Premonição 5

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Essa cabine foi rodeada de muita expectativa. Não apenas pela importância da série Premonição para o mundo da sétima arte, mas porque duas sessões de imprensa foram marcadas para o mesmo dia e para o mesmo lugar (a outra era Amizade Colorida). Isso, claro, causou um racha na amizade que permeia o dia a dia no oráculo.

Brigamos muito, o Daniel e eu, quanto a que filme cada um assistiria. Afinal, nenhum de nós queria ver nenhum dos dois. “Corrales, se você me mandar para assistir a uma comédia romântica com o Justin Timberlake, eu vou me matar e pedir demissão, nessa ordem”, o Daniel implorava. “Ok, então você fica com Premonição”, eu dizia, ao que nosso amigo hobbit simplesmente se encolhia em posição fetal e chorava baixinho. Claramente, ele se mataria de forma menos dolorosa se fosse enviado para o Amizade Colorida, então foi isso que fiz. Cabe a mim, no papel de ditador líder inspirador assumir os sacrifícios em nome do bem do grupo.

UNCLE TOM’S CABIN

Como as duas sessões estavam marcadas para acontecerem no Shopping Paulista, combinamos de nos encontrar na porta um pouco antes. Dessa forma, poderíamos nos dar apoio moral para as horas difíceis que se aproximavam.

Era 9:55 quando o Daniel liga para dizer que já tinha chegado, mantendo viva sua tradição de chegar cedo demais. Eu estava no busão, que entrava naquele momento na Avenida Paulista e, para não assustar nosso amigo, disse que estaria lá em 15 minutos. Sem brincadeira, 17 minutos depois, eu estava cumprimentando nosso estagiário. Às vezes até eu me surpreendo com meus dons premonitórios. Foi um sinal para o que aconteceria depois.

Enquanto chorávamos um no ombro do outro, lamentando a crueldade do destino que nos açoitava com tamanha truculência, meu celular tocou. Número desconhecido, mas antes que pudesse atendê-lo, a linha caiu. Isso se repetiu por mais cinco vezes em poucos minutos, todas exatamente da mesma forma.

Como sou pobre seleto no que usar minhas economias, não tinha crédito para ligar de volta. O Daniel, gentilmente, ofereceu seu celular recém-adquirido para que retornasse a ligação. Após tirar um obrigatório sarro do sujeito por ter um telefone com flip, liguei e atendeu uma máquina dizendo que o ramal não estava disponível. Pois é, amigo delfonauta, chegamos à época prevista por Nostradamus em que as máquinas são capazes de falar. Essa tecnologia de hoje em dia nunca deixa de me surpreender.

E até agora eu não sei quem diabos me ligou seis vezes e desligou antes que eu pudesse atender.

FAREWELL

Com o mistério totalmente não-solucionado, lá fomos nós subir a derradeira escada rolante, que nos colocaria frente a frente com as obras-primas de Steven Quale e Will Gluck. Porém, algo parecia estar errado, pois havia apenas um pódio com uma assessora de imprensa devidamente postada recebendo a turminha, embora cada filme fosse de uma distribuidora diferente.

Enquanto aguardávamos na fila, ouvi a assessora dizendo que “Premonição é com a moça de azul”, enquanto apontava para uma moça de azul alguns passos atrás de nós. “Daniel, vai entrando e eu vou lá falar com ela. Nos encontramos lá dentro”, exclamei, mal conseguindo conter a empolgação por estar a ponto de ser admitido para a cabine de Premonição 5. “Tá bom, Corrales”, concordou ele.

Ao me aproximar da fatídica moça de azul, percebi que algo estava errado pela indignação dos meus digníssimos colegas que a rodeavam. A cópia foi enviada, por engano, para o Shopping Eldorado, e eles estavam mandando os jornalistas para lá em táxis. “Preciso agir rápido, ou perco o próximo carro”, pensei enquanto resolvia agir rápido para não perder o próximo carro. Corri para avisar o Daniel, contei o que aconteceu e nos despedimos. Mal sabia eu que seria a última vez que o veria.

