Sekiro: Shadows Die Twice é o novo jogo da From Software, desenvolvedora de jogos clássicos e altamente influentes como a série Dark Souls. Na verdade, influentes até demais, já que hoje em dia soulslike é basicamente um gênero e quase toda desenvolvedora mais indie se limita a repetir as fórmulas criadas pela From. É o momento de tentar algo diferente, e mostrar que a desenvolvedora era muito mais do que um pônei de um truque só. Esta é nossa análise Sekiro: Shadows Die Twice.
ANÁLISE SEKIRO: SHADOWS DIE TWICE
Os jogos da From Software são fantásticos e deveriam ser lembrados por muito mais do que a dificuldade. Infelizmente, a barreira para entrada é tão absurda que isso acaba afastando a maioria dos jogadores com mais de 20 anos, que dividem seu tempo de videogame com trabalho, estudos e família. Esta incursão em uma nova propriedade intelectual me parecia um bom momento para a From abrir mão da sua trueza de macho tóxico de 15 anos e fazer um jogo mais acessível, levando seus predicados a muito mais gente. Não é o caso, mas de fato houve uma preocupação com acessibilidade.
Sekiro: Shadows Die Twice é o jogo mais difícil da From Software que eu já joguei, tendo batido Scholar of the First Sin, que até agora ocupava este posto. Mas é também o mais acessível. Sua história é contada de forma mais tradicional. Seus personagens têm motivações claras. Os tutoriais são úteis e compreensivos e há até um NPC que serve para você treinar os fundamentos do combate. Veja só, depois de décadas fazendo games, a From até descobriu que é possível pausar.
Tudo é apresentado com calma e cuidado, dando ao jogador as ferramentas para vencer em uma fase introdutória bem tranquila. Depois disso, meu amigo, é cada um por si. E a From Software te odeia! Mas antes vamos falar um pouco do que deixa Sekiro tão legal.
MUITO MAIS DO QUE UM SOULSBORNE
Sekiro vai muito além de simplesmente ser um Dark Souls no Japão. Verdade, seu funcionamento é familiar. Há itens de cura com free refill (estus) e ídolos que servem de checkpoints (fogueiras), que curam o jogador em troca de ressuscitar os inimigos previamente vencidos. Mas isso são mecânicas passivas. Na parte ativa, Sekiro não poderia ser mais diferente de um Soulsborne.
A começar pelo ataque. Nada de barra de stamina, algo que foi copiado por milhões e milhões de desenvolvedoras sem criatividade. Mas há uma outra barra ainda mais importante além da de vida: postura.
Cada ataque levado, por você ou pelos outros personagens, aumenta a barra de postura. Não interessa se for defendido ou defletido, ou mesmo se tomou o golpe nas fuças. Recebeu um ataque, a barra sobe. Caso ela seja preenchida, o personagem fica vulnerável. Isso permite que você aplique o que o jogo chama de deathblow. É basicamente um fatality, que elimina totalmente uma barra de vida do inimigo, não interessa quão cheia ela esteja.
Felizmente, o mesmo não ocorre no seu caso. Se sua postura ficar cheia, você fica imóvel por alguns segundos, mas não necessariamente sujeito a um deathblow. Verdade, você vai tomar umas porradas, mas tem chances de viver, ainda que a maioria dos inimigos seja capaz de matar o jogador com três ou menos golpes.
Você também pode aplicar deathblows em inimigos que ainda não te viram. Isso ajuda bastante com os lacaios do dia a dia, mas quase todos os chefes têm duas barras de vida (alguns casos raros têm três). Então mesmo que você pegue um deles no stealth, ainda vai ter que acabar com a outra vida em um duelo até a morte. Se isso já parece complicado, é porque você não viu as cenas de ação.
COMBATE SENSACIONAL
O combate em Sekiro: Shadows Die Twice é um espetáculo visual, algo digno de um filme de samurais. As lutas são rápidas, intensas e agressivas, com faíscas que saem voando sempre que aço encontra aço. É realmente impressionante de se ver. Elas também exigem uma habilidade incomum.
A maioria das lutas em Sekiro não serão vencidas por acabar com a vida do inimigo, mas por quebrar sua postura. As coisas andam mais ou menos juntas. Quanto menos vida alguém tem, mais rápido sua postura enche, e mais devagar ela se recupera. Um pintudão com vida cheia tem uma postura quase inquebrável, mas machuque-o bastante e ele logo vai implorar em vão por perdão.
