The Witcher 3: Wild Hunt

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Um mundo aberto que é do tamanho da Grécia. Mais de 100 horas de gameplay. Gráficos realmente next-gen. Muito hype foi feito em cima deste The Witcher 3: Wild Hunt. Tanto que até eu, que nunca fui um grande fã de RPGs, estava animado para experimentá-lo.

Claro, minha animação também se deve à carência de jogos dos meus gêneros preferidos no PS4. Você sabe, aqueles jogos mais lineares e cinematográficos, na linha God of War ou The Last of Us. Os únicos jogos nessa linha disponíveis para PS4 são remakes da geração passada, enquanto todos os AAA são jogos de mundo aberto, RPGs ou RPGs de mundo aberto, como o próprio The Witcher. Então, se eu quiser jogar um AAA, não tenho muita opção, ou me animo por RPGs ou não jogo nada.

Assim, The Witcher 3 foi minha primeira incursão no mundo do jogo, baseado nos livros de Andrzej Sapkowski (e sim, isto foi um copy/paste). Assim, o joguei totalmente despido de preconceitos e sem saber muito bem o que esperar.

TUDO TEM UM CONTEXTO

O que eu esperava, no entanto, era um RPG mais focado na ação, tipo um Bloodborne ou Diablo. O que encontrei me surpreendeu, pois The Witcher 3 é muito mais focado na história, em decisões e em itens. É o tipo de jogo que, alguns anos atrás, eu odiaria (então provavelmente foi bom que eu nunca tenha jogado a série antes), mas que estou curtindo hoje em dia.

Tudo aqui tem um contexto e é muito elaborado, ao contrário do jeitão mais vago de um Dark Souls. A história básica é que você é o bruxeiro Geralt of Rivia (ou, em tradução delfiana, Geraldo Ribeiro). Os bruxeiros são mutantes superpoderosos que viajam pelo mundo sendo contratados para matar monstros. Seu objetivo neste jogo é encontrar Ciri, que é como uma filha para o Geraldão, mas que ele não vê há muitos anos.

Isso realmente é o básico do básico da história principal. Tem um monte de sidequests, e quase todos eles são tão ou mais desenvolvidos do que a campanha. Por exemplo, no início do jogo tem um em que o protagonista é contratado para investigar uma ilha mal assombrada. Fui até lá, esperando matar uns bichos e resolver o assunto, mas rolou muito mais que isso. Se não se importa com spoilers, selecione o espaço abaixo para ler o que rolou.

Ao chegar na ilha, eu vi muitos fantasmas que estavam sofrendo de uma maldição. Após muito investigar, encontrei o espírito de uma moça que morreu na ilha, abandonada pelo amor da sua vida. Ela pede para você levar os restos mortais dela para seu amado. Eu me recusei. Ela me atacou, e rolou uma batalha bem difícil. Após vencer, eu fui falar com o namorado, que contou uma história totalmente diferente. Ele quis voltar comigo para a ilha, apesar dos meus avisos de perigo. Chegando lá, ele beijou sua amada e morreu. A maldição estava quebrada, e os dois amantes estavam novamente reunidos na outra vida.

Tudo isso aconteceu ao longo de um único sidequest opcional. E talvez para você ele seja diferente, pois vai depender das suas escolhas. Daí eu lembro do Assassin’s Creed e suas missões do tipo “vá até o lugar X, pegue um item e volte aqui” e torço para que mais jogos comecem a tratar suas missões opcionais com o mesmo carinho dedicado por Witcher 3.

Claro, nem todos são assim tão elaborados. Tem alguns mais curtos, que você encontra enquanto passeia pelo mundo, mas mesmo estes têm um contexto. Por exemplo, eu encontrei uma turma de elfos ameaçando um transeunte. Fui lá ver o que estava pegando, e eles me contaram que ele vendeu drogas para crianças, que morreram. O sujeito diz que é mentira. O que você faz? É possível simplesmente se afastar ou se intrometer. De qualquer jeito, é uma missão curta, mas vai fazer você ficar sem saber se fez ou não a coisa certa (eu tentei proteger o cara, e acabei sendo obrigado a matar todos os elfos).

