A segregação

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Nota: o texto abaixo foi escrito em 2004 e eu nem tinha o DELFOS em mente quando o escrevi. Com a publicação deste texto do Bruno na semana passada, rolaram alguns comentários que saíram do ponto principal da discussão para falar sobre cotas para negros. Assim, decidi reviver este texto (que também não trata primordialmente sobre o assunto, mas que entra nele com maior profundidade do que o do Bruno, que tinha um objetivo diferente) e convidei o delfonauta Robson Santos Costa, que fez os comentários a favor das cotas para apresentar seus argumentos em outro texto, que sai amanhã (se você chegou atrasado, pode lê-lo aqui). Assim temos uma discussão apresentando os dois lados da moeda e, se o delfonauta ainda não tem opinião sobre o assunto, vai poder ler bons argumentos de cada um deles e formar sua própria opinião. Como este é um assunto bem sensível, se for comentar, tome muito cuidado. Eu não pretendo ficar respondendo aos comentários deste texto (se quiser debater comigo sobre isso, fique à vontade para me mandar um e-mail) nem deletar aqueles que discordam de mim. Ainda assim, a tolerância será zero. Qualquer comentário racista ou fascista será deletado imediatamente e o mesmo pode ser dito caso o delfonauta acuse qualquer um dos autores de ser racista ou fascista. Se você vier se achando o dono da verdade, que a sua opinião é a única certa ou deduzindo que alguém que discorda da sua opinião é inferior a você ou “não leu o suficiente para formar uma opinião”, será limado. A discussão aqui é amigável e pretendo que ela continue assim. O texto do Robson não mudou minha opinião e tenho certeza que o meu não vai mudar a dele. E nem precisa. Afinal, é possível ser civilizado e mesmo amigo de alguém que tem opinião diferente da sua, certo? Esse nível de respeito e cordialidade é esperado nos comentários. Se seu comentário for deletado, NÃO INSISTA! Quem ficar insistindo, se achando engraçadinho, superior ou simplesmente agir feito idiota com aqueles argumentos chavão de censura e “retorno à ditadura” terá o cadastro bloqueado. Aqui não é um espaço público onde você pode falar qualquer besteira que quiser e, se deletarmos algo, tivemos algum motivo para isso e não devemos explicações para ninguém. Se a possibilidade de seu comentário ser apagado lhe incomoda ou se você pretende ficar fazendo ceninha caso isso aconteça, recomendo que nem comente. Esse aviso vale também para o texto do Robson. Boa leitura!

Segregação. Este parece ser o futuro escolhido pela humanidade. E não me refiro apenas à velha (e horrenda) segregação racial, mas os seres humanos parecem dedicar sua existência para procurar razões para se odiarem. Tudo parece ser um motivo, desde um estilo de música, até a forma de se vestir, fazendo as pessoas esquecerem o que realmente importa: a forma de ser.

Os veículos de comunicação, meras ferramentas criadas para servir aos propósitos humanos, são a principal origem da segregação. Exemplos não faltam e nem todos os estereótipos perpetrados são negativos. Podemos ver na TV desde “metaleiros” satanistas e revoltados até homossexuais cultos, inteligentes e bonitos. Ora, será que todos os gays são bonitos? Todos os headbangers são do mal? É claro que não. A vida não é tão maniqueísta a ponto de podermos dividir as coisas apenas entre bem e mal, bonito e feio. Existem pessoas más? Sim, existem. Arriscaria até dizer que são a maioria. Mas será que elas se consideram do mal? Existem pessoas feias? Claro, mas será que isso está realmente relacionado à sua preferência sexual ou estaria mais relacionado aos olhos daquele que o observa? Ou à recriação do homem e de seus ideais, tão bem realizada pelas ferramentas por ele criada para servi-lo?

Bom seria se nosso mundo fosse assim tão simples. Como em uma aventura de super-heróis, poderíamos simplesmente dividir toda a humanidade entre aqueles que são bons e bonitos e aqueles que são feios e maus, pois afinal, pessoas feias são sempre más e as bonitas são sempre boas, certo? Ou então o contrário.