Isso significa que você precisa estar sempre fazendo algo que encha a postura inimiga, pois se você recua para recuperar a sua, o inimigo também vai se recuperar. Isso é o que torna o combate tão rápido e emocionante. Recuar tem um preço alto, o que é totalmente o oposto do que estávamos acostumados nos Soulsborne.
Você quebra a postura inimiga com ataques, é claro, mesmo que eles sejam defendidos. Mas o mais importante é defletir os ataques feitos na sua direção. Para isso, é necessário apertar o LB no timing correto, imediatamente antes de tomar dano. Esta é a fórmula para o sucesso.
Mas a coisa não é tão simples assim. Nem todo ataque pode ser defletido com o LB. Alguns golpes mais fortes exigem defesas específicas. Contra uma estocada, por exemplo, é necessário apertar o B. Contra um ataque lateral, você precisa pular e chutar o caboclo na cabeça (A, e depois A novamente). Estes ataques mais poderosos são avisados por um símbolo vermelho em kanji, mas o símbolo é o mesmo para estocadas e laterais, então cabe a você julgar a animação do NPC e reagir de acordo.
Obviamente, cada um das dúzias de inimigos tem seus próprios ataques, animações e timings específicos. Ou seja, aprender a reagir a cada movimento é como aprender um instrumento musical. Um instrumento musical DIFERENTE para cada inimigo. E aí começam os problemas. Sekiro exige uma habilidade absurda, e não traz as opções que os Soulsborne trazem para desencalhar os jogadores.
MALDITO GENICHIRO!
Um exemplo é o Genichiro, com quem você tem um duelo inescapável algumas horas depois de começar. Eu cheguei lá e tentei vencê-lo. Eu morria sem conseguir tirar um terço da sua primeira vida. E ele tinha três vidas. Imaginei que seria aí que o jogo me venceria. Felizmente, eu tinha vários outros caminhos para seguir, e vários outros chefes para enfrentar. Fui fazer isso. Voltei ao Genichiro muitas horas depois, quando literalmente não tinha outros caminhos para explorar. Eventualmente, venci, mas o fiz única e exclusivamente por pintudice própria.
Em um Dark Souls, você sempre pode invocar outros jogadores, e ter dois outros caboclos dividindo a atenção do chefe faz uma diferença absurda. É quase um modo easy, um que eu usava frequentemente, sempre que um desafio parecia alto demais para mim.
Aqui não há esta opção. Além disso, como Sekiro não é um RPG, não tem equipamentos para tentar outros builds, e não dá para fazer grinding para upar sua vida ou seu ataque. Sim, há upgrades de vida e ataque, mas eles não vêm por XP, mas por colecionáveis ou por vencer chefes específicos. Então sempre tem um nível máximo para estas estatísticas em cada ponto do jogo. E assim chegamos ao principal ponto desta resenha.
A FROM SOFTWARE TE ODEIA
A From Software é como um homem machista heterossexual. Tipo, um machista hetero ainda deseja a companhia de mulheres, mas as despreza e trata mal, não com o carinho que elas merecem. É exatamente assim que a From Software trata seus jogadores, de quem depende para sobreviver como empresa.
Há passos largos rumo à acessibilidade. Por exemplo, ao morrer, você não perde mais toda sua XP. Agora você perde metade da XP e metade do dinheiro. Quando fatura XP suficiente para ganhar um skill point, não tem mais risco de perder o skill point. Então é menos mal. Menos agressivo. Mas menos agressivo ainda é agressivo. E por que precisa ser agressivo? O que diabos perder XP e dinheiro acrescenta à experiência de jogar? Outro exemplo são os headless, uma classe de vários chefes opcionais com recompensas saborosas para quem os vencer.
O headless é uma aparição, o que significa que para seus golpes conectarem com ele, você precisa usar um item específico e bastante limitado. Ele também é rodeado por uma névoa que limita sua movimentação. Você fica totalmente impedido de desviar e anda em velocidade de tartaruga. Isso te obriga a defender e defletir os golpes.
