A Magia da Realidade

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Desde que aprenderam a articular ruídos de forma coerente, ou seja, a se comunicar, os seres humanos inventam mitos para explicar o mundo à sua volta. Partindo de alguns desses mitos, o biólogo Richard Dawkins procura explicar como a realidade funciona, a partir das conquistas do saber científico.

Este é, claramente, um livro destinado a um público infanto-juvenil (odeio essa expressão, mas como encontrar outra para definir pessoas entre nove e 18 anos?), com linguagem simples, ainda que precisa. A intenção é convidar esses jovens a refletirem acerca do mundo e sobre aquilo que, efetivamente, sabemos sobre ele. Não é um catecismo ateu, como pode parecer à primeira vista, mas é um grande livro de divulgação científica, na melhor tradição dos clássicos do gênero, como Uma Breve História do Tempo, de Stephen Hawking.

O texto aborda diversos terrenos do conhecimento. Desde a complexa cosmogonia do Big Bang até a explicação mais lógica e bela para dizer a razão por que coisas ruins acontecem. Dawkins ocupa-se em desconstruir os mitos (em especial aqueles provenientes da Bíblia judaico-cristã, mas não fica só nisso) e tenta relê-los com as ferramentas que a ciência nos deu para compreender o mundo. O resultado final é um livro que aborda uma enorme variedade de assuntos com o tom que se assemelha a uma conversa com o autor, mas com uma profundidade rara em livros de divulgação científica destinados ao público leigo.

Para completar, Dawkins arranjou um parceiro muito competente para ajudá-lo a criar A Magia da Realidade. Trata-se do ilustrador inglês Dave McKean. Os nerds mais antenados devem se lembrar desse nome, pois McKean é parceiro de longa data de Neil Gaiman, criador das memoráveis capas de Sandman.

Quem já teve a oportunidade de ler algo escrito pelo biólogo inglês, conhecido pela sua militância ateia e pelos esforços no sentido de divulgar o conhecimento científico na chamada grande mídia, sabe exatamente o que esperar de A Magia da Realidade. As analogias são quase sempre funcionais e conceitos complicadíssimos – como o efeito Doppler – são expostos de modo muito satisfatório.

Não é produtivo discutir se o autor está certo ou não ao erguer a bandeira do ateísmo. Considero que militar em prol do ateísmo não faz sentido algum, uma vez que o ateísmo não é uma questão de convencimento, e sim de conhecimento. O objetivo do livro não parece ser fazer proselitismo para a “causa ateia” que, aliás, é uma expressão esquisitíssima, já que os ateus não se agrupam justamente por não possuírem um núcleo em torno do qual orbitem. Dawkins quer mostrar o quanto a ciência é fascinante. Só isso. E é muitíssimo bem sucedido na sua empreitada.

É um belo livro, em diversos sentidos. As ilustrações de Dave McKean são mais do que um complemento ao texto do Dawkins. Elas dialogam com o leitor o tempo todo. O trabalho editorial da tradução brasileira não deixou de cuidar desse aspecto. O papel especial e o formato diferenciado favorecem o trabalho de ambos os autores. É claro que há pequenos deslizes na tradução, que custaram o 0,5 ponto da nota, mas nada que seja comprometedor.

Pessoas curiosas sobre o mundo que nos cerca e que não costumam se contentar com respostas do tipo “Porque sim” para as perguntas mais profundas sobre a vida, o universo e tudo mais são o público deste trabalho de Richard Dawkins. Talvez seja mais fácil e confortável acreditar em cobras falantes e cabeludos que transformam água em vinho, mas é fascinante entender como o intelecto humano, com todas as suas limitações e fraquezas, conseguiu ir tão longe na compreensão do universo e da realidade que nos envolve.