Falar sobre games deveria ser uma tarefa fácil. Mais do que tentar falar algo que ninguém nunca falou – o que é impossível em um mundo de sete bilhões de pessoas – deveria ser fácil pois cada pessoa tem uma experiência única com eles, e a única coisa que limita a transmissão de uma experiência é a maneira de expressá-la.
Mesmo assim, o turbilhão de coisas que passa na minha cabeça quando eu penso nos games é o bastante para me deixar atordoado depois de algumas horas, e organizar tudo isso num texto com certeza vai ser difícil – mas, ei, se eu quisesse facilidade eu escreveria sobre o Nicolas Cage! Então, por que não começamos do começo?
MINHA HISTÓRIA COM GAMES
Eu tinha sete anos quando pus as mãos no meu primeiro videogame, um Super Nintendo. Robusto e acinzentado, foi o SNES que me levou ao mundo dos videogames, com cartuchos sendo assoprados e tartarugas esmagadas, uma época que guardo na memória não por ter sido a melhor, mas por ter sido a primeira. Já aos 12 anos, ganhei, com um imenso sorriso no rosto, um Playstation – o primeirão, que parecia uma caixa de sapato! -, o console que deu os momentos mais profundos que eu tive com games, tornando aquele simples hobby algo tão ou mais profundo quanto ler livros. E, com 19 anos, comprei (com uma ajuda mais que especial) o meu tão aguardado Playstation3, a compra que demarcou a mudança nas marés da minha vida e mostrou que, de fato, a vida adulta estava chegando.
A minha história seria absolutamente normal, se não fosse pelo fato de que eu fiz 19 anos pouco tempo atrás. Sim, delfonauta, eu te ajudo com as contas: eu ganhei o meu SNES quando o Playstation 1 já estava caducando. Quando eu pus as mãos no PS1, o Xbox 360 já virava um defunto comtrês luzes vermelhaspiscando. E quando eu comprei o PS3, a Nintendo já tinha anunciado não vender mais nada no Brasil. Pois é, delfonauta, eu sempre estive atrasado – o que pode ser ruim ou não, dependendo do seu ponto de vista.
SER LATE-GEN TEM SEUS PROBLEMAS
Ter um videogame ultrapassado na época em que eu tinha um PS1 era algo, sou obrigado a dizer, horrível. O principal problema, é claro, era o fato de que todos tinham um PS2 ou até um PS3, o que me deixava de fora nas conversas sobre videogame. Oras, como eu iria falar de Final Fantasy VII quando todo mundo só falava dos combos magníficos e da empurração de caixas de God of War? Ou então, como dissertar sobre matar dinossauros em Dino Crisis II em uma época em que todos queriam mesmo era tocar clássicos no Guitar Hero? Pelo menos nesse ponto eu tinha uma vantagem, pois eu tocava guitarra de verdade e podia chamar todos de poser MUAHAHAHA.
O fato de estar atrasado, contudo, me fez perceber como a simples evolução das plataformas implica em uma intensa mudança na jogabilidade. Eu tinha uma dificuldade imensa para jogar com meus amigos em seus PS2 simplesmente pelo fato de que eu não conseguia absorver as diferenças no gameplay. Comparando, por exemplo, jogos como Legacy of Kain: Soul Reaver e God of War, isso fica bem claro. São jogos que, a princípio, deveriam ser parecidos, mas possuem ritmos completamente diferentes, uma evolução que só foi permitida devido à potência absurdamente maior do PS2.
Essa diferença é uma via de mão dupla: não apenas jogos de PS2 não poderiam existir no PS1, mas o inverso também é verdade. O universo de ação exacerbada do Playstation 2 diminuiria a procura por jogos mais lentos e ao estilo adventure como no primeiro Resident Evil, o que explica, por exemplo, como a franquia difusora do survival horror debandou para ser uma série de ação simplória – e o que explica, também, como ninguém se interessava pelos meus amados RPGs, que de tanta exploração e grinding eram lentos e beiravam o chato.
Com isso, estar na late-gen naquela época foi bastante triste. Não havia a troca de figurinhas tão comum entre amigos, e eram poucos os que estavam dispostos a me ouvir falar dos RPGs da geração antiga. Isso fez com que eu ansiasse por um dia estar nos trilhos da geração certa, acompanhando a evolução dos games por mim mesmo e não mais pelo que os outros dizem. Então, faria muito mais sentido, atualmente, ter comprado um PS4, não é mesmo? Sim, mas eu comprei um PS3
AS VANTAGENS DE SER LATE-GEN
“D’oh!“, diz o delfonauta do fundão, “qual o seu problema, Luiz?”. Bem, eu diria que dessa vez não foi um problema, mas uma análise fria sobre o que realmente se encaixava com o que eu queria. Atualmente,estar na late-gen é algo extremamente interessante para seres metódicos, contemplativos e sem dinheiro como eu.
Se voltar para os jogos da geração passada é algo que traz, sobretudo, segurança, sem a adrenalina que um next-gen oferece. Você não vai ter a surpresa de talvez pegar um videogame bichadoou que não corresponda às expectativas, mas sim vai poder escolher o que melhor se encaixa a você.
