De 2013 a 2019, a franquia Need For Speed ficou sob a tutela da Ghost Games. Neste período, foram lançados quatro jogos. Eu só joguei profundamente, para cobrir, o Payback (2017), mas pelo pouco que joguei dos outros, foi uma época decepcionante para esta que um dia foi minha série de corrida preferida. Hoje é dia da nossa análise Need For Speed Unbound, o retorno da Criterion Games para a franquia.

A Criterion Games é muito conhecida pelo excelentíssimo Burnout, mas eles também criaram o último Need For Speed que eu gostei muito. Most Wanted, de 2012, veio imediatamente antes da Ghost Games assumir a série exclusivamente e afundá-la no buraco.

ANÁLISE NEED FOR SPEED UNBOUND

Meu interesse por Need For Speed nunca diminuiu, embora o excesso de monetização combinado às mecânicas de RPG tenham transformado a série em tudo que há de errado nos games. Eu sempre fazia questão de pelo menos experimentar, mas jogar era sempre um sofrimento. E, sinceramente, parecia que era o tipo de estrago vindo de cima. Tipo, precisava ter monetização, e a Ghost Games fazia o melhor possível diante dessa diretriz.

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Need For Speed Unbound não tem microtransações. O jogo é vendido normalmente, em duas edições, mas uma vez que você o instala, ele não pede mais dinheiro. Porém, as mecânicas de RPG do passado, embora aliviadas, ainda estão aqui, com a diferença de que você não pode mais pagar para progredir. Agora você paga com seu tempo, via grinding, ou simplesmente não avança na campanha.

A ROTINA

Need For Speed Unbound tem um funcionamento que, pelo menos para mim, é inédito entre jogos de corrida. Funciona assim: depois de um excelente prólogo, o jogo segue um calendário de quatro semanas. Cada semana começa no domingo, com os dias divididos em dois períodos. Neste tempo, você deve se preparar para o boss, o grande torneio que acontece no sábado.

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Nota: não é admirando o cenário que você se prepara.

Para participar do torneio do sábado, você precisa ter grana suficiente para pagar a entrada, e ter um carro na categoria solicitada (normalmente uma categoria acima da que você começa a semana). Para ter chance de vencer, no entanto, não basta ter um carro na categoria certa, mas ele precisa ser tunado para estar, literalmente, no nível máximo antes de mudar para a categoria seguinte.

Por exemplo, se a mudança entre A+ e S se dá no nível 170 (fictício, eu não lembro o número exato), você precisa upar seu carro A+ até estar no exato nível 169. Menos que isso você até pode participar, mas simplesmente não tem chance de vencer e avançar, mesmo jogando no easy. É o lado ruim destas mecânicas de RPG que os jogos de corrida teimam em usar. Só que, se a ideia não é pagar para subir de nível, como no Payback, não entendo o motivo para ser assim. Por que não fazer com que todos os carros da categoria tenham desempenho aproximado, para que qualquer um possa vencer?

TRICKONOMICS

Como na vida real, tudo se resume a dinheiro (ganhado através do próprio jogo, não há hard currency aqui até o momento). Toda semana, você precisa acumular o suficiente para comprar um carro da categoria apropriada, usar mais dinheiro para melhorar o carro até o nível máximo, e enfim ter mais um montão de money guardado no banco para poder pagar a entrada.

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Para a última semana, você precisa de um carro S+ nível 400 e 200 mil dinheiros extras guardados no banco.

Cada período de cada dia tem uma grande quantidade de corridas e eventos que dão dinheiro. Para participar da maioria você precisa pagar, e só recupera o valor da entrada se ficar acima de determinada posição (às vezes o primeiro lugar leva tudo). Então em Need For Speed Unbound ganhar dinheiro é tão suado quanto na vida real. Você também pode escolher um dos personagens contra quem vai correr e apostar que vai ganhar dele, o que aumenta ou diminui o faturamento de acordo com sua posição.

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A imagem acima ilustra bem. Eu cheguei em quarto, o que me rendeu 1875 dinheiros. Eu ganhei a aposta contra o Chilton, o que me rendeu 550 extras. Tirando os 1500 que paguei para poder correr, eu saí da corrida com um lucro líquido de 925. Repare que todos os corredores que chegaram do quinto ao oitavo lugar saíram no prejuízo, pois seus cachês foram inferiores ao valor do ingresso. Parece complicado explicando em palavras, mas no jogo é fácil de entender, apesar de trabalhoso. Basicamente, você precisa faturar o máximo possível e subir o carro de nível antes de chegar o sábado. Daí precisa vencer o torneio para poder mudar de semana. E daí vem o aspecto roguelike.

