as pessoas para viverem em sociedade, ou seja, conseguirem conversar, saberem como se comportar e até o que fazerem em suas vidas. Isso é bastante claro no ensino infantil, mas perdura até a faculdade. Assim, os professores também têm a tarefa de prepararem os alunos dessa forma. O problema é que, quanto mais o estudo estiver voltado ao mercado de trabalho, mais coisas erradas serão ensinadas.
Para ficar mais claro sobre o que estou falando, vamos enumerar algumas bobagens que aprendemos na escola que podem causar danos irreversíveis. A primeira não é só uma grande sacanagem, como um dos maiores problemas na educação do Brasil.
5 – VOCÊ DEVE ENTRAR EM UMA UNIVERSIDADE PÚBLICA, OU SEJA, A USP
Nos anos oitenta, a demanda por cursos no ensino superior aumentou consideravelmente. Como o Brasil não tinha nem de longe a quantidade suficiente de universidades necessárias para todo mundo, o governo resolveu facilitar a abertura de faculdades e cursos superiores, o que fez com que fossem criadas diversas instituições de baixa qualidade.
Uma das consequências disso é que várias universidades particulares boas fecharam, já que não podiam competir com as mensalidades baixas das novas faculdades do mau e, assim, aumentou-se ainda mais a crença de que apenas as universidades federais oferecem bons cursos. Apenas com elas uma pessoa será realmente bem-sucedida. E isso é a maior balela.
O problema seríssimo é que todas as escolas do ensino médio usam o sucesso dos alunos como publicidade para conseguir mais matrículas e manter a máquina funcionando. Todo ano você vê gente pintada com a universidade e posição que passou estampadas em cartazes, banners, escolas, etc, justamente por esse motivo. Eles não estão felizes por você. Eles só estão usando isso para conseguir mais alunos no ano que vem.
Infelizmente, as pessoas que mais deveriam ajudar os alunos nessas horas são as que mais atrapalham: os professores. No ensino médio, eu tive cerca de 30 deles e todos, sem exceção, criavam uma pressão enorme em todo mundo ao afirmarem que a sala inteira deveria conseguir entrar em uma universidade pública, de preferência a USP.
Tinha um professor que era um caso à parte, já que ele costumava afirmar que a USP era a única universidade do Brasil, à época, a aparecer entre as 200 melhores universidades do mundo inteiro. Ei, cara, quer queira quer não, nem todo mundo vai conseguir entrar na USP. Aliás, praticamente ninguém da sala ia entrar (e não entraram). O pior é que ele não só sabia como desmerecia todos por saber dessa situação.
Não só eu, mas muita gente passou pelo drama e pressão de ter que passar na fuckin’ FUVEST e isso tirou a nossa atenção do que era muito mais importante: pesquisar todas as melhores universidades que ofereciam os cursos que gostaríamos de fazer, verificar a possibilidade de bolsas, estudar qual seria a melhor opção. Pouquíssimos professores, pouquíssimos mesmo, citaram em sala que essa deveria ser uma de nossas preocupações.
Eu acabei não sendo muito prejudicado por isso, já que não fiquei insistindo em entrar numa universidade pública, mas tenho um amigo que estudou comigo e fez dois anos de cursinho tentando passar em uma pública. Não passou e perdeu tempo que poderia ter sido gasto em um curso superior de uma boa universidade. Outro amigo passou por uma situação mais absurda, já que ele ficou em primeiro lugar em uma universidade particular boa, conseguiu um bom desconto nas mensalidades e, um ano depois, já frequentando a faculdade, tentou novamente passar no vestibular da FUVEST.
E por que isso, ó, Deus, por quê? Porque o ensino médio no Brasil é apenas voltado ao vestibular. Esqueça tudo o que deveria ser importante na escola. Este é o único objetivo de sua passagem por ela. Os professores, aposto, perguntaram mais vezes a você se estava preparado para fazer a maldita prova do que se sabia qual curso iria fazer.
Não quero entrar na discussão sobre quem vem de escola pública e não tem condição alguma de pagar um curso particular. Apesar de isso ser uma realidade, o buraco é mais embaixo: essa é uma pressão inconsciente (e inconsequente) pela qual todo mundo, sem exceção, passa, e isso prejudica demais a escolha de todos os alunos em relação às oportunidades reais e boas que têm. Aliás, o governo sabe que muita gente não tem como pagar a faculdade e está querendo garantir 50% das vagas para cursos em universidades públicas a alunos de escolas públicas. Não vou desenvolver sobre esse tema (fica para outro dia), mas em minha opinião, isso vai dar errado.