Por exemplo, algo que torna tudo mais prático é saber com certeza o que o console da geração passada escolhido vai te oferecer. Na resenha do PS4, o Corrales já dizia temer que ele nunca mostrasse seu real potencial pela absoluta falta de jogos. Hoje nós vemos que isso não está sendo um problema para a Sony, mas não quer dizer que não seja para outros. Apostar no potencial e não na realização é algo, sem dúvida,arriscado – As três pessoas que compraram o Virtual Boy da Big N que o digam.
O fato é que isso evitasurpresas desagradáveis: na época do surgimento da Geração PS3/Xbox 360/Wii, o console da Microsoft parecia ser o mais adequado às minhas necessidades, mas após a história das Luzes Vermelha da Morte, a minha opinião mudou. Da mesma forma, comprar o Dreamcast podia parecer uma boa ideia à época, mas a franca superioridade dos consoles seguintes mostrou que você poderia ter sido bem mais feliz se tivesse esperado pelo PS2.
E ao olhar para a late-gen atual, é fácil ver que ela não é tão late assim: alguns jogos que saem para PS4 e Xbox One ainda saem para PS3 e Xbox 360, como GTA V. Isso permite que você mantenha uma mínima conexão com a next-gen, o que não te deixa completamente perdido quando você está lendo algo a respeito dela. Porque, afinal, deixar de acompanhar a evolução dos games, seja de perto ou de longe, nunca foi uma opção.
Por fim, ainda que isso continue me mantendo uma geração atrás da atual, nesse exato momento isso não faz tanta diferença, principalmente porque ela está apenas começando. Partindo do princípio que ela vai se manter por dez anos, como as que a antecederam, eu ainda vou ter aí uns bons sete a oito anos para conseguir entrar nela, podendo tirar umas provinhas no meu PS3por um tempo – olá, Destiny, estou esperando por você- e podendo aproveitar os jogos que a marcaram – olá,The Last of Us, estou esperando por você também.
Se esse texto acabasse aqui, ficaria parecendo que eu só estou descendo o malho na geração nova e que ela não tem nada de bom. Bem, é óbvio que isso não é verdade, e na verdade eu tenho bons motivos para invejar os que já têm o negão high-techda Sony ou o videocassete bonitãoda Microsoft.
O BRILHO DA NEXT-GEN
Se tem algo que eu invejo é a magia de se jogar um lançamento. Pôr as mãos em um jogo junto com todo o resto do mundo, mesmo com a velocidade com que as coisas surgem e desaparecem, me parece ser algo inigualável. Traçando um paralelo, imagine como será no lançamento do sétimo filme de Star Wars. Independente da obra ser boa ou ruim, só se falará disso por muito tempo, e toda essa excitação só acontecerá uma vez: na estreia. E eu e você, com alguma sorte, vamos poder dizer que vimos isso de perto. =]
Mas é claro que com jogos isso é diferente. Os videogames ainda não estão completamente consolidados como uma forma de expressão artística. O cinema, por exemplo, atrai muito mais público, e isso faz com que o hype por lançamentos de jogos não seja grandioso como o de filmes. Mas, se você curte games, deve pensar que nem eu: “e daí?!” Isso não torna o cinema melhor, tampouco diminui o valor dos games.
Textos como esse, escrito pelo nosso Ditador Supremo para o Kotaku, mostram uma relação com videogames que praticamente só acontecem uma vez. Acompanhar a trajetória de um jogo desde a sua concepção, desde os trailers até o produto final, e, principalmente, vê-lo se tornar uma sensação, é uma experiência que deveria ser obrigatória para os gamers.
Um grande exemplo disso, para mim, está sendo Batman: Arkham Knight. Joguei os três jogos da sériee me apaixonei pelos dois primeiros, então passei a acompanhar as notícias de perto. Vi que seria lançado o último jogo, vi que ele teria uma história mais obscura (sendo até classificado como “Mature” pela ESRB) e finalmente vi o trailer, onde ele mostrava não só o tão aguardado Batmóvel como também que ele poderia ser usado como elemento de batalha. Confira você mesmo:
Holy fuck, delfonauta! Quando eu vi isso eu preparei minhas luvas de borracha e conjurei o meu Bat-cachorro para me acompanhar nessa luta contra o Espantalho, até me ligar em um pequeno detalhe: o jogo não seria lançado para PS3… Uma pequena lágrima escorreu vagarosamente pela minha desolada face quando percebi isso. E, mais uma vez, senti o ônus de se estar na late-gen.
WHO WON? WHO’S NEXT?
É claro que tudo tem a sua vantagem e a sua desvantagem. Pontuei aqui a diferença entre estar em diferentes gerações por ser algo que não vejo sendo dito com muita frequência por aí. O que torna isso ainda mais estranho é o fato de que, no Brasil, o preço dos videogamesnão permite que os gamers avancem de geração com facilidade, e que consoles lançados há pouco mais de um ano ainda sejam raros por aqui.
Mais do que defender uma bandeira a respeito do que é melhor ser feito para se acompanhar a evolução da indústria dos games, eu pretendo levantar a discussão. Então, não deixe de comentar e expor sua visão. Afinal, se tem algo que o DELFOS nos ensinou é que ponto de vista faz uma diferença e tanto.