Tem muita coisa acontecendo nos sidequests deste jogo. Por exemplo, tem toda uma trama, que atravessa várias missões, envolvendo uma caça às bruxas que está rolando por ordem do rei. É algo que você pode nem saber que está acontecendo se focar na história principal, o que seria uma pena, já que é até mais interessante do que a busca do Geraldão Ribeiro pela Ciri. Em outra missão, você vai ajudar a montar uma peça de teatro, o que mostra como o foco do jogo é muito mais na história do que na ação. A maioria dos sidequests, inclusive, leva mais de uma hora para ser completado. Em alguns momentos, uma missão principal pode desembocar naturalmente em um sidequest, mostrando o cuidado com o roteiro e com a construção das missões em geral.

Outras missões são chatas, mas o contexto acaba compensando. Por exemplo, em determinada altura, você fica sabendo de um bebê natimorto que foi enterrado sem um nome. Isso o tornou vítima de uma maldição e ele ressuscitou como um monstro. Você pode escolher entre matá-lo ou fazer um ritual que vai transformá-lo num espírito protetor. Eu escolhi a segunda opção, e o que tive que fazer foi uma maldita escort mission chatíssima. Mas eu não me arrependi disso, pois era o rumo que eu queria dar para a história.

Ok, para não dizer que não critiquei nada até agora, teve uma missão da história que um sujeito só me ajudaria se eu recuperasse sua cabra. Eu achei a bichinha, e tive que fazer ela me seguir todo o caminho de volta, com uma inteligência artificial absurda, que fazia a desgraçada parar de andar ou errar o caminho a toda hora. Essa foi a coisa mais chata que encontrei no jogo.

AÇÃO CEREBRAL

Um ponto que pode ser óbvio para fãs da série, mas vale a pena avisar aos novatos como eu, é que tem bem pouca ação por aqui. Em boa parte dos sidequests, você é contratado para matar um monstro. Vida de bruxeiro, e tal. Para matá-lo, no entanto, você precisa encontrá-lo. Então a missão normalmente consiste em analisar as cenas dos “crimes”, vendo as marcas deixadas nos presuntos e seguindo pegadas rumo a novas pistas. Ao longo disso, uma história vai sendo desenvolvida. Por exemplo, tem uma caça a um lobisomem, e ao longo da missão, você vai encontrando cartas e outros itens que demonstram que sua história é muito mais trágica do que simplesmente um monstro malvado matando aldeões. Claro, no final, você encontra o bicho e luta com ele, mas tem muita coisa antes disso, e quando estiver frente a frente com o monstro, pode ser que você não queira lutar. E algumas vezes o jogo permite isso.

O ponto principal, no entanto, é que você não sai andando e matando tudo que aparece, como no Bloodborne ou no Diablo. Muitas vezes você consegue evitar totalmente o combate através da conversa, ou então suas respostas podem tornar agressiva uma situação que estava tranquila. Assim, a rotina de jogar The Witcher envolve muita conversa e muita investigação, com alguns pontos de ação espalhados ao longo dela. Pela descrição, você deve imaginar que tem um quê de L.A. Noire aqui, e você estaria certo, já que a ação é bem pontual e o foco é mesmo nas conversas e na exploração. Ainda colocaria uma comparação também com as missões de detetive dos jogos do Batman e, por causa da quantidade de diálogos e as opções de história, também me lembrou em alguns momentos dos jogos da Telltale.

O vídeo abaixo demonstra bem três minutos de uma dessas missões de caça. Dá uma olhada.

HISTÓRIA E ESPADA

O engraçado é que eu li muito sobre o jogo antes de ter chance de jogar, e parecia unânime que se tratava de um game bem fácil. Parte das resenhas até sugeria que você jogasse em uma dificuldade superior da que você normalmente joga. Eu fiz isso, e minha experiência foi oposta, o considerei bem difícil.

Talvez seja pela minha falta de experiência em RPGs, mas jogando na segunda dificuldade mais difícil, meu traseiro estava sendo chutado dolorosamente. Meu equipamento quebrava muito rápido, custava muito caro para consertar e, cada vez que eu morria, tinha que esperar uma tela de loading de mais de dois minutos. Tudo isso junto me deixou suficientemente frustrado para colocar na dificuldade média, mas ainda nela eu tive dificuldades. Cheguei até a mudar para o easy em um chefe especialmente cabeçudo, e depois voltei para o “normal”.

Curiosamente, depois de alguns dias lutando contra a dificuldade do jogo, o negócio ficou consideravelmente mais fácil. Eu comecei a subir de nível mais rápido do que os quests, o que fazia que eu estivesse no nível 18 fazendo missões para o nível 11. Não chegou a ficar ridiculamente fácil, como acontece em Borderlands quando você está overleveled, mas admito que não ter que passar tanto tempo olhando para uma tela de loading tornou o jogo mais aprazível.