WAITING SILENCE

Voltei para a entrada do shopping com mais três colegas, dois homens e uma mulher. A moça segurava um vale assinado pela garota da Warner que deveria ser entregue para o taxista. Eu não tinha recebido as instruções, pois fui avisar o Daniel que estava indo embora, e resolvi confiar nos colegas. Grande engano, pois ninguém sabia direito o que deveríamos fazer. Aparentemente, teria um táxi nos esperando na porta do shopping.

Descemos todos num dos silêncios mais constrangedores que já presenciei, em que ninguém falava com ninguém. Finalmente, chegamos à porta do shopping, onde tinha outros quatro jornalistas esperando e um monte de táxis parados. Nenhum deles, porém, era da companhia que tinha o convênio com a Warner, então teríamos que esperar um deles chegar.

Passaram cinco minutos.

Passaram 10 minutos.

Depois 15.

Finalmente, vemos um táxi com a “marca” certa passando. E passar foi exatamente o que ele fez. Passar reto, quero dizer.

Mais 20 minutos. Como o tempo passa rápido quando você não está fazendo absolutamente nada.

O número de jornalistas aguardando já tinha aumentado consideravelmente.

25 minutos.

A fatídica assessora da Warner, anteriormente conhecida como “moça de azul”, aparece e se surpreende com o fato de que todos nós ainda estávamos lá. “Não acredito, nenhum táxi chegou ainda?”, exclamou indignada, pouco antes de começar a fazer várias ligações. O stress dela era palpável.

Um novo táxi da marca aguardada passa. Reto. De novo. E dessa vez os jornalistas até acenaram para ele parar, ao que ele respondeu gentilmente nos ignorando. A moça de azul nos diz que estão tentando atrasar o início da sessão, mas está difícil, pois o Cinemark não podia permitir que a sessão para jornalistas interferisse nos horários das sessões para o público mortal.

Finalmente, um táxi da companhia para, mas dois sujeitos que deveriam pegar o terceiro táxi (supondo que a organização era por ordem de chegada) correm e entram nele. Como ninguém mais se mexeu para entrar, resolvi tomar a iniciativa e aproveitar para chegar mais cedo na cabine. Preciso dizer que foi um big mistake?

ROAD TO RUIN

Acontece que os quatro sujeitos (eu incluso) que tomaram a iniciativa de entrar no carro não apenas eram quatro indivíduos do sexo masculino, como eram os maiores jornalistas da fila. Desnecessário dizer que foi uma viagem sensual, do tipo que normalmente só acontece quando se pega o metrô de São Paulo em horário de pico.

Do Paulista para o Eldorado, o caminho óbvio seria ir pela Avenida Paulista e pela Rebouças, mas o taxista mandou a obviedade enfiar pinos de acupuntura nos fundilhos e resolveu ir pela 23 de maio. Talvez até faça sentido, mas admito que, se os caras tivessem me empurrado do carro por ali, eu nunca mais conseguiria voltar para casa.

Obviamente, pegamos trânsito. E do tipo mais agradável que existe: no túnel. Túnel congestionado, quatro homens com mais de um metro e oitenta dentro do mesmo carro. Parece até início de filme pornô. O problema é que não é o tipo de filme pornô que eu gosto.

Um tempão depois, vemos que o trânsito tinha um motivo para acontecer: um sujeito foi atropelado e uma das faixas estava bloqueada pela ambulância que o socorria. Convenhamos, isso foi uma tremenda falta de consideração do atropelado. Onde já se viu? Fechar uma das faixas em horário de pico para seus motivos egoístas…

TOLTEC 7 ARRIVAL

Chegamos ao shopping e subimos correndo as escadas em direção ao cinema. Lá em cima, uma outra assessora (vamos chamá-la de “moça de azul 2”, embora ela estivesse usando roxo) nos recebeu, nos deu um copinho com pães de queijo e disse para entrarmos correndo na sala 1, pois a projeção havia começado há uns 10 minutos. Em outras palavras, se não fosse o individualismo sem noção do atropelado, teríamos chegado a tempo.

Nesse momento, separei-me de meus novos amigos, pessoas que eu havia conhecido mais intimamente do que a meus mais estimados conhecidos, graças ao fenômeno que eu gosto de chamar de “apertidão”.