ANÁLISE NEED FOR SPEED UNBOUND ROGUELIKE

Não interessa sua posição em cada evento, você sempre ganha heat. Basicamente, é o interesse que a polícia vai ter em você. Várias corridas (quase todas) terminam com perseguições policiais. E enquanto navega pelo mundo aberto, você precisa brincar de stealth fugindo da polícia para não iniciar uma perseguição.

Se a polícia te pegar, você perde todo o dinheiro que faturou naquele período. E para deixar o dinheiro a salvo, precisa voltar para a garagem. Para entrar na garagem, a polícia não pode estar atrás de você. Então a primeira coisa que você tem que fazer depois de cada corrida é fugir da polícia, ou o dinheiro sequer vai se acostumar a morar no seu bolso.

ANÁLISE NEED FOR SPEED UNBOUND: FORZA HORIZON

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Que tal atropelar uns ursinhos boxeadores? Quem ele pensa que é!?

Durante boa parte da minha campanha, eu queria duas coisas de Need For Speed Unbound: desligar a polícia e ter a função rewind tão comum em outros jogos de corrida contemporâneos, como Forza Horizon. Mas este é Need For Speed, não Forza Horizon. E a polícia faz parte da personalidade da série, embora seja um traço que eu nunca achei especialmente legal, e no máximo tolerei.

Evitar a polícia no mundo aberto também é um joguinho à parte. A polícia não te persegue se você fizer coisas ilegais, como correr, dirigir na contramão ou causar acidentes. O que você não pode fazer é bater em um carro policial ou ficar alguns segundos no campo de visão deles. O minimapa inclusive mostra os coxas, com cone de visão e tudo, como qualquer bom jogo de stealth. Então se você não quiser brincar de fugir, acaba sendo constantemente obrigado a desviar das ruas que estão patrulhadas para chegar ao seu objetivo, seja uma nova corrida ou simplesmente estacionar na garagem.

DIFICULDADE EXTREMA

A questão é que é tudo muito difícil. Mesmo jogando no easy, e tendo um carro no nível máximo da categoria, a vitória está longe de ser garantida. Tradicionalmente, em jogos de corrida, jogar no fácil permite que você fique em primeiro sem nenhum esforço. Aqui eu sinceramente não vejo sequer a possibilidade de subir a dificuldade, pois dificilmente conseguia chegar acima de quarto na maior parte da campanha. O jogo até avisa: “se você está ganhando dinheiro, está vencendo, não se preocupe em chegar em primeiro”. O complicado é ficar cinco minutos ou mais num evento e sair no prejuízo. Ou pior, ganhar e depois perder tudo para a polícia.

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Isso é especialmente pesado na primeira semana, quando você está na categoria B. Cada evento dificilmente dá mais de 1000 dinheiros, e o carro mais barato da categoria A custa mais de 50k. E usar o carro B, uma batata que demora mais de dez segundos para alcançar 100 km/h, simplesmente não é compatível com um game chamado Need For Speed. Especialmente quando lembramos que a série surgiu com o objetivo de alimentar a fantasia de nos permitir dirigir os carros mais desejados do mundo.

Honda Civic, um carro da categoria B, certamente é um carrão comparado com o Celta que a maioria de nós dirige na vida real. Mas convenhamos, está longe do nível de desejo de uma Ferrari ou McLaren. Felizmente, o jogo melhora muito quando você se livra dessa categoria e chega nos carros A. Mas até lá você vai ter que fazer grinding por muitas horas, em corridas extremamente difíceis e que pagam muito pouco. E mesmo quando o jogo melhora – e ele melhora muito – suas mecânicas de RPG ficam sempre entrando no meio da diversão.

ANÁLISE NEED FOR SPEED UNBOUND E A NECESSIDADE POR VELOCIDADE

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Quem tiver muito saco, uma hora vai dirigir com um carrão a mais de 300 km/h.