Para completar, todos os golpes de um headless sobem uma barra de terror, mesmo os defletidos. Se esta barra encher, você morre imediatamente, independente da sua vida ou da sua postura. Para descer a barra de terror, você precisa se afastar do headless (o que é bem difícil dada sua limitação de movimentação e o fato de que ele se teleporta) e usar um item também bastante limitado.
Ah, sim, e caso você nunca tenha jogado um jogo da From Software, usar um item é uma decisão permanente. Então se você começar a luta com cinco divine confettis no inventário (este é o item que precisa ser consumido para atacar o headless), usar dois na batalha e morrer, só vai ter três na próxima tentativa. Três tentativas depois, estará sem item e sem chance de ganhar. Boa sorte encontrando mais.
Agora me diga, toda esta combinação de fatores parece criar uma batalha divertida? Menos até, parece justo? Ou parece simplesmente uma manifestação do ódio que a From Software tem por jogadores de videogame?
EXCESSO DE CHEFES
Em todos os jogos da From, eu gosto mesmo é de explorar seus mundos milimetricamente criados. Sekiro sem dúvida tem muito disso, porém, há um excesso de chefes por aqui. Verdade, muitos são opcionais e dá simplesmente para passar correndo. Porém, assim como o Genichiro, vários deles são paredes que interrompem seu progresso totalmente. Em alguns checkpoints há quatro caminhos diferentes, por exemplo, e todos levam a chefes. Aliás, quase todos os checkpoints de Sekiro terminam em um ou mais chefes, e muito raramente os ídolos ficam imediatamente antes da batalha.
Também não ajuda o fato de o último terço do jogo te obrigar a passar novamente pelos mesmos cenários e lutar contra vários chefes de novo. Na segunda vez que perdi acesso aos checkpoints do castelo e tive que destravá-los de novo, já estava ficando literalmente de saco cheio e me sentindo perdendo tempo.
Há dois chefes que seguem outra linha e que merecem ser destacados, sem spoilers: o dragão e os macacos. Estes são chefes que não são focados na destreza de seus dedos, mas, assim como em Shadow of the Colossus, na descoberta do que fazer. E funcionam que é uma maravilha. É uma pena que não haja mais deste tipo.
RELACIONAMENTO ABUSIVO
Porém, como uma mulher que continua com um cara babaca, a gente continua gostando da From Software. Algumas pessoas até gostam desses abusos. Chame de Síndrome de Estocolmo, se desejar. Outros, como eu e pessoas que se encontram em relacionamentos abusivos, ficam torcendo para ela mudar.
Afinal, como disse duas mil palavras atrás (sim, eu contei), os jogos da From Software são excelentes. O combate de Sekiro é um dos melhores e mais criativos desde Devil May Cry. Mais importante do que isso: nenhuma outra desenvolvedora manda tão bem na exploração. Assim como os Soulsborne, explorar o mundo de Sekiro é um prazer imensurável.
Aliás, ele tem uma característica que o diferencia consideravelmente dos Soulsborne. Enquanto estes trazem mundos desoladores, que causam um desespero no jogador, Sekiro traz cenários idílicos e coloridos. Tecnicamente, não é o jogo mais impressionante desta geração, mas é sem dúvida um dos artisticamente mais bonitos. Veja esta sequência de imagens, por exemplo.
Meus sentimentos em relação a Sekiro ficaram bem divididos. Um dia antes de escrever esta resenha, um amigo me perguntou que nota eu daria para ele. “Entre 3 e 3,5”, respondi. Mas daí, depois de muito bater minha cabeça e depois de 50 horas de jogo, cheguei ao chefe final.
Há um checkpoint imediatamente antes da batalha. Mas antes de você encarar o chefe final, precisa matar um penúltimo chefe. E sempre que o chefão te matar, você precisa vencer o primeiro de novo. Para completar, o final boss tem três vidas, e minhas habilidades não me permitem tirar nem metade da primeira.
Uma batalha final não deve ser um desafio definitivo, mas um clímax épico. Ficar travado no chefão final depois de 50 horas de jogo não é épico. É brochante. Especialmente por causa de um checkpoint mal colocado, que espera que você tire quatro vidas em uma única tentativa. Assim, me vi obrigado a diminuir a nota ainda mais.
Sekiro podia ser jogo para Selo Delfiano Supremo. Ele certamente tem todas as características que o elevariam a tal pedestal. Se ele pelo menos não me odiasse tanto, e tivesse mais respeito pelo meu tempo…