Terror em Silent Hill

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Bairro do Itaim Bibi, São Paulo, final de 1999. O crítico que o escreve nesse momento, caro delfonauta, acabara de terminar o seu 3° ano do Ensino-Médio. Um dia, ao passear pelas redondezas, ele se deparou, numa loja de games e afins, com a capa de um jogo – para aquele conhecido videogame acinzentado, de 32 bits – onde leu: “Welcome to Hell! Silent Hill”. Ele pegou o jogo e pensou “Muito boa essa frase, mas será que vale a pena comprar esse?”.

O maior medo do rapaz naquela hora era de que o game em questão fosse mais repleto de obstáculos (leia-se dificuldades) do que de uma boa história ou de um clima propício ao medo, afinal, ele sempre foi da opinião de que a matança de criaturas bizarras, nesses jogos de suspense, perde a graça ao mesmo tempo em que você perde o interesse pelo mistério do enredo, ou mesmo quando o próprio ato de matar determinada criatura é difícil demais, causando a desistência de quem está com o joystick nas mãos.

Todavia, horas mais tarde, ao chegar em casa e começar a jogar, este crítico que continua escrevendo percebeu que aquele era um jogo diferente dos outros, pois foi capaz de lhe causar uma sensação de medo que há muito ele não sentia, talvez desde os tempos do Hotel Overlook, onde duas garotinhas mortas falavam com um menino chamado Danny, querendo que ele brincasse com elas “para todo o sempre”. É isso mesmo, prezado delfonauta, ao jogar o tal Silent Hill, eu sentia frios na espinha a cada momento, numa tensão constante.

Sem dúvidas, aquele foi o game que mais me amedrontou até hoje e, o mais curioso dessa história toda, para terminar logo essa digressão já que lá se foram quatro parágrafos, é que não saiu da minha cabeça, durante todas as horas que eu levei para terminar o jogo, o pensamento de que Silent Hill precisava virar um filme. Definitivamente eu já vislumbrava, naqueles dias, a emoção de ver levada às telas grandes aquela história de mistério e horror. Bom, como você já sabe, o meu sonho se tornou realidade e sobre o resultado você lê logo aqui em baixo, no quinto parágrafo. Calma, não desista!

Se você está boiando até agora, pois nunca ouviu falar do jogo e mal sabe do que se trata, vamos à sinopse. Preocupada com a doença da filha Sharon, que costuma falar sobre a cidade de Silent Hill quando está sonâmbula, sua mãe, Rose (Radha Mitchell), decide levá-la sozinha (sem a ajuda do marido) até o lugar para ver se a menina se cura. O problema é que a cidade está desocupada e foi isolada pela polícia local desde que um misterioso incêndio dizimou parte da população.

Ao se aproximar de Silent Hill, Rose acaba derrapando com o carro e bate a cabeça no volante. Quando acorda e vê que Sharon não está mais no veículo, ela começa a percorrer as ruas daquela cidade repleta de névoa e de cinzas, numa busca incansável pela filha. Enquanto o marido Christopher (Sean Bean) tenta encontrar Rose e Sharon no mundo real, Rose se vê presa em outra dimensão, numa cidade repleta de criaturas demoníacas.

Bom, para quem gosta do jogo (me refiro aqui à parte 1), ou ao menos já conhece por ter visto alguém jogando, uma das características do filme que certamente não decepciona é o visual. Tanto a fotografia e a concepção cenográfica como os figurinos foram realizados de modo tão fiel ao game que chega a ser impressionante. É de respirar fundo e se questionar o porquê de outros filmes baseados em jogos de videogame não terem jamais conseguido antes algo essencial como ser fiel às suas origens, pelo menos na parte estética, afinal os fãs de jogos gostam de ver nessas transposições algo que remeta ao game e não a uma coisa completamente diferente dele.