A questão é que se você tirasse esse grinding, o game seria fantástico. Se você só precisasse conquistar um carro da categoria certa, e este dinheiro viesse naturalmente jogando, seria demais.

gameplay é ótimo. A sensação de velocidade ao dirigir a mais de 300 km/h é vertiginosa. Os gráficos são lindos e eu gosto muito do seu estilo estético, combinando carros e cenários realistas com personagens em cel-shaded.

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Você pode achar estranho, mas não pode negar que é marcante. E eu acho lindo!

Mais curioso é que toda essa progressão parece ter sido construída para incentivar o pay-to-win, como o Payback. Daí a turma da gravata viu que não pegava mais bem fazer isso e mandou tirar, só que não dava mais tempo para tunar tudo de volta como um jogo normal. Poderiam pelo menos ter mexido na dificuldade para que qualquer carro da categoria certa tivesse chance de ganhar, mesmo que não estivesse upado no 11.

ANÁLISE NEED FOR SPEED UNBOUND (MAIS UMA VEZ, COM SENTIMENTO)

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Lindo demais!

Eu gastei muito tempo deste texto explicando as mecânicas de progresso porque isso é vital para avançar na campanha e, de fato, realizar a fantasia de dirigir um carrão a alta velocidade. Mas apesar das minhas críticas ao excesso de grinding e dificuldade tunada para incentivar você a pagar (mesmo não sendo possível fazer isso), acredito que até agora não passei a sensação real que tive com o jogo.

A verdade é que eu me diverti muito com Need For Speed Unbound. Foi o game de corrida que mais me agradou em anos, e certamente é o melhor Need For Speed desde Most Wanted. O problema é que chegar à categoria A+, que é quando o jogo realmente começa a ficar prazeroso, você precisa “sofrer e fazer por merecer”. E isso, de “merecer se divertir”, é uma tendência muito chata do lazer atual, especialmente games.

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Eu vi isso muitas vezes.

Quando você não tem dinheiro para pagar a entrada do torneio, ou quando o perde, volta para sexta-feira. Daí precisa fazer pelo menos um evento de dia e um de noite para poder tentar o torneio de novo. Na minha segunda semana, eu devo ter repetido a sexta-feira umas cinco vezes.

IT’S FRIDAY, I’M IN LOVE

Eu cheguei na sexta com um carro na categoria certa, mas precisava tuná-lo até o nível máximo. E daí, depois de fazer isso, precisava acumular dinheiro suficiente sem gastar (no caso dessa semana, 50.000) para poder competir. Então eu fiquei repetindo os mesmos dois eventos que mais pagavam na sexta um monte de vezes até o jogo me deixar TENTAR avançar. E mesmo assim, ter um carro de nível apropriado não é garantia de vitória. Chegar em primeiro é muito difícil em Need For Speed Unbound, e você tem limite de tentativas para cada dia, o que também é uma limitação bem chata.

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Eu amo a mistura de realismo e desenho animado em NFS Unbound.

Assim, conseguir vencer o torneio dá aquela sensação comum para os gamers atuais. Não de conquista, mas de alívio. Uma forma de melhorar isso seria deixar todos os eventos da semana disponíveis, não apenas os de sexta. Assim diminuiria a sensação de que você está fazendo a mesma coisa um monte de vezes. Outra forma de melhorar seria, depois de chegar na sexta, poder escolher os eventos em um menu, sem precisar dirigir da garagem até eles e até garagem de volta. Afinal, se repetir a mesma corrida enche o saco, ainda mais agravante é ter que dirigir até ela, fugir da polícia e voltar para a garagem.

SATURDAY NIGHT’S ALRIGHT FOR DRIVIN’

Dado seu penchante pelo punitivo, é até curioso quão fácil o jogo fica na semana final. O torneio que encerra o jogo é absurdamente tranquilo perto de tudo que veio antes, além de que nessa semana você ganha dinheiro a rodo, a ponto de estar pronto para o sábado na terça.

Mas aí que está, apesar de ter muitas críticas e elas serem válidas, não quero que você saia daqui com a ideia de que eu não recomendo Need For Speed Unbound. Digamos que eu o recomendo com ressalvas. Ele certamente não é um jogaço absoluto, como Dirt 5. Não é sequer um Gran Turismo 7. Mas é um Need For Speed, com o DNA da série e da Criterion, que tanto gostamos. E é consideravelmente superior a games como Payback. Vamos torcer para que o próximo já seja desenvolvido desde o início sem ter o pay to win em mente, pois a franquia tem potencial para voltar a ser grande.