A sessão realmente já havia começado e, ao escolher meu lugar, podia perceber que o poderoso som do cinema soltava gritos de desespero, ao que a tela mostrava tripas e entranhas em alta definição. E aí está o problema. A série Premonição é conhecida por suas histórias densas e complexas, seu profundo desenvolvimento de personagens e o subtexto político social.

Ao perder os primeiros minutos, e as primeiras mortes, perdi também todo o embasamento que esses minutos dariam para que eu pudesse analisar toda a riqueza do filme. Afinal, não é como se estivesse vendo um filme que teve quatro refilmagens exatamente iguais (chamadas de continuações pelas distribuidoras) e que nada mais é do que uma coletânea de fatalities. Não, Premonição precisa de atenção e contexto para ser devidamente apreciado.

Ainda assim, admito que me diverti bastante e gargalhei como há muito não gargalhava, mas lamento não ter sido capaz de analisar a obra com a profundidade pretendida pelos artistas que a criaram.

GRAND FINALE/POSTLUDIUM

Após o filme, um jornalista famoso, que mora na mesma região que eu, perguntou se eu iria para lá. “Oba, carona!”, pensei. Só que ele não falava comigo, mas com outro sujeito. Pensei em me oferecer para ocupar um dos lugares vagos e, nesse momento, apareceram duas entidades em meus ombros.

“Vai, seu fruta! O que você tem a perder?”, dizia o diabinho localizado no meu ombro esquerdo. “É, deixa de ser maricão!”, gritava o diabinho no meu ombro direito. Mas meus conhecimentos sociais são suficientemente profundos para saber que não seria aceitável me oferecer para uma carona no carro de alguém com quem nunca conversei. E outra: essas celebridades são assustadoras. Entrando no carro dele, corro o risco de uma viagem ainda mais sensual do que a que tinha vivenciado pouco antes. E dessa vez a sensualidade poderia ser intencional.

Peguei um ônibus, então. Ele estava relativamente vazio. Sem lugares para sentar, mas dava para ficar em pé com algum conforto. Foi nesse momento que uma ruiva bonita, com um decote generoso e bem recheado se aproximou. Só que ela se aproximou um pouco demais, especialmente porque o ônibus estava vazio. Estranhei, mas ignorei. Afinal, isso acontece com alguma freqüência.

Quando ela começou a encaixar o bumbum na minha mão, novamente me vi amaldiçoando minha sensualidade e meus feromônios descontrolados.

Não, delfonauta, nesse momento eu não tinha outra opção, a não ser conhecer a garota biblicamente. E, por conhecer biblicamente, quero dizer dar uma aula religiosa para ela, ensinando-a os caminhos de Jesus e afastando-a dos prazeres da carne aos quais ela tão facilmente se entregou. Minutos depois, ela sai do ônibus me chamando de gay.

AFTER ALL (THE DEAD)

O restante da viagem prosseguiu sem grandes percalços e, ao chegar ao oráculo, descubro que, pouco depois de eu ter entrado no táxi algumas horas atrás, o Shopping Paulista explodiu. Nosso amigo Daniel estava entre as vítimas fatais. Era para eu ter morrido lá, com ele. Ao entrar no táxi, eu enganei a morte. E se tem algo que eu aprendi nos cinco filmes da série Premonição é que você não pode enganar a morte, e que ela sempre dá um jeito de pegar os fujões. Holy shit!

THE GAME IS ON

Todos os intertítulos dessa crônica são títulos de músicas de Rock. Quem vai ser o primeiro a fazer um comentário dizendo TODAS as bandas a que eles se referem?

PS: Apesar de ter batido as botas na explosão do Shopping Paulista, o Daniel conseguiu fazer um relato ao vivo de toda a aventura que viveu em suas últimas horas de vida. Aguarde, semana que vem, na resenha de Amizade Colorida.

PS2: E, se você gosta desse tipo de crônica, não deixe de ler o texto que deu origem à série Trapalhadas Delfianas: a resenha de Nanny McPhee e as Lições Mágicas.