Eu sou um cara estranho. Sou uma das pessoas que conheço que mais gosta de cinema e, mesmo assim, não assisti a alguns clássicos da sétima arte. É o caso da versão original de A Fantástica Fábrica de Chocolate, filme com o qual muitas pessoas têm uma relação para lá de emocional enquanto eu mal sabia o que eram Oompa-Loompas. Bom, pelo menos eu tenho essa relação com História Sem Fim.
Outro cara estranho é Tim Burton pois, apesar de todo seu jeitão gótico, não é raro pegar filmes fofos para fazer, como é o caso deste ou mesmo de Peixe Grande. Para completar, Burton quase sempre chama seu amigão Johnny Depp (de Em Busca da Terra do Nunca) para os seus filmes. E vejam só, normalmente Johnny interpreta tipos estranhos, como Edward Mãos de Tesoura e o próprio Willy Wonka.
Para quem não conhece a história, tudo começa com Charlie (Freddie Highmore), menino pobre que só pode comer uma barra de chocolate por ano, no dia do seu aniversário. Essa barra de chocolate, é feita na fábrica de Willy Wonka, da qual o próprio Willy não foi visto saindo em muito, muito tempo. Na verdade, funcionários também não saem de lá. As únicas coisas que saem são caminhões e caminhões lotados de chocolates dos mais variados tipos.
Finalmente, Wonka decide fazer uma promoção. Vai colocar cinco Golden Tickets (isso me lembra aquele jogo Sim Theme Park) em cinco barras de chocolate e espalhá-las pelo mundo. Quem as encontrar, vai ter o direito de entrar e conhecer toda a misteriosa e Fantástica Fábrica de Chocolate de Willy Wonka. E mais, uma dessas crianças vai ganhar um prêmio surpresa hiper-ultra-mega-tremendão-especial.
Infelizmente, o começo do filme é assaz arrastado e, quando finalmente as cinco crianças chegam na fábrica, quase uma hora depois de seu início, tudo parece acontecer de forma muito corrida. Ponto negativo para o roteiro de John August. Isso, contudo, não estraga o filme. Todo o tempo que passam dentro da fábrica é bem divertido e engraçado, acentuando o ponto negativo justamente porque nós, espectadores, queremos passar mais tempo lá dentro. Ou seja, o lado negativo (o pouco tempo que passamos lá) é acentuado devido à própria qualidade do roteiro em desenvolver uma fábrica fantástica. Paradoxos, paradoxos…
Outro ponto negativo: as legendas não traduzem tudo para o português. Como exemplo, cito o trecho onde Willy visita a terra dos Oompa-Loompas e conversa na língua deles. As legendas que vemos para entender a conversa são em inglês, deixando os que não conhecem a língua do Príncipe Charles boiando. A falta de cuidado se torna ainda pior quando lembramos que este é um filme para crianças e é desnecessário dizer que é muito difícil encontrarmos um pequerrucho com menos de 10 anos que seja fluente em inglês, não concorda? Novamente, essa falta de descuido da Warner tupiniquim é acentuada pela qualidade dessa cena, que é muito engraçada. Só que, se você for assistir com aquele pimpolho que mal fala português vai ter que traduzir para ele. Então, tenha semancol e deixa para fazer isso depois do filme, ok?
Defeitos analisados, vamos às qualidades (reparou que eu inverti a ordem tradicional “qualidades e depois defeitos”? É o DELFOS sempre inovando). E são várias. Para começar, o visual é demais. Isso não chega a ser novidade em um filme dirigido por Tim Burton, mas vale a pena ficar ligado. Gostei principalmente da casa de Charlie, com suas janelas tortas e um jeito meio Hobbit, mas a fábrica e suas diversas salas completamente diferentes umas das outras também não ficam atrás.
A lógica de Willy, responsável pelos melhores e mais engraçados momentos do filme também é muito legal. Para ser mais claro, quando o personagem de Depp está explicando para as crianças como cada sala de sua fábrica funciona, ele tem uma lógica toda peculiar que, embora seja um tanto nonsense para aquelas pessoas chatas e sem imaginação, faz completo sentido dentro do que se propõe a apresentar. O melhor desses momentos é a explicação do tele-transporte do chocolate, então fique ligado nessa cena. Esse tipo de humor me lembrou bastante outro cara estranho, o Mel Brooks, que fez um dos meus filmes preferidos, Spaceballs, também conhecido pela nojenta tradução de S.O.S. Tem um Louco Solto no Espaço e que dublou o Grande Soldador no tremendão Robôs. Ou seja, não é para todo mundo, mas deve agradar em cheio aos fãs do titio Brooks. Embora não possa fazer comparações com o filme original, já que não o assisti, aqui vale citar uma curiosidade: o Willy Wonka original era interpretado por Gene Wilder, que trabalhou com Mel Brooks em vários filmes, tais como O Jovem Frankenstein e Banzé no Oeste.
Voltando à nova versão, também vale destacar os números musicais a cargo dos Oompa-Loompas. Cada uma das músicas é completamente diferente da anterior e em todos fazem sátiras a diversos estilos, tanto nas canções como nas coreografias (algumas são de gargalhar). Particularmente, a música que mais gostei nessa primeira visita à fábrica foi a da Veruca Salt (personagem que já virou até nome de banda), mas creio que o delfonauta mais tradicional vai gostar mais da de Mike TV, que traz várias referências ao Rock dos anos 80 e é assaz engraçada.
A Fantástica Fábrica de Chocolate é um dos filmes mais infantis dos últimos tempos, com lição de moral e tudo. Isso não é necessariamente ruim, mas em tempos de Pixar (leia resenha de Os Incríveis), Shrek e Madagascar, os mais grandinhos podem achar o filme de Tim Burton um pouco inocente demais, principalmente para aqueles que, como eu, não têm uma relação carinhosa com o filme de 1971. Contudo, como boa parte dos mais velhos assistiu à versão original e guarda ela do lado esquerdo do peito, esta nova versão pode ser a oportunidade ideal para mostrar para seus filhos, sobrinhos, priminhos e etc, a história que marcou a sua infância. E, muito provavelmente, marcará a deles também.