A primeira temporada de Stranger Things fez tanto barulho ano passado que fiquei com receio (bem pouco, confesso) de que a segunda temporada fosse sofrer daquela velha síndrome de Michael Bay: tentar ser uma sequência maior e mais grandiosa, e acabar se distanciando da proposta original que fez da primeira parte uma obra tão gostável.
Para alívio geral da nação, Stranger Things 2 (título sugerido pela própria abertura) consegue não apenas respeitar o climão intimista da temporada anterior, como também expandir a mitologia daquele universo e – o mais importante – desenvolver melhor os personagens que já conhecemos.
A PREMISSA
Depois de retornar do Mundo Invertido (logo nos episódios iniciais), Eleven é acolhida pelo xerife Hopper, que tenta educá-la ao mesmo tempo em que a mantém escondida do resto do mundo. A dinâmica entre os dois fica naquela de pai e filha, com todos os momentos agradáveis e conflituosos que uma relação dessas é capaz de proporcionar.
Enquanto isso, Will tenta seguir sua vida ao lado dos amigos Mike, Dustin e Lucas, tentando se readaptar à rotina. Mas, próximo ao aniversário de um ano de seu desaparecimento, o garoto começa a ser assombrado novamente pelo Mundo Invertido, onde esteve preso na primeira temporada.
Periodicamente, e com uma frequência cada vez maior, Will é lançado por curtos intervalos de tempo nessa sombria realidade paralela, onde é perseguido pelo Devorador de Mentes – um monstro gigante cujo nome, assim como o Demogorgon da primeira temporada, foi retirado dos livros de Dungeons & Dragons.
Ademais, temos os desdobramentos do triângulo amoroso formado por Jonathan, Nancy e Steve, e uma porção de investigações rolando em paralelo dentro dos núcleos narrativos.
A TURMINHA DE SEMPRE
Noah Schnapp, que interpreta Will Byers, teve aqui a chance de mostrar um pouco mais de seu trabalho e provar que pode ser um ator tão bom quanto o restante dos garotos. Encontrar uma forma de salvá-lo volta a ser o foco dos personagens principais, mas dessa vez o menino deixa de habitar os bastidores para se tornar uma peça atuante no centro dos acontecimentos.
Quem rouba a cena, mais uma vez, é Eleven (que ganha até um nome de verdade nessa temporada). Sua jornada é quase totalmente separada do restante do elenco, e existe um episódio inteiro dedicado a ela, longe das subtramas de Hawkins. Gostei dessa estrutura, uma vez que permite explorar o passado da menina sem afetar o desenvolvimento dos demais personagens.
A TURMINHA QUE CHEGOU AGORA
Indo na contramão do que encontramos habitualmente em enredos seriados, os irmãos Duffer acertaram a mão ao inserir pouquíssimos novos personagens nessa segunda temporada. São três os mais relevantes: Max, aluna recém-chegada à escola de Hawkins; seu “irmão” mais velho Billy (a mãe dela é casada com o pai dele, e descobri que não existe um termo em português que nomeie a relação entre os dois, veja só) e Bob Newby, o carismático par romântico de Joyce.
Foi uma decisão acertadíssima: afinal, queremos ver os personagens pelos quais nos afeiçoamos em 2016, e não há necessidade de tirar seu tempo de tela apenas para inflar o casting desnecessariamente, como ocorre a torto e a direito nos Games of Thrones e Walking Deads da vida.
E mesmo a inclusão desses novos personagens acaba sendo bem-vinda à narrativa, servindo tanto para movimentá-la, gerando novos conflitos, quanto para dar suporte ao desenrolar dos eventos iniciados anteriormente.
Max surge como uma garota cheia de pose e atitude, que aos poucos vai ganhando espaço no grupo de Mike e companhia. Já Billy é o estereótipo de bad boy importado de clássicos oitentistas como Te Pego Lá Fora e Clube dos Cinco – ainda que ligeiramente mais narcisista e menos brucutu do que se poderia esperar. Já Bob Newby, interpretado por Sean Astin (o rechonchudo Sam de Senhor dos Anéis), é o típico sujeito de bom coração que não medirá esforços para ajudar as pessoas que ama, mesmo que isso signifique arriscar a própria vida.
JOGO DOS SETE ERROS
Em momento algum cheguei a ficar incomodado com as escolhas tomadas pelos roteiristas, mas é inegável que Stranger Things 2 se limita a repetir a fórmula já aplicada. O que não é uma crítica, em absoluto. Como disse no começo do texto, meu medo era justamente que tentassem extrapolar demais e terminassem fazendo invencionices dispensáveis apenas porque sim.
Há quem reclame, acusando a Netflix de fazer uma segunda temporada “nem pior, nem melhor” que a primeira. Acho que essa foi a grande sacada: trabalhar com o material que já tinham, sem criar nada de muito novo, e usar esse segundo ano para firmar o que já haviam construído no primeiro.
Mas assim, também penso que poderiam ter dado menos na cara: se antes tínhamos uma Joyce aflita pendurando luzinhas pela casa, agora temos uma Joyce aflita pendurando desenhos pela casa. Se antes os meninos desenvolviam sua amizade com uma garota valentona de habilidades paranormais, agora o fazem com uma garota valentona de cabelos ruivos. Se antes tinham de manter Eleven escondida, agora precisam ocultar um filhote de Demogorgon (ou Demo-Dog, como chama Dustin), e assim por diante.
As semelhanças com a primeira temporada são muitas, a ponto de parecer que os caras desenvolveram o roteiro em cima de um esqueleto espelhado dos episódios anteriores. Contudo, reafirmo: isso não me incomodou, e está claro que foi uma decisão bastante consciente dos produtores.
Agora, fica a seu critério interpretar essa simetria entre as temporadas como uma homenagem autorreferencial ou simples medo de alterar a fórmula. Seja como for, a verdade é que para muitos essas repetições estruturais podem até passar batidas.
STRANGER THINGS 2
Stranger Things 2 ganhou muitos pontos comigo por ser uma continuação natural da primeira parte, e não uma temporada que tenta ser maior e melhor do que a primeira. Ela se satisfaz apenas sendo o que deve ser, e consegue entregar ao espectador tudo aquilo que ele espera.
A história ficou tão redondinha que, mesmo com o pequeno gancho no fim do último episódio, daria tranquilamente para encerrar a série por aqui. E esse final com cara de final ganhou ainda mais pontos comigo.
Em uma realidade na qual um filme chega a ter quatro cenas pós-créditos e toda season finale de qualquer série acaba sendo sempre mais instigante que os demais episódios, acho justo valorizar a coragem da Netflix de entregar um final com pouquíssimas pontas soltas.
As pessoas irão, ainda assim, retornar ávidas para a próxima temporada. Mas não pela curiosidade supérflua de saber se o herói cairá ou não do precipício, e sim porque se importam com este herói mesmo quando tudo parece ter acabado bem.