Watchmen

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Como seria o mundo se um bando de gente resolvesse vestir fantasias e sair por aí fazendo justiça com as próprias mãos? Que efeitos a existência desses vigilantes teria em campos como política e comportamento? E mais, e se existisse realmente um ser superpoderoso, será que a presença dele seria capaz de mudar o rumo da História como a conhecemos?

Para quem sempre se fez estas perguntas, Watchmen é a série que traz todas as respostas. Tida por muitos críticos e fãs como a história definitiva de super-heróis, a obra de Alan Moore e Dave Gibbons, ao jogar o pessoal mascarado num realismo até então inédito para a época em que foi lançada (1986 a 1987 nos EUA), tornou-se um clássico instantâneo das HQs, uma verdadeira obra de referência para o gênero.

A história se passa em 1985 e começa com o assassinato de Edward Blake, a identidade civil do justiceiro conhecido como Comediante. O desequilibrado Rorschach, o único que se recusou a se aposentar quando, em 1977, foi aprovada uma lei que tornaria o vigilantismo ilegal (e, portanto o torna um fora-da-lei caçado pela polícia), decide investigar a morte de Blake e as evidências apontam para um possível matador de mascarados. No entanto, à medida que a trama avança, ele irá descobrir que a coisa é bem maior do que imaginava.

No universo imaginado por Alan Moore, os heróis surgiram na virada dos anos 40 para os 50, se aposentaram com a aprovação da tal lei de 77, e tirando Rorschach, que se recusou a pendurar a máscara e o sobretudo, apenas o Comediante e o Dr. Manhattan continuaram na ativa, como agentes do governo. Aliás, o Dr. Manhattan é a única pessoa que possui dons sobre-humanos. Vítima de um tradicional acidente de laboratório, ele ganhou o poder de… bem, fazer absolutamente tudo que lhe der na telha. Desde se teleportar até enxergar eventos futuros. Legal, né?

Com a presença desse deus entre homens, os EUA venceram a Guerra do Vietnã, o escândalo de Watergate nunca aconteceu (há uma pequena explicação sobre isso) e Richard Nixon ainda é o presidente estadunidense. Além disso, sua existência permitiu avanços tecnológicos, como o fato de todos os carros serem elétricos. No entanto, ainda há a Guerra Fria e, com o Dr. Manhattan do lado dos capitalistas, a balança de poder é desequilibrada, aumentando ainda mais a tensão do período. Os soviéticos temem um ataque dos EUA amparados pelo ser superpoderoso, e por isso aguardam apenas a primeira oportunidade de Manhattan estar desabilitado para atacarem primeiro. Nesse contexto, a tensão é palpável e crescente durante toda a série e o mundo está à beira da 3ª Guerra Mundial.

E a morte de Blake, de alguma forma, se encaixa em todo esse contexto político, fazendo parte de um engenhoso plano para… bem, é melhor eu não falar mais nada para não estragar a revelação para quem ainda não leu a HQ. E acredite, é uma surpresa que só mesmo a mente insana de Moore poderia proporcionar.

A série não envelheceu nada. Continua forte e intrigante. Os personagens são muito bem construídos e, mesmo com um elenco grande de figuras principais, além de diversos coadjuvantes, consegue desenvolver todos eles, tornando-os tridimensionais. Além disso, há um forte lado psicológico bem trabalhado e a narrativa não despenca nem por um minuto, algo que numa maxissérie em 12 capítulos seria até natural.

E para quem gosta de História, mesmo com as mudanças perpetradas pela presença do Dr. Manhattan, o período da Guerra Fria é muito bem retratado. Alguns personagens secundários manifestam suas opiniões sobre o assunto de maneiras muito similares a coisas que eu ouvi na vida real. Sim, eu me lembro bem desse período e atesto que ele foi muito bem captado por Moore.

Entre os grandes momentos da HQ, destaco a violenta história de vida do Rorschach (origens sempre são legais), a alienação do poderoso Dr. Manhattan quanto ao resto dos humanos (a certa altura, ele compara Ozymandias, o homem mais inteligente do mundo, a um reles cupim) e a revelação do plano que movimenta toda a trama, quem é seu autor, e por que arquitetou tudo isso.

Além disso, a trama é toda entrecortada por flashbacks dos tempos áureos do povo fantasiado, que ajudam a elucidar questões importantes da história e ainda estabelece a dinâmica entre os personagens.

Como complemento, Moore escreveu apêndices ao final de cada edição, como se fossem artigos de jornal, livros e etc, escritos pelos próprios personagens. Esses extras servem para dar ainda mais densidade e veracidade para a história.

A arte de Dave Gibbons é outro ponto alto. Extremamente detalhista e com um cuidado extra nas expressões faciais dos personagens. A narrativa é cinematográfica e dá mesmo para visualizar tudo em movimento, como num filme. Destaque para as capas originais, que servem como o primeiro quadrinho de cada capítulo.

Watchmen foi publicada no Brasil pela primeira vez pela editora Abril, em 1989, em 6 edições. A mesma editora republicou a obra em 1999 em seu formato original de 12 números (a versão analisada nesta resenha). E, desde o ano passado, a Via Lettera está republicando a série mais uma vez, agora em quatro volumes (os quais você pode comprar aqui).

Um dos grandes trabalhos dos quadrinhos de todos os tempos, Alan Moore em seu auge criativo, e uma tremenda homenagem às HQs de super-heróis. Não é pouco. Watchmen é digna daquele clássico clichê de resenhas: uma obra obrigatória. Então, se você ainda não leu, aproveite a republicação e tire o tempo perdido. Você não vai se arrepender.

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Nota
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Alfredo De la Mancha
Alfredo é um dragão nerd que sonha em mostrar para todos que dragões vermelhos também podem ser gente boa. Tentou entrar no DELFOS como colunista, mas quando tinha um de seus textos rejeitados, soltava fogo no escritório inteiro, causando grandes prejuízos. Resolveu, então, aproveitar sua aparência fofinha para se tornar o mascote oficial do site.
watchmenPaís: EUA<br> Ano: 1986/87 (EUA) / 2005/2006 (Brasil)<br> Autor: Alan Moore (roteiro) e Dave Gibbons (arte)<br> Editora: Via Lettera<br>