Para tentar resolver esse vergonhoso problema, as pessoas politicamente corretas começam a pensar em soluções do tipo “cotas para negros em universidades”. Bom, eu mando o comportamento politicamente correto às favas e vou dizer o que realmente penso. “Cotas para negros” é uma medida rota que apenas contribui ainda mais para a segregação que tanto critico. Dizer que negros precisam de cotas para entrar em uma faculdade é dizer que eles são burros demais para conseguirem entrar por mérito próprio. Eles não precisam disso.

Tudo bem, nosso país foi o último a abolir a escravidão e os escravos não receberam nenhuma ajuda para se integrarem à sociedade. Mas muito tempo se passou e a mobilidade social, embora difícil, não é impossível. Tanto para cima quanto para baixo. Hoje existem muitos negros com nível superior e cheios da grana. Eu tive vários professores negros, São Paulo já teve um prefeito negro e já tive muitos colegas negros que tinham uma condição financeira bem melhor que a minha.

Claro, devido às dificuldades relativas ao passado do povo, muitos não conseguiram reverter essa situação. Mas, ao mesmo tempo, as favelas também estão cheias de pessoas brancas e/ou mestiças. Aliás, a maior parte do Brasil é mestiço. É tão difícil encontrar alguém 100% negro quanto alguém 100% branco. É notório aquele caso de Brasília onde dois irmãos tentaram ser cotistas e, enquanto um passou, o outro foi retido por não ser negro. E é claro que brasileiro tem por instinto a habilidade de manipular os fatos como lhe apetecer melhor. Já vi pessoas que poderia jurar que eram negras com a certidão de nascimento especificando que eram brancos. De qualquer forma, aposto que essas mesmas pessoas, na hora de tentar as cotas, jurariam de pés juntos que são os mais puros descendentes de Zumbi.

Além disso, outros povos também passaram por dificuldades. Ou é possível negar o sofrimento que os judeus tiveram no passado? Ou a discriminação com as mulheres? E nem por isso as faculdades são obrigadas a ter metade dos alunos do sexo feminino. Caramba, qualquer pessoa que passou pela escola sabe que o nerd ou o gordo sofriam muito mais do que os negros. Primeiro porque tinha mais negros na classe do que gordos ou nerds (ou pelo menos era assim nas escolas que estudei, que tinha alguns negros, mas em cada classe eu era sempre o único nerd). E depois porque tirar sarro do negro é ilegal, enquanto humilhar e arruinar a auto-estima de alguém acima do peso ou que gosta de jogar videogame deixa o criminoso popular e ninguém se importa.

Aliás, isso me lembra um episódio de South Park que trata sobre racismo e tem a irônica lição de moral: “se for agredir ou humilhar alguém, tenha certeza que a pessoa é da mesma raça que você”. Aliás, no episódio em questão, isso acontece porque o negro Token faz alguma piada com o peso do Cartman e o gordo responde xingando o colega de alguma outra coisa, que aliás, nem tinha a ver com a raça. Mas logo os pais vêem nisso um crime de racismo e processam o pobre Eric. Pura hipocrisia. E eu odeio hipocrisia.

Se pensarmos em dividir uma cota para cada minoria que existe na sociedade, deveríamos ter também cotas para homossexuais, para headbangers, para pessoas que têm olhos azuis, para os obesos, para os que pintam o cabelo de verde, os que têm mais de 70% do corpo tatuado, os que usam cuecas samba-canção brancas com corações vermelhos, enfim, não acabaria nunca e nossa sociedade seria ainda mais segregada, afinal, não pertencemos todos nós a alguma minoria, seja ela qual for?

Se realmente aplicar uma cota for essencial, que seja uma cota baseada em renda, não em raça. É ridículo permitir que os descendentes do Pelé possam se beneficiar dessa cota enquanto um branco que mora na favela não possa. ISSO também é racismo. Ou odiar branco não é racismo da mesma forma? O problema é que racismo às avessas pode. É só ver que as sitcoms estadunidenses vivem falando coisas como “você é tão branco” para um cara meio nerd e desajeitado, enquanto os negros são obrigatoriamente cool, românticos e comedores (e inclusive já falei disso aqui).