Obviamente existem enormes diferenças entre assistir a um filme baseado em um jogo e jogar no computador ou no videogame. São dois meios de entretenimento que podem se aproximar vez ou outra, mas são bem distintos. E o grande defeito de Terror em Silent Hill decorre justamente do fato de que um filme não é um game. É evidente que, no filme, você não é capaz de controlar as ações da protagonista e isso significa que ela pode fazer coisas meio estúpidas (e também clichês de filmes de terror) que você, esperto delfonauta game-maníaco, não faria se estivesse no controle da garota.

Isso acaba levando alguns espectadores desrespeitosos com os games (para eles um mero entretenimento que faz mal para o cérebro) até mesmo a rir de algumas reações da protagonista e também de momentos importantes do filme, nos quais ele tenta ser bem fiel ao jogo, como na movimentação macabra de algumas criaturas bizarras, vista como motivo de chacota daqueles que não vão perder nenhum filme da Mostra de Cinema de São Paulo. Afinal, para eles, cinema de verdade tem que ter cenas de quarenta minutos de dois caras andando num deserto, sem diálogo. Vai entender.

A verdade é que os risos dessas pessoas atrapalham muito o clima do filme e me deixou a sensação de que Terror em Silent Hill não causa as reações de medo e de suspense que eu esperava sentir. Mas isso foi só uma impressão que pode mudar quando eu tiver a chance de vê-lo novamente, no aconchego do meu lar, sem pessoas ao redor (eu já disse que odeio pessoas? Pois é. Não odeio todas as pessoas do mundo, mas boa parte delas e principalmente as que sentam ao meu lado nas salas de cinema – Nota do Corrales: Ei, essa frase é minha!).

Se, de fato, esta obra de Christophe Gans se provar entre os espectadores normais como um filme de terror que não dá medo, ainda assim há muito a ser aproveitado pelos interessados. Acho inclusive que essa característica é relativamente negativa, pois tanto pode decepcionar alguns fãs como também conceber neles um efeito contrário, no sentido de que jogo e filme podem se tornar complementares.

Não entendeu? É mais ou menos isso: se o que você quer é sentir medo, jogue. Todavia, se o que você procura são respostas para alguns dos mistérios que rondam a cidade de Silent Hill (digo alguns porque, se fossem todos revelados, com certeza tudo perderia a graça), então parta em busca dessas informações com a ajuda do filme.

O grande trunfo que Terror em Silent Hill apresenta, a meu ver, é essa sutileza na hora de passar as informações. O filme dá pistas, mas não revela tudo, o que é notável dentro do meio cinematográfico estadunidense, que tem a mania de entregar aos espectadores os fatos muito bem explicados. Assim como o game, algumas perguntas permanecem no ar, ao fim do filme, dando o clima típico e muito adorado por aqueles que, assim como eu, já se aventuraram e hoje continuam com uma certa fixação pelo terror que é jogar qualquer um dos jogos da franquia.

Se tudo o que eu disse até agora fez você boiar no tema ainda mais, me desculpe. Para você que não gosta de jogar videogame, não vai passar a gostar por causa deste filme. Se só quer saber se vale a pena gastar seu dinheiro com ele, eu darei um conselho para que você possa aproveitar melhor o Terror em Silent Hill: ao menos durante o filme, abra sua mente para outra dimensão, mergulhe nesse mundo de monstros e, principalmente, não o compare a qualquer outro filme de terror, pois ele vai bem além disso.

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Alfredo De la Mancha
Alfredo é um dragão nerd que sonha em mostrar para todos que dragões vermelhos também podem ser gente boa. Tentou entrar no DELFOS como colunista, mas quando tinha um de seus textos rejeitados, soltava fogo no escritório inteiro, causando grandes prejuízos. Resolveu, então, aproveitar sua aparência fofinha para se tornar o mascote oficial do site.
terror-em-silent-hillPaís: EUA<br> Ano: 2006<br> Gênero: Terror<br> Duração: 127 minutos<br> Roteiro: Roger Avary.<br> Produtor: Don Carmody, Samuel Hadida.<br> Diretor: Christophe Gans.<br> Distribuidor: Sony Pictures Entertainment, TriStar Pictures.<br>