O combate em si considerei um tanto button masher. Não existem combos, mas existe a possibilidade de usar muitos itens, como vários tipos de óleos que tornam sua espada mais eficiente contra determinadas raças de inimigos, bombas e poções.

No vídeo abaixo, você vê uma das missões mais focadas na ação. Repare como, apesar disso, trata-se de uma ação lenta, onde eu passo até mais tempo explorando e pegando itens do que lutando propriamente. E repare também na emocionante luta do final do vídeo, onde eu cheguei muito perto de morrer.

ESPLENDOR VISUAL

Até agora não falei muito disso, pois preferi focar na minha experiência com o jogo, mas The Witcher 3 é bonito pra caramba. O nível de detalhes é absurdo, o mundo é enorme (talvez não tão grande quanto o de The Crew) e a música, sobretudo fora dos combates, é linda.

A iluminação é o grande destaque. O pôr-do-sol costuma ser sempre bonito em jogos de mundo aberto, mas em The Witcher 3, quando está anoitecendo o negócio é embasbacante. É uma pena que não dê para “travar” o relógio quando está anoitecendo, como em Burnout Paradise, por exemplo.

Há alguns glitches no visual, no entanto. Coisas como personagens atravessando paredes e chãos, ou mesmo voando. O jogo também voltou para o sistema do PS4 duas vezes quando eu escolhi passar a vez no jogo de Gwent (calma que a gente chega lá!).

Também me chamou a atenção o cuidado que a CD Projekt Red teve com os personagens. Muitos deles exalam personalidade só pelo visual, e a dublagem na versão em inglês é excelente. Ah, e veja só, o jogo permite que você escolha o idioma do áudio e das legendas nos menus, independente do idioma do console, e permitindo que você jogue em inglês com legendas em português brasileiro. E acho até estranho que eu esteja elogiando um jogo por fazer algo tão simples que, a essa altura, todo jogo deveria fazer.

Você encontra várias figuras, ao longo da sua aventura em The Witcher 3. Muitas delas são engraçadas, outras são assustadoras, enquanto outras não são nem uma coisa nem outra. O que elas têm de comum é o cuidado no design de cada um dos personagens. Dá até para perceber a cultura do lugar, de tantos detalhes que trazem as roupas e uniformes, e inclusive pelas reações dos cidadãos a você, já que a população em geral não gosta dos witchers.

PROBLEMAS

O jogo é muito bom, mas tem algumas coisas que não dá para não destacar. Em especial, os menus e os inventários são muito ruins. Você pega vários livros ao longo da jornada, e eles são colocados na mesma categoria de itens como poções e óleos, ao invés de numa aba à parte.

Você também pega muita porcaria, que só serve para ser vendida, mas ao contrário de jogos como Diablo, em que você pode marcar algo assim que pegar como “lixo”, e depois vender tudo de uma vez com um toque de botão, aqui você precisa ir selecionando e vendendo uma coisinha de cada vez, o que leva um bom tempo, considerando a quantidade de itens que você está sempre carregando.

O pior, no entanto, é o crafting e a alquimia. Você vai ter que fazer muitos itens, armas e armaduras ao longo do jogo, e para isso vai usar itens que pegou pelo caminho. O problema é que alguns itens não estão disponíveis naturalmente, você precisa desmontar outros para consegui-los.

Por exemplo, eu queria fazer uma armadura legalzuda que precisava de um “pó de monstro”, ou algo assim. Joguei por alguns dias e nada do negócio aparecer. Resolvi procurar na internet e descobri que para conseguir o maledeto, eu precisava destruir umas peninhas que eu peguei nas primeiras horas de jogo. Só que tem centenas de fórmulas e centenas de itens que, quando destruídos, geram itens diferentes, então é praticamente impossível você encontrar a informação que precisa no jogo.

Este problema poderia ter sido resolvido através da própria interface. Você poderia clicar no tal do “pó de monstro” e ser imediatamente levado para a tela de crafting, permitindo que você crie o item que precisa diretamente, sem precisar ficar procurando por ele em centenas de opções. Na verdade, isso é algo tão simples e melhoraria tanto o jogo que eu espero que alguém da CD Projekt Red leia isso e resolvam implantar em um patch.

