Eu gosto muito de Oddworld. Quer dizer, pelo menos dos dois jogos originais, estrelados pelo simpático mudokon Abe. Eu sei muito bem que são jogos de nicho, que não agradam a todos. E mesmo para mim, tem muita coisa que me incomoda. Mas são games que eu valorizo pela criatividade, e por quão únicos eles são. Introdução feita, bora para nossa análise Oddworld Soulstorm.

ANÁLISE ODDWORLD SOULSTORM: REINTERPRETAÇÃO, NÃO REMAKE

Oddworld: Soulstorm é a continuação de Oddworld: New ‘N’ Tasty. Este, por sua vez, é um remake de Abe’s Oddysee, de 1997. Soulstorm, no entanto, não é um remake de Abe’s Exoddus que, em 1998, continuou Oddysee. Ele pega características da história e, claro, de gamedesign, mas traz novas fases, puzzles e habilidades. Assim como A Pantera Cor-de-Rosa 2 com Steve Martin, é uma continuação do remake, mas é inédito.

Oddworld: New ‘n’ Tasty

Outra comparação que pode ser feita é com DMC, o Devil May Cry da Ninja Theory. Se você jogou o Devil May Cry original, e o DMC, sabe que a história tem muitas semelhanças, mas o DMC não é um remake, mas uma reinterpretação. É por aí.

FOLLOW ME TO FREEDOM

Os Oddworld originais já eram incrivelmente lindos, à frente de seu tempo visualmente. New ‘N’ Tasty então, beirou à perfeição. Soulstorm é ainda mais impressionante. Ele traz, sem sombra de dúvidas, o melhor uso da estética 2.5D que eu já vi. E a desenvolvedora sabe disso, pois na carta enviada para os jornalistas junto com a cópia de review, eles se referem à estética como 2.9D.

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Tem vários planos o tempo todo, com muita coisa acontecendo.

De fato, em muitos momentos, Oddworld: Soulstorm tem visual de um jogo totalmente 3D. A câmera se afasta e se aproxima, há vários planos com várias coisas acontecendo o tempo todo. Sem exagerar, dá para comparar o visual e os truques de câmera de Soulstorm com o primeiro God of War. É inegável que ele está anos luz à frente de outros jogos 2.5D. Beira a injustiça colocar Soulstorm, visualmente, na mesma categoria de New Super Mario Bros, por exemplo. Trata-se de um jogo em 2D, mas com um orçamento considerável, tornando-se assim, um blockbuster 2D como dificilmente vemos.

ANÁLISE ODDWORLD SOULSTORM: GAMEPLAY

gameplay também evoluiu bastante. Oddworld sempre teve controles, com perdão da referência totalmente intencional, “estranhos”. Aqui a coisa foi, por um lado, simplificada. É mais fácil pular (tem até pulo duplo), escalar, cantar e até possuir o inimigo exato que você deseja, não apenas o mais próximo. Por outro, essas simplificações se fazem necessárias, pois Abe é agora muito mais capaz do que jamais foi.

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“Vai fazer bum! Hehe!”

Ele pode usar ferramentas, bombinhas e até lança-chamas. O jogo ainda é um puzzle plataforma, então não espere sair por aí queimando sligs e slogs a torto e a direito. Mesmo o lança-chamas, o mais próximo que Abe já usou de uma arma direta, é limitado a pontos específicos da história. Na verdade, é tudo pensado para que você use as ferramentas corretas para cada desafio. Às vezes você precisa colocar minas no caminho dos meliantes. Às vezes precisa atear fogo e, às vezes, apagar o fogo. Cabe usar os miolos para solucionar cada puzzle e prosseguir rumo à liberdade.

ANÁLISE ODDWORLD: SOULSTORM – HELLO! FOLLOW ME!

E, claro, há também as mecânicas mais clássicas de Oddworld: conversar com os mudokons escravizados para libertá-los de seus grilhões. Este foi um aspecto bastante simplificado, e isso é ótimo. Não existe mais uma dezena de opções de diálogos. Colocar para cima no direcional digital ordena os coleguinhas a te seguirem. Para baixo, manda eles esperarem. Se quiser falar com uma galera, segure o direcional. Para falar com um só, apenas aperte e solte. É tão intuitivo que voltar para New ‘N’ Tasty depois de jogar Soulstorm o faz parecer incrivelmente complicado. Caramba, dava até para fazer o Abe soltar puns antes. Pra quê?