De qualquer forma, tenho reservas mesmo a cotas sociais. Afinal, se o cara não está preparado para entrar na faculdade, dificilmente estará preparado para o mercado de trabalho e isso vai acabar prejudicando o país, pois vai colocar profissionais de qualidade ainda mais baixa no mercado. Claro, se o cotista não acompanhar a classe, ele teoricamente não se forma (e digo teoricamente porque boa parte das faculdades brasileiras, sobretudo as públicas, não reprova quase ninguém, e isso é fato). Mas estaria ocupando a vaga de alguém que estaria melhor preparado e que se formaria.

Mas vagas também me incomodam. Afinal, TODO MUNDO que se formasse no ensino médio deveria ter acesso à faculdade, se assim desejasse. É ridículo que o Brasil tenha tão poucas vagas no ensino superior como tem. E não é à toa que as Uniesquinas se aproveitam disso e se tornaram um dos ramos mais lucrativos da economia recente. Mas isso vai ser melhor desenvolvido em uma outra Pensamentos Delfianos já escrita que fala sobre a educação.

Apesar de parecer, essa minha opinião não é uma contradição. No caso das cotas, o cotista estaria tirando a vaga de alguém que poderia estar mais preparado. No caso de “vagas à vontade”, o próprio mercado cuidaria de selecionar os profissionais mais preparados. Claro que sempre existiria a possibilidade de saturação do mercado, mas isso já existe desde agora, mesmo com vagas limitadas, e é um problema a ser pensado à parte.

Posso falar apenas sobre os grupos a que pertenço, e são vários: os homens heterossexuais, os headbangers, os nerds, os gordos, os brancos, aqueles que têm sardas no rosto (aliás, isso também me fez sofrer bastante na infância) e cabelo preto, enfim… escolha um critério para me classificar. Mas felizmente, acredito que nenhum desses grupos precise de cotas para universidades ou para qualquer outra coisa, pois somos suficientemente inteligentes para entrarmos por conta própria (eu mesmo entrei em duas faculdades disputadas sem precisar disso).

Eu, particularmente, ficaria feliz apenas em ver algumas das minorias a que pertenço pararem de ser representados na mídia “global” como algo tão distante do que realmente somos (como os headbangers, os nerds ou mesmo os gordos, que sempre são representados como simpáticos e inofensivos – afinal, não me considero inofensivo, nem muito menos simpático), causando preconceitos ridículos em pessoas que chegam ao absurdo ponto de não dar emprego a quem tem cabelos compridos ou se veste de preto. Ah, sim, recusar o emprego a um negro é ilegal, mas a alguém com cabelos compridos, não tem problema, né? Afinal, é só cortar. O que o cabelo representa para a pessoa é o de menos. E o Michael Jackson está aí para provar que alguém que realmente quer deixar de ser negro tem essa possibilidade (embora não seja algo recomendável).

Por acaso têm receio de, ao contratar alguém de cabelo comprido, estarem na verdade contratando o bebê de Rosemary? O mais estranho é que essas pessoas não vêem isso como preconceito, apenas como formas de seleção. Pensando nisso, os negros não deveriam lutar por cotas, mas para pararem de serem retratados nas ferramentas de comunicação como seres subservientes ou bandidos e começarem a fazer papéis dignos das pessoas que são. E sim, isso inclui também bandidos. É fato que a luta dos negros nesse quesito normalmente é para que nunca um negro faça papel de empregado ou de bandido, o que também é um absurdo (e essa luta gera coisas deveras cômicas, como a elfa negra do filme Dungeons & Dragons). Afinal, assim como já fui assaltado por brancos, também já o fui por negros e por mestiços. E, depois que conseguissem isso, pararem de ficar pensando em si mesmos como afro-brasileiros ou qualquer outra denominação falha que tenham inventado (vou sair por aí falando que sou um euro-brasileiro para ver a reação das pessoas) e começarem a se ver como parte de algo maior e muito mais importante: a raça humana.