Outra coisa que é comum em RPGs e que The Witcher 3 não tem é mostrar todos os objetivos de todas as suas missões no mapa. Ele mostra apenas a missão selecionada, e isso se torna um problema grave em um jogo com várias missões longas simultâneas, pois no caminho para um objetivo, você pode, por exemplo, resolver mais dois ou três. Isso tornaria também as chatíssimas caças ao tesouro (as únicas missões que considerei sempre tão chatas que não me dava vontade de fazer) mais palatáveis.

Isso gera outro problema: uma vez que você pegar uma missão, não pode mais abandoná-la, e assim tirá-la do seu quest log. Isso significa que, mesmo que você não tenha nenhuma intenção de fazer essas caças ao tesouro, elas vão continuar lá no seu log. E o pior é que várias missões são relacionadas a coletar cartas para um minigame chamado Gwent, e elas são classificadas como “secondary quests”, junto com várias missões legais, que eu quero fazer. Isso provavelmente me incomodaria menos se elas estivessem em uma categoria à parte chamada Gwent. Também seria interessante se fosse possível organizar os quests acumulados por nível, e os itens por ordem alfabética, ao invés da ordem aparentemente aleatória que temos aqui.

GWENT

Já que falamos de Gwent, vou explicar do que se trata. É um joguinho de cartas que você pode jogar contra vários NPCs ao longo do jogo. Alguns dos NPCs terão cartinhas especiais, que você fatura vencendo uma partida contra eles.

O jogo até é divertidinho, mas como eu já falei na resenha de Assassin’s Creed Unity, um gamer não investe um dinheirão em uma TV enorme e em um equipamento de som 7.1 para jogar coisinhas que podem ser jogadas em um celular. The Witcher 3 é impressionante e vai aproveitar bastante seu equipamento, mas colocar um joguinho de cartas aqui é tão necessário quanto o pôquer ou o jogo das ferraduras de Red Dead Redemption.

O que é curioso é que The Witcher 3 é enorme. Tem um monte de coisas legais para fazer aqui, tanto nas missões principais quanto nas secundárias. Eu estou jogando ele faz mais de duas semanas e ainda prevejo que vou continuar jogando por pelo menos mais um mês. Simplesmente não é necessário tentar aumentar ainda mais a duração do jogo colocando minigames nele. Às vezes, menos é mais.

O BRUXEIRO TRÊS

Você provavelmente vai querer passar vários dias jogando sem parar quando comprar The Witcher 3. Eu fiz isso. Mas provavelmente vai acabar enjoando antes de fazer tudo que ele tem para fazer.

Então, minha recomendação é que você trate este jogo como algo a ser saboreado. Jogue o quanto desejar. Quando começar a cansar, alterne com outro jogo, e depois volte para ele. Sim, ele poderia ter cortado algumas gorduras, mas tem tanta coisa legal para fazer aqui que, mesmo que você faça apenas as melhores missões, provavelmente ele vai durar várias semanas para você, o que torna sua compra mais do que recomendada.

E o melhor é que a versão física vem com vários mimos, como um mapa e um CD de trilha sonora. A versão que recebemos para análise é digital, então não posso falar sobre a qualidade do kit, mas considerando que a maioria dos jogos atualmente só trazem o disco na caixinha, é uma iniciativa louvável e eu espero que outras desenvolvedoras sigam o exemplo da CD Projekt Red.

TLDR: compre a versão física e jogue com calma, fazendo as missões que desejar fazer, no seu tempo. The Witcher 3 não é perfeito, mas é danado de bom, e um exemplo que outras séries de mundo aberto deveriam seguir.

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Nota
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Carlos Eduardo Corrales
Editor-chefe. Fundou o DELFOS em 2004 e habita mais frequentemente as seções de cinema, games e música. Trabalha com a palavra escrita e com fotografia. É o autor dos livros infantis "Pimpa e o Homem do Sono" e "O Shorts Que Queria Ser Chapéu", ambos disponíveis nas livrarias. Já teve seus artigos publicados em veículos como o Kotaku Brasil e a Mundo Estranho Games. Formado em jornalismo (PUC-SP) e publicidade (ESPM).
the-witcher-3-wild-huntAno: 2015<br> Gênero: RPG em mundo aberto<br> Plataforma: PS4, Xbox One e PC<br> Fabricante: CD Projekt Red<br> Versao: PS4<br>