4 – QUEM VAI MELHOR EM PROVAS É MAIS INTELIGENTE
Isso é tão besta que me deixa perplexo como ainda é tão forte nas escolas. É comum que as pessoas que estudam mais, levantam a mão quando um professor faz uma pergunta ou até tiram notas mais altas nas provas são consideradas imediatamente as mais inteligentes, chamadas de CDFs ou até de nerds (quando nerds são outra coisa). Embora esta lição seja perpetuada pelos próprios alunos, desde muito pequenos, é a escola e os professores que ensinam isso. E reforçam. E fazem pessoas inteligentes se sentirem burras.
É meio óbvio, mas cada um de nós é bom em alguma coisa (ou várias coisas). Por isso, existem médicos, psicólogos, arquitetos. Nós precisamos de todos eles, eles de nós e só podemos contar com pessoas talentosas e boas em suas funções porque têm inteligências diferentes das nossas. Sim, existem inteligências diferentes!
Alguém pode ser muito bom para resolver cálculos, mas pode não ter a mínima habilidade para escrever um texto argumentativo, por exemplo. E isso não quer dizer que essa pessoa tenha capacidade argumentativa inferior (ela pode conversar bem melhor do que escrever, por exemplo), apenas que ela tem habilidades e inteligências diferentes.
Citando como exemplo a equipe do DELFOS, o nosso editor-chefe é bom pra chuchu em perceber quem é bom para fazer o que no site e organizar a equipe inteira, o que é um bocado complicado. Agora, peça para ele chegar a algum lugar que nunca esteve antes, conversar com pessoas ou colocar créditos no celular. Não vai rolar, delfonauta. Quando o assunto é pedir uma pizza ou Beirute em nossas reuniões, ele deixa a tarefa comigo ou com o Flávio, os delfianos mais “sociáveis” e que geralmente têm créditos nos celulares (mas não muito, afinal, sou jornalista e o Frodrigues, músico, o que nos torna irremediavelmente pobres).
Pô, delfonauta, mas tudo isso que eu falei é muito óbvio. Acredito que isso também faça parte do que vou chamar de má cultura da escola, ou seja, a cultura de ter de passar no vestibular como única preocupação. Afinal, os critérios para avaliar a capacidade (e o direito, o que é um absurdo) de alguém obter ensino superior estão baseados apenas no conhecimento decoreba de todas as matérias. Assim, de imediato é considerado o mais inteligente o que se enquadra nisso.
Se quiser se aprofundar mais neste tema, dê uma lida nesta coluna. Vou para o próximo tópico, que tem tudo a ver com este que acabei de explicar e é praticamente uma extensão deste.
3 – O CARA QUE VAI SE SAIR MELHOR NO MERCADO DE TRABALHO É O QUE TIRA NOTAS MELHORES
Nos meus tempos áureos de escola, um professor costumava falar para os alunos mais nerds da sala que não precisavam se preocupar com os bullies bagunceiros e desrespeitosos porque, no futuro, os mais inteligentes iriam ser chefes desses caras. E confesso que, ao escrever isso, dei uma gargalhada.
Vamos falar abertamente: isso que o meu professor falou funcionaria se vivêssemos em um mundo justo. O mundo em que vivemos funciona através de panelinhas, contatos, indicações. É assim desde a esfera política até o mercado de trabalho. Se um dos moleques bagunceiros se tornar um profissional incompetente, mas for filho de um sujeito bem afortunado, ele vai virar chefe de gente que trabalhou duro e se esforçou muito mais para chegar até aquele cargo.
Não estou querendo dizer que a escola deve ensinar isso aos alunos, mas ela tem que parar de colocar que saber matérias é a coisa mais importante do mundo. Sim, é importante, mas ter autoconfiança, saber se comunicar e ter jogo de cintura para lidar com situações desconfortáveis também é importante e vai ajudar muito mais em uma entrevista de emprego, por exemplo. Pela minha experiência, essas características são mais dominantes no pessoal do fundão do que nos nerds e estudiosos da frente, então a escola faria um bem enorme se ensinasse a importância de tudo isso a todos. Não é importante apenas ter conhecimento, afinal.
Outra coisa muito importante que é deixada de lado nessa discussão é que ninguém precisa saber todas as matérias, porque algumas serão totalmente dispensáveis de acordo com a profissão que você escolher (ou escolheu). No meu caso, já que sou formado em jornalismo, não uso qualquer conhecimento de biologia, física, química e praticamente nada de matemática desde o ensino médio. Uma amiga já me disse que é bom ter uma noção geral de todos os conhecimentos, e eu concordo plenamente, mas mesmo que você tenha esse domínio, não vai usar tudo com frequência.
