Eu venho investindo mais na minha saúde mental, e parte disso é evitar insistir em coisas que me geram sofrimento. Kingdom Come Deliverance II me causa sofrimento. Eu o joguei por cerca de 10 horas, e em outro momento da vida, provavelmente me forçaria a terminar. Não mais. Eu fui até onde deu. Mas apesar do sofrimento, e de eu ter desistido, em nenhum momento senti que Kingdom Come Deliverance II é um jogo ruim.
MUITO PELO CONTRÁRIO
Kingdom Come Deliverance II tem uma proposta bastante diferente de RPGs medievais mais focados na fantasia, como The Witcher III. O jogo é menos focado na ação e no heroísmo, e mais na simulação de como é viver na idade média. Assim, ele tem milhões de mecânicas, e para ser sincero, a maioria delas – inclusive o combate – não é nem um pouco prazerosa.
O jogo tem uma introdução bastante estendida, quando ele basicamente conta uma história. Você vai sendo levado linearmente pelas coisas que precisam acontecer, com momentos interativos limitados interrompidos por frequentes cutscenes. Depois dessa intro, que leva algumas horas, o jogo te larga no mundo. Sem dinheiro, sem roupa. Sem cavalo, cachorro e quase sem missão. “Vai fazer sua vida, meu filho”, ele diz. E eu vou, como na vida real, cambaleando e fazendo um monte de besteira pelas quais vou pagar forte mais tarde.
VAI TRABALHAR!
Você precisa comer, dormir e se lavar. Tudo isso custa dinheiro. Para ganhar dinheiro, você precisa trabalhar. Ou a opção é roubar. E o game tem mecânicas para tudo. Meu primeiro trabalho foi ajudando um ferreiro. Segundo o jogo, eu poderia me amigar dele para ser convidado a um casamento do qual o personagem quer participar. Então lá fui eu.
Ele te ensina a fazer uma espada, um machado e uma ferradura. Daí fala “faz as coisas e sai vendendo. Quando estiver pronto para continuar a história, me avisa”. Fazer uma ferradura demora cerca de 10 minutos de trabalho manual entediante. Ela pode ser vendida por 0,5 dinheiros. Um cavalo, uma das primeiras coisas que você vai querer comprar para poder se movimentar pelo enorme mundo aberto, custa 1200 pratas.
SER POBRE É DIFÍCIL
Você pode, então, passar um mês da sua vida real fazendo três mil ferraduras para comprar um cavalo e avançar a história, ou então fazer como eu, e ficar com muita vontade de desistir aí mesmo. Sim, há opções. Num enorme golpe de sorte, eu consegui encontrar um sujeito que tinha comprado o cavalo com o qual eu começo o jogo de um dos ladrões, e consegui convencê-lo a devolver o pangaré para mim. Isso ajudou muito, mas em nenhum momento eu me senti confortável o suficiente para comprar meus mantimentos ou equipamento.
Como na vida real, a melhor forma de ganhar dinheiro não é com trabalho honesto, mas com violência. É bem mais fácil matar um NPC inocente e torcer para ele ter uma boa quantidade de trocados no bolso. De um desses presuntos consegui arrancar 100 dinheiros, o que é uma fortuna em um jogo onde tudo rende centavos. Uma fortuna porque demora um tempão para conseguir isso com trabalho honesto, mas gastar é muito fácil e não dá para comprar nem uma peça de roupa com 100 dinheiros. Então na prática você precisa de centenas de milhares para conseguir jogar o jogo apropriadamente.
KINGDOM COME DELIVERANCE II
Esta é a fantasia que Kingdom Come Deliverance II promete realizar. Ser um plebeu na idade média, um vassalo que tem que penar para ganhar centavos, mesmo assim mal consegue sobreviver e pode ser morto na rua por qualquer sujeito mal encarado. E, sim, o combate é inescapável.