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Salvando a galera.

E aqui talvez minha memória me traia, mas se os controles foram simplificados, os puzzles em si estão muito mais longos e elaborados. Na minha memória (e, de novo, talvez não fosse assim antes), os puzzles de resgate eram autocontidos. Você encontrava os escravos e os levava a um portal de escape que estava na mesma tela, ou bem próximo. Aqui eles são muito estendidos, a ponto de que, em alguns pontos, você vai o caminho todo acumulando seguidores, e só no final da fase encontra um portal, salvando todos os sobreviventes de uma única vez.

E isso, sinceramente, deixa o jogo um tanto chatinho. Afinal, o que eram puzzles de salvamento agora viraram enormes missões de escolta. Isso fica ainda mais frustrante pelos bugs que fazem os seguidores travarem no cenário, se recusarem a te seguir ou, em um caso específico, morrerem espontaneamente.

LIBERDADE OU MORTE!

Uma novidade em Soulstorm são cenas em que você precisa proteger, literalmente, centenas de mudokons ao mesmo tempo. Funciona assim: você puxa uma alavanca que os liberta, e eles começam a fugir, escalando o cenário. Ao mesmo tempo, um monte de guardas aparece e começa a metralhar os pobres coitados. Você deve usar todas as ferramentas à sua disposição para distrair, prender ou matar os guardas, ao mesmo tempo que protege sua própria vida e a de seus seguidores diretos.

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Essa é uma dessas cenas. Repare nas centenas de mudokons na escada.

Eu até achei legal na primeira vez que encontrei uma dessas cenas. O problema é que elas nunca param por aí. É comum virem em uma sequência com várias telas até os mudokons de fato estarem salvos. Um caso específico, a fase chamada “Escape” (a da imagem acima), que vem próxima ao final do jogo, envolve 10 (DEZ!) cenas seguidas. Ou seja, você fica mais de uma hora fazendo a mesma coisa, no mesmo cenário. Enche muito o saco!

OITENTA POR CENTO

Oddworld: Soulstorm tem também uma exigência pentelha. Para você ver o jogo inteiro, precisa salvar 80% dos mudokons em 12 das 15 primeiras fases. Isso libera não só um final mais feliz, mas também duas fases inéditas. É praticamente 10% do jogo que fica escondido e que quase ninguém vai ver, porque é muito difícil salvar 80% dos escravos sem usar guias.

Há, por exemplo, algumas fases que têm apenas um ou dois mudokons. Ou seja, os 80% viram 100%, pois não dá para salvar um mudokon e meio. Nessa fase em questão, aliás, eu sequer vi os escravos. Ou seja, eles estão em uma área secreta opcional, que eu não encontrei. Em um desses casos, há uma porta que se tranca se você demorar mais de cinco minutos para encontrá-la desde o início da fase. Fala sério!

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Taí, essa é uma armadilha grande.

A maioria das fases tem uns 40 mudokons, tornando mais viável encontrar e salvar 80%, ainda que seja chatinho ter que escoltá-los pelo caminho inteiro. E daí tem as arenas com centenas de mudokons, que são ainda mais difíceis. Pode parecer fácil salvar 80% de 400, mas o fato é que se você demorar dois ou três segundos para alcançar um guarda, ele vai fazer dez ou mais vítimas. Eles são simplesmente implacáveis.

Na minha campanha, fazendo um esforço enorme para salvar todo mundo, eu consegui ficar acima dos 80% em 10 das 15 primeiras fases. Duas a menos do que o suficiente para ver o jogo inteiro, e fiquei bem frustrado com isso. Lembrou-me de uma modinha dos 8 e 16 bit, em que o modo easy não trazia o jogo inteiro. Pior que Oddworld Soulstorm, mesmo no easy, é extremamente difícil. Ainda mais se você decidir que quer jogar as duas fases secretas. Nesse caso, use guias e boa sorte!

ODDWORLD SOULSTORM ME DEIXOU DIVIDIDO

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Corre, galera!