Aliás, aproveito o tópico para falar daquela lei que obriga as escolas a ensinarem cultura africana e negra. Ora, não sou contra estudar outras culturas. Aliás, o foco das escolas na cultura européia sempre me incomodou, mas por que obrigar a ensinar a africana e não a asiática? Ou muda para resolver tudo ou não muda nada, certo?

É engraçado que as pessoas que se manifestam contra esse tipo de coisa são comumente acusadas de racismo ou de simplesmente ignorantes (como aconteceu com o texto do Bruno, onde falaram que ele só era contra as cotas porque não tinha lido o suficiente). Tenho muitos defeitos e consciência da maior parte deles, mas racista e ignorante definitivamente não estão entre eles e qualquer pessoa que acompanhe o DELFOS há algum tempo consegue perceber quão absurdo seria me chamar de qualquer um desses adjetivos, independente de ter opiniões constantemente diferentes das minhas ou mesmo de já ter conversado comigo (pessoalmente ou por e-mail) ou não.

O fato é que ninguém precisa ser especialista em algo para ter uma opinião. É aquela velha história de “precisa ser músico para falar de música?”. É claro que não. É possível ter um embasamento interessante sem ter passado anos pesquisando sobre o mesmo assunto, assim como um acadêmico pode ter sua opinião lotada de idéias pré-concebidas – e muitas vezes usa a pesquisa para provar justamente elas. Cultura não vem apenas da academia. De nada adiantam diplomas na parede se você não consegue formular um argumento ou apresentar uma opinião de forma clara. A academia tem seu valor, é claro, mas é ridículo pensar que é o único jeito de se adquirir conhecimento, como os acadêmicos gostam de se vender.

Quanto a mim, prefiro ser eternamente um livre pensador. Sou formado em duas faculdades, mas não tenho a menor pretensão de fazer mestrado ou seguir carreira acadêmica. Gosto de usar o DELFOS para desenvolver e apresentar minhas idéias para um público bem diferenciado daquele que lê teses de mestrados, mas nem por isso menos inteligente. Isso, contudo, não muda a minha atitude de continuar seguindo os sábios ensinamentos do Sócrates: só sei que nada sei. E o que está aqui, em qualquer texto meu, é a minha opinião, fruto de alguma reflexão sobre o assunto e nunca travestido de verdade absoluta. E nada impede que daqui a algum tempo, eu pense de forma completamente diferente. Afinal, a maturidade para mudar de opinião ao invés de insistir em algo que considera errado não é exatamente a definição de um livre pensador?

Ainda assim, tenho a forte convicção de que um negro que acha que tem mais direito a faculdade (ou a qualquer coisa) do que um branco está sendo culpado do popular racismo às avessas. E que ninguém me fale daquele rapper palhaço que tem tatuado no braço “Poder para o povo preto”. Por que não “poder para a humanidade”? Ou então “um fim para a segregação”?

Todos nós (e me incluo nisso) temos que aprender a não ver nosso companheiro como algo além do que ele é, pois antes de eu ser um nerd headbanger branco (ou euro-brasileiro para os “politicamente corretos”), de cabelos pretos, olhos castanhos e sardas no rosto, eu sou uma pessoa. E é assim que eu gostaria de ser tratado. Se todos exigissem apenas isso, não se rendendo à recriação e segregação gerada pelas nossas próprias ferramentas, seríamos um povo muito mais unido e, conseqüentemente, mais feliz. Cotas e qualquer tipo de racismo são segregação. Sejamos a favor da união!

Como diria Martin Luther King, “I have a dream”. E esse sonho é que, ao olhar para um grupo composto de um índio, um branco, um negro, um japonês e um deficiente físico, o indivíduo veja apenas cinco pessoas. Unidas pela humanidade que está em todas elas, não separadas por suas características externas. Foi assim que eu fui criado e é assim que pretendo criar meus filhos. E você?

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