Alguns filmes têm uma proposta tão genial quanto absurda. Um roteirista que ficou famoso exatamente por essas características é o Charlie Kaufman. E, veja só, Almas à Venda parece muito com o trabalho do sujeito. Se liga.
Paul Giamatti é Paul Giamatti, um nem tão famoso ator estadunidense que, assim como todos nós, está infeliz com a sua vida. Ele logo descobre que existe uma empresa que oferece um serviço um tanto estranho: tirar e guardar a sua alma. Ao ir até lá, o responsável explica que, ao extrair a alma e se livrar do peso que ela carrega, você pode parar de sentir o vazio que aterroriza sua vida e que o impede de ser feliz.
Interessante, não? E é impossível não lembrar de Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças. Afinal, temos aqui um serviço que promete tirar algo que ninguém entende direito como funciona e, com essa extração, pode te livrar da bagagem que a própria vida e os evil monkeys divinos jogam para cima de você. A metalinguagem (afinal, Giamatti interpreta a si mesmo) também lembra, mais de leve, outro filme roteirizado por Charlie Kaufman, Quero Ser John Malkovich.
A alma aqui é tratada como um órgão, mas um órgão que ainda não compreendemos direito. “As pessoas vêm aqui e perguntam se a alma é imortal. Minha resposta? Não faço a mínima ideia. Só sabemos como tirar a alma do corpo. Ou tirar o corpo da alma, se preferir”, é mais ou menos a forma como o responsável pela empresa em questão a apresenta para o protagonista.
O filme caminha com sucesso naquele perigoso limiar entre o drama e a comédia. O próprio absurdo e estranheza do tema se encarregam do humor e a densidade da combinação “alma + infelicidade + vazio da vida” cuidam da parte séria.
E, embora ele consiga se dar bem nessa mistura espinhosa, perde pontos por não ter a profundidade filosófica que se espera de um longa que trata, de uma forma ou de outra, sobre o sentido da vida.
Em determinado momento, Paul Giamatti vai querer sua alma de volta e aí rola uma investigação/perseguição para encontrá-la que decepciona. E decepciona não por ser ruim ou algo do tipo, mas porque o filme renderia muito mais se preferisse focar nos diálogos elaborando em cima do tema que propõe – a saber, a relação entre a alma e o vazio que todos sentimos. Ele poderia até não chegar a lugar nenhum, como qualquer filosofia que se preze, mas apresentar essa discussão com maior profundidade faria o filme crescer muito e com certeza o colocaria entre meus longas preferidos. Não é por acaso que os melhores momentos são justamente os que rolam na empresa de extração de almas, especialmente a explicação inicial.
Da forma que é, no entanto, temos aqui um longa que merece ser visto, com momentos engraçados e momentos densos, mas que não realiza plenamente seu potencial em nenhum momento. Aliás, esse acabou sendo um acidental, porém muito apropriado, paralelo entre o filme e as nossas vidas na Terra, não é mesmo?