Antes da minha análise Metroid Dread, vou fazer uma confissão. Embora eu já tenha jogado e escrito sobre dúzias, talvez centenas, de metroidvanias, eu só fui de fato jogar os batizadores de gênero Metroid e Castlevania: Symphony of the Night depois de velho. Na verdade, alguns anos atrás. Eu até escrevi na época como foi minha experiência com Super Metroid no Super NES Classic. E jogar esses jogos no século XXI, ciente de toda a influência deles no mundo dos games, é como ouvir Jimi Hendrix depois de anos ouvindo rock (o que eu fiz também). É conhecer as origens de fórmulas, clichês e qualidades que você sempre viu como parte daquilo que ama, mas não sabia exatamente de onde vinham.
O último Metroid 2D inédito foi Metroid Fusion, lançado em 2002, quase 20 anos atrás. Metroid Dread é uma continuação direta dele, e tem o objetivo de fechar a história iniciada em Metroid (1986) do Nintendinho. Quase 40 anos para contar uma história. Será que valeu? Olha, eu não acompanhei a história de Metroid conforme ela acontecia. Os únicos jogos da série que joguei até o fim foram Super Metroid e Metroid Zero Mission. Mas em matéria de qualidade, não vou enrolar: Metroid Dread é realmente impressionante!
ANÁLISE METROID DREAD
Apesar de eu ter falado acima que essa história demorou 40 anos para ser contada, a verdade é que Metroid não é uma franquia especialmente narrativa. Dá para jogar Dread mesmo que você nunca tenha experimentado a série antes, graças a uma longa e detalhada introdução.
A heroína “bunda-ruim” Samus é enviada a um planeta para uma missão perigosa. Lá, encontra, pela primeira vez na franquia, os Chozo, as criaturas que construíram as estátuas que davam upgrades e que já foram até satirizadas em jogos como Guacamelee.
Apesar da longa introdução, e de várias cutscenes próximas ao início do jogo, quando Metroid Dread começa, a narrativa sai da frente para que você aproveite o gameplay. E que gameplay, meu amigo. É muito difícil um jogo 2D me impressionar hoje em dia, mas Metroid Dread conseguiu essa façanha. Os gráficos são lindos. Tudo transborda mistério e atmosfera. A jogabilidade e animações são excelentes. Mas, especialmente, o level design é coisa de mestre!
ANÁLISE METROID DREAD E O LEVEL DESIGN
Ao longo da campanha, você passa pelas mesmas regiões várias vezes, indo e voltando. Mesmo assim, a variação é enorme. Não tanto de cenários, mas o gameplay parece ser sempre diferente. É incrível a quantidade de upgrades e chefes que existem aqui. Fiquei com a sensação de que não passava mais de 10 minutos sem rolar algo que exigia ou possibilitava jogar de uma forma diferente. E uma coisa que eu já tinha sentido em Super Metroid é que a turbinada nas habilidades da Samus é enorme. A Samus do final do jogo é extremamente diferente da que iniciou a aventura. E não deve ser fácil mudar tanto o protagonista e mesmo assim manter uma identidade forte, o que Metroid Dread tem o tempo todo.
Há habilidades novas, como o contra-ataque, que já está com você desde o início (e que, claro, já estava em Samus Returns). Há também novos upgrades e até uma interessante subversão de expectativas, como o quanto demora para destravar a bolinha, que tradicionalmente vem logo no começo dos Metroids.
EXCESSO DE HABILIDADES
Eu falei que os controles são ótimos e são. Na maior parte do tempo. Porém, a quantidade de habilidades é tão absurda que é inevitável que a coisa fique um pouco confusa. Em especial, depois de alguns upgrades, os botões dos ombros do controle são usados para alterar suas habilidades. Segurar o R1 e apertar Y toma uma ação diferente de segurar o R2 e apertar Y, por exemplo. Segurar esses botões enquanto você está em formato de bolinha, gera ainda outras habilidades.
Sei lá, talvez jogadores mais habilidosos que eu não se confundam. Mas para mim era comum eu segurar um botão esperando uma ação e acontecer outra. Erro meu, claro, e não sei se haveria outra saída em um jogo com tantas habilidades diferentes e um controle com botões limitados, mas não é legal morrer porque você apertou o botão errado.
ANÁLISE METROID DREAD E OS VÍCIOS ANTIGOS
Um problema que eu já tinha em Super Metroid e que é repetido aqui é que o pulo duplo (e triplo, e quádruplo, etc) exige um timing bem preciso. Para funcionar, você precisa segurar o botão até atingir o apogeu, e então soltar e apertar de novo. Não é difícil quando você está concentrado nisso, mas quando você precisa dar um pulo triplo para escapar de um ataque rápido de um chefe perigoso, não é tão intuitivo quanto deveria ser.
Outro problema que eu tenho com a série de longa data é a insistência em colocar o caminho de história atrás de blocos quebráveis invisíveis. E sim, o jogo te fala isso no tutorial. Porém, para encontrar esses blocos, você precisa usar mísseis limitados, e só então eles mostram um desenho dizendo como devem ser quebrados.