Às vezes penso que esse tipo de pensamento chega até a incentivar o bullying. Convenhamos, os caras que são pragas na escola, colam e tiram sarro dos outros são quase sempre menosprezados pelos professores, levam broncas e dificilmente são reconhecidos pelo que fazem de bom. Se a escola ensinasse a valorizar todos por serem pessoas diferentes e serem bons em coisas diferentes, talvez o abismo entre os alunos fosse menor. Esta é uma lição, por exemplo, que está no primeiro livro de As Crônicas de Gelo e Fogo, com o personagem Jon, ou ainda no conto de Guimarães Rosa, A hora e vez de Augusto Matraga. A primeira referência é para agradar a todos os nerds, enquanto a segunda é para agradar aos professores. ,D
Chega deste tópico. Estamos chegando ao final do texto, então vamos apimentar a discussão um pouco.
2 – TUDO FICARÁ BEM SE VOCÊ FIZER O TESTE VOCACIONAL
Enquanto a escola está preocupada em fazer você decorar toneladas de matérias, aplicar provas e simulados, ela desvia a sua atenção de algo muito mais importante: a de escolher a profissão que você provavelmente exercerá pelo resto da vida.
Não há uma grande preocupação nas escolas em orientar os alunos e dedicar tempo para que eles possam fazer a melhor escolha porque, novamente, a única preocupação delas é de que os alunos passem em vestibulares de universidades federais. Quando estava no Ensino Médio, a única coisa que ofereceram à minha sala foi uma psicóloga, em um único dia, que ouviu cada aluno que se interessou durante 15 minutos e depois indicava o que ele deveria fazer pelo resto da vida. Que maneira correta de se importar com o futuro dos jovens que você está educando, não?
Nesta maré de azar que é chamada de Ensino Médio, alguns se dão bem ao escolher a profissão certa, outros fazem escolhas erradas e caem fora no primeiro semestre de faculdade e os que sobraram fazem Administração.
Não adianta, a escola não deve mudar muito nisso, então é bom dedicar um considerável tempo pesquisando e estudando qual será a melhor opção para o futuro, para não se dar mal e ter jogado todas aquelas horas de estudo no lixo, já que você provavelmente vai precisar prestar outro vestibular se fizer a escolha errada.
1 – VOCÊ PRECISA SER O MELHOR NO QUE FAZ
E chegamos ao último ponto do texto. Este talvez seja o ponto mais polêmico do texto e, claro, assim como todos os outros, está aberto à discussão (e essa é a proposta desta e de todas as matérias reflexivas do DELFOS).
Basicamente, é ensinado aos alunos que eles precisam ser os melhores no que fazem e, apesar de isso ser um duro, mas necessário aviso de que o caminho a ser percorrido será muito difícil, esse conceito traz muitos problemas e pode prejudicar muito uma pessoa se ela não parar para pensar um pouco a respeito disso.
Vamos começar com o problema mais lógico e que afeta diretamente o que parece ser o único objetivo para as pessoas pregarem isso: incentivar os alunos a conquistarem uma boa posição no mercado de trabalho. O problema é que, se o cara conseguir ser o melhor no que faz, ele pode ter dificuldades para ser contratado porque os futuros chefes podem ter medo de ele ser um possível competidor pela vaga que eles têm. E, sim, isso acontece bastante.
Uma vez, perguntei a uma ex-chefe por que ela tinha me contratado e como ela analisava os currículos que lhe eram enviados. A resposta foi um pouco diferente do que eu esperava: ela prestava muita atenção na idade de quem enviava o currículo, e preferia pessoas mais jovens porque sabia que elas não se importariam tanto com os salários baixos da empresa e, além disso, ela temia que uma pessoa mais velha não conseguisse se adaptar à turma mais jovial do departamento dela.
Mas ok, esse motivo não é o suficiente para derrubar a tese do “você precisa ser o melhor no que faz”. O que mais pega, em minha opinião, é tudo o que vem desse ensinamento. Quem quiser ser o melhor, seguindo a lógica do mercado, vai precisar sofrer muito e querer demais em troca disso. Você já notou que hoje em dia todo mundo quer ser chefe? Ninguém fica satisfeito com uma posição inferior, ou em passar um tempo nessa posição, porque fica com a enorme esperança de subir de cargo. É exigido tanto de todos nós hoje em dia que não temos mais saco para crescer em uma empresa durante 20 anos, ou ganhar um salário menor no primeiro emprego. Tornamo-nos insaciáveis.
Para mim, o ideal é procurar um equilíbrio. Trabalhar é ótimo e é essencial para todo mundo, mas as pessoas precisam ter mais calma e pés no chão, e diria que menos ambições também. Felicidade, satisfação e sentimento de realização podem vir com coisas muito mais simples.
Finalizando, eu trocaria uma frase impactante como “você precisa ser o melhor no que faz” por boas discussões em sala de aula sobre quais opções podemos fazer, o que nos deixa felizes, o que cada um pode fazer de bom e como trabalhar pode ser prazeroso. Enfim, seria bom se tivéssemos mais discussões sobre isso em sala e tomarmos cuidado para que uma frase como essa não crie mais pessoas que só pensam em ganhar e ter.