Oddworld Soulstorm, assim como os Oddworlds anteriores, é um caso bem curioso. Ele tem altos muito altos, e baixos muito baixos. Quando eu estava explorando sozinho um cenário enorme e impressionante, passava pela minha cabeça a ideia de presenteá-lo com um cobiçado Selo Delfiano Supremo. E daí vinha uma missão de escolta que parecia impossível, na qual eu ficava um tempão travado, para no final desistir de salvar os 80%, e eu tinha vontade de parar de jogar. Ah, e tem também um chefe, chamado Slig Mama. Pelo papagaio de Satanás, delfonauta! Eu não aguentava mais o jogo quando finalmente venci o chefe.

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A batalha contra Slig Mama é tão ruim, mas tão ruim, que é de se espantar que tenha sido incluída no jogo.

Na batalha em questão, você precisa se aproximar do chefe e jogar um líquido inflamável para estender o fogo até seus pés. O problema é que ele ataca ininterruptamente, com uma excelente mira. E Abe, como sempre, morre rapidinho, em geral com um único tiro. Essa cena é, por si só, um excelente argumento para quem acha que os jogos deveriam trazer opção de “pular” os chefes.

ANÁLISE ODDWORLD SOULSTORM: MAIS DO VISUAL

Já deixei isso claro, mas eu quero enfatizar ainda mais quão bonito é Oddworld Soulstorm. O jogo é lindão, mas mais impressionante ainda são suas cutscenes, que literalmente parecem um filme em CGI criado para o cinema.

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Convenhamos, não dá para ficar mais perfeito do que isso.

Infelizmente, o jogo traz uma grande quantidade de bugs, mesmo fora do gameplay. Por exemplo, quase todas as cutscenes ficam com um símbolo na parte de baixo da tela, avisando que estão “salvando checkpoint“. Embora isso não afete a história, e seja um bug pequeno, afeta o apelo estético enorme dessas cutscenes. Afinal, é quase uma marca d’água que fica na tela o tempo todo.

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Tipo assim.

Curiosamente, quando você passa por um checkpoint durante o gameplay, esse símbolo aparece por coisa de dois segundos. Suficiente para você ver que salvou, sem atrapalhar ou ser intrusivo. Isso deixa claro que ele ficar preso na tela por vários minutos durante a cutscene é realmente um bug.

ANÁLISE ODDWORLD SOULSTORM – A RECOMENDAÇÃO DELFIANA

E aí chegamos à cobiçada conclusão delfiana. Oddworld: Soulstorm faz muitas coisas muito bem, mas também faz muitas muito mal. É um jogo que vale ser jogado? Sim, é. Ele é diferente de todo o resto que existe no mercado, é visualmente espetacular e traz os melhores e mais acessíveis controles de toda a série.

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Lindão!

Dito isso, não é um jogo que vai ser agradável o tempo todo. Ele traz momentos realmente frustrantes, ou simplesmente pentelhos, que vão fatalmente fazer muitas pessoas desistirem da campanha antes de chegar ao fim. Eu diria que Oddworld: Soulstorm terminou, para mim, com um saldo positivo, mas sua experiência pode variar. Como disse no início do texto, ele realmente não é um jogo para todo mundo. E tudo bem.

Oddworld: Soulstorm (versão PS5) está disponível “de graça” em abril para assinantes da Playstation Plus.

REVER GERAL
Nota:
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Carlos Eduardo Corrales
Editor-chefe. Fundou o DELFOS em 2004 e habita mais frequentemente as seções de cinema, games e música. Trabalha com a palavra escrita e com fotografia. É o autor dos livros infantis "Pimpa e o Homem do Sono" e "O Shorts Que Queria Ser Chapéu", ambos disponíveis nas livrarias. Já teve seus artigos publicados em veículos como o Kotaku Brasil e a Mundo Estranho Games. Formado em jornalismo (PUC-SP) e publicidade (ESPM).
analise-oddworld-soulstorm-reviewDisponível: PS4, PS5 e Windows<br> Analisada: PS5<br> Desenvolvedora: Oddworld Inhabitants, Sabotage Studio, Just Add Water, Frima Studio, Fat Kraken Studios<br> Editora: Oddworld Inhabitants, Microids<br> Lançamento: 6 de abril de 2021<br> Gênero: Puzzle plataforma fofinho anticapitalista<br>