Consigo pensar em muitas formas de resolver isso. Os blocos já podiam ter o desenho naturalmente, ou revelá-los com um tiro normal, sem precisar gastar mísseis. Também tem um upgrade que você pega no final do jogo que revela esses blocos quando você o usa. Este radar poderia ser uma habilidade padrão, disponível desde o início, ao invés de ser algo que só dá para pegar quando você já estiver carregando mais de cem mísseis. Mas Metroid Dread opta por manter o design obtuso de um jogo de quase 40 anos atrás. Para os fãs, pode ser sinal de trueza. Mas com meu limitado tempo de jogo, devo confessar que fiz a campanha inteira com um guia do lado.
AS DICAS NÃO VERBAIS
Sim, eu joguei com um guia do lado o tempo todo. E eu sei que meu colega Daniel Villela vai me mandar ouvir pagode por isso. Afinal, parte da graça de Metroid é se perder. Porém, eu precisava garantir que não fosse para o caminho errado e tivesse que gastar um tempão voltando. Dito isso, a galerinha da Mercury Steam fez um ótimo trabalho em passar ao jogador a “sensação de perdido” que tanta gente gosta em Metroid, mas ao mesmo tempo guiar os jogadores para o caminho certo.
Por exemplo, você pode pegar um upgrade, e daí ter um único caminho para seguir. Quando esse caminho desembocar na fase mais aberta, você estará próximo a um elevador ou teleporte, o que funciona como uma dica de que é para lá que a história continua. Outra jogada de mestre é o mapa.
MAPA GENIAL
O mapa de Metroid Dread, ao contrário da maioria dos metroidvanias, mostra todos os itens, portas e blocos quebráveis encontrados. Quando você tem a habilidade necessária para passar por ali, selecionar essas coisas mostra qual é. Quando não tem, aparecem pontos de interrogação. Melhor que isso ainda é que você pode escolher qualquer bloqueio e iluminar todos os iguais que estejam no mapa. A utilidade disso é óbvia: pegou o upgrade que permite abrir portas com mísseis e não sabe para onde ir? Ilumine todas as portas iguais no mapa e vá até elas. É tão genial e tão óbvio que eu fico surpreso que nunca tenha visto isso antes.
Claro, há metroidvanias, como Guacamelee, que mostram seu objetivo direto no mapa. Metroid Dread opta por esse meio termo, de dar ao jogador as ferramentas para se destravar sozinho, sem dizer exatamente para onde ir.
O “DREAD” DE METROID DREAD
Quem diria? Metroid Dread traz uma óbvia e inesperada influência de Outlast e os jogos de terror modernos que deixam o jogador indefeso. Em vários momentos na campanha, você terá que lidar com os E.M.M.I., super robôs invencíveis que ficam te caçando por parte dos cenários.
Nossos amigos da Mercury Steam mandaram muito bem nisso também. Os E.M.M.I. habitam pedaços específicos de cada região, que são claramente mostrados no mapa. Quando você entra em seus habitats, o mapa mostra o tamanho da área, todas as saídas e onde está a habilidade da revanche.
SAMUS INDEFESA
Seu objetivo é sempre sair do habitat do robozão o mais rápido possível. Eventualmente, seu caminho vai te levar para o mini-chefe da imagem abaixo, que vai turbinar a sua arma e permitir que você destrua o robô daquela área permanentemente.
Embora eu tenha gostado do design geral dessas caçadas, algumas coisas me incomodaram. Se você encostar em um E.M.M.I., ele te mata. Você tem duas chances de apertar X no milésimo de segundo correto para escapar. Porém, a janela de oportunidade é tão mínima que é quase impossível. Das mais de cem vezes que um E.M.M.I. me pegou na campanha, eu devo ter conseguido escapar menos de dez. Sempre tem um checkpoint imediatamente antes de entrar na área da caçada, então nunca volta muito. Porém, é chatinho ter que ficar entrando, morrendo, esperando loading e tentando de novo até chegar na saída. Já seria menos maçante se pelo menos o que você revelasse do mapa se mantivesse revelado quando morresse.
ANÁLISE METROID DREAD GOTY
Metroid Dread é um dos raros jogos em 2D que eu simplesmente não sentia vontade de parar de jogar. Eu queria continuar explorando, vendo as novidades que ele me traria, curtindo a atmosfera. Isso mesmo sem pressa para entregar esta análise Metroid Dread. É, literalmente, um jogaço.
Ele chega perto, muito perto, de merecer o Selo Delfiano Supremo. Coisas como os blocos invisíveis, e os pulos duplos não intuitivos me impediram de conceder a ele a glória máxima almejada pelos games mundiais. Mesmo assim, ele está firmemente entre as melhores experiências que tive nos games este ano. É um metroidvania tão definitivo quanto Bloodstained e Guacamelee. Grandes pérolas, que mostram o enorme potencial que um dos gêneros mais clássicos dos games pode atingir.
CURIOSIDADE:
A Mercury Steam também fez o remake de Metroid II, Metroid: Samus Returns. Mais interessante do que isso, no entanto, é que eles são a desenvolvedora da série Castlevania: Lords of Shadow. Ou seja, eles já tiveram a honra de trabalhar tanto do lado “metroid” quanto do lado “vania” do gênero “metroidvania”. E Mirror of Fate, o metroidvania 2D da série Lords of Shadow, também é muito legal!