Quando estava indo na direção do ferreiro partindo da cidade inicial, três caboclos se enviezaram comigo. Eles vieram correndo me atacar, e eu simplesmente não tinha equipamento ou habilidade pra dar conta de três. Fugi. Mas precisei ficar literalmente mais de 10 minutos correndo até eles pararem de me perseguir. Nem Dark Souls tem inimigos tão implacáveis. Mas, como todo bom jogo moderno, Kingdom Come Deliverance II não tem opções de dificuldade. Você precisa jogar como ele quer. E se não é capaz de aceitar suas condições, acaba sendo obrigado a fazer como eu, e desistir.
O PREÇO DA VIOLÊNCIA
Mesmo quando tinha um equipamento decente, em outras palavras, não estava de cueca brandindo um galho de árvore, o combate ainda tem seu preço. Mesmo que você ganhe a luta, sai dela com roupa rasgada, sujo de sangue e, provavelmente, com sua vida e stamina máximo encolhidos. Para voltar ao normal, você precisa de roupas novas, de um banho, e a única forma de restaurar a vida é dormindo. Sem roupa e banho, os personagens reagem negativamente a você, impossibilitando que você continue a história. Então compensa mais evitar combate a todo custo, porque se recuperar dele custa caro, em tempo e em dinheiro.
E aí que está, toda essa inconveniência e realismo deixaram o jogo extremamente sofrido e trabalhoso para mim. Mas eu entendo perfeitamente que tem um nicho mais hardcore que procura exatamente este tipo de experiência em seus RPGs. Daí minha ideia de, ao invés de fazer um review tradicional, fazer esta espécie de crônica, mostrando como é a sensação de jogar. Para mim, isso foi ruim. Mas talvez seja exatamente o que você procura. Particularmente, eu preferia Kingdom Come Deliverance II como uma série de TV sem interatividade, onde pudesse simplesmente curtir a história sem ter que pensar de onde vai sair minha próxima refeição. Mas acredito que ele é exatamente o tipo de experiência que a Warhorse Studios quis criar. Eu não gostei, mas sinceramente achei o jogo bom.
A TÉCNICA DE KINGDOM COME DELIVERANCE II
Isso se estende aos gráficos lindos e detalhados, e a suas cutscenes extremamente realistas, que não chegam ao nível da Naughty Dog, mas estão mais próximas de alcançar isso do que a maioria dos games de 2025. No PS5, ele tem dois modos: o modo gráfico de 30 FPS e o performance, que roda destravado acima de 60 fps, o que é tão legal quanto raro.
A história realmente me deixou curioso. Gostei bastante do início narrativo, e sem dúvida foi o suficiente para me atiçar, e jogaria mais se a interação não fosse tão entediante em tudo. Tem umas coisas estranhas, no entanto, como um momento em que os protagonistas estão de cueca, se banhando em um rio, ouvem mulheres, e resolvem ir escondidos bisbilhotá-las. Parece o tipo de coisa que você veria em, sei lá, Porky’s ou outro filme dessa linha, não algo lançado no ano de nosso Senhor Odin Odinson 2025. É difícil me deixar incomodado com sexo, mas este voyeurismo stalker/estuprador me incomodou, especialmente por ser algo que você precisa ativamente fazer. E também trouxe à mente as acusações que o diretor do jogo recebeu na época do lançamento do anterior.
MAPAS E ATIVIDADES
De resto, o mapa é uma bagunça. Sem a possibilidade de dar zoom, os ícones ficam um em cima dos outros a ponto de você não conseguir entender o que ele quer comunicar. As missões também frequentemente marcam uma área grande de interesse e você precisa encontrar o objetivo dentro dela. Eu parei de jogar quando precisava encontrar um túmulo e não vi nenhum sinal dele depois de mais de 15 minutos indo e vontando pela área destacada.
Há também alguns problemas gráficos curiosos, como personagens que não se formam totalmente (vide imagem acima) ou cutscenes bloqueadas por paredes ou NPCs. Tudo isso, no entanto, são inconvenientes padrão em jogos de mundo aberto de alto orçamento. Kingdom Come Deliverance II tem todas as características de aventuras como The Witcher III, com uma jogabilidade mais trabalhosa e realista. Ou mais punitiva. A forma como você encara as coisas que descrevi aqui vai determinar seu aproveitamento do jogo. Se você quer sentir como é viver uma vida medieval, provavelmente este é o game que chega mais perto disso.