Você pode reclamar que o título dessa notícia é um spoiler, e estaria correto. Só que, provavelmente, esse spoiler será amplamente divulgado por sites da mídia mainstream, de forma que acaba fazendo pouco sentido te preservar disso. Assim, vamos à verdadeira notícia.
Action Comics, a principal revista do Superman nos EUA, chegou à sua edição de número 900. Se você acha que isso não é surpreendente, imagine que, para chegar a esse número, é preciso ter publicado, ininterruptamente, uma edição por mês durante 75 anos. Para comemorar o marco, esta edição contou com participações especiais no roteiro de features, histórias curtas que saem como bônus na edição, além da história principal.
Em Action Comics #900, o Superman enfrenta um Lex Luthor com poder absoluto em todos os sentidos. Mas não é por essa história que essa edição será lembrada. Não, ela será lembrada por uma feature escrita por David Goyer, o mesmo sujeito que escreveu o roteiro do próximo filme do Homem de Aço. Uma feature onde o Superman rejeita a cidadania estadunidense e diz que “verdade, justiça e o modo americano não são mais suficientes“.
Em contexto: Goyer mostra o Superman indo até o Irã apoiar rebeldes contra o governo de Ahamadinejad, inserindo o universo DC dentro de eventos geopolíticos do mundo real, coisa que a editora sempre evitou. Obviamente, isso causa um incidente internacional e um imbróglio para o herói junto ao governo estadunidense. Assim, para evitar maiores problemas, o Homem de Aço vai até a ONU e rejeita a sua cidadania do país. E isso é estúpido de tantas maneiras que eu não sei nem por onde começar.
Claro, muitos vão argumentar aí nos comentários que isso é incrível, que finalmente a Warner viu que o Superman era bonzinho demais e que tinha de se afastar dos EUA para ser um herói interessante.
Mas, como bem lembrou o Bleeding Cool, há 10 anos a DC publicou uma história intitulada “What’s so funny about Truth, Justice and the American Way?” (“Olho Por Olho?” aqui no Brasil), que considero uma das melhores histórias do Superman já feitas.
Nessa história genial, o Superman tem de lidar com o anti-herói Manchester Black e sua tropa de elite que não mede esforços para matar os vilões e fazer justiça a ferro e fogo, colocando em cheque os valores do Superman ante à população global. Em um desfecho incrível, Clark acaba mostrando que quando vale apenas o “olho por olho” todo mundo acaba ficando cego.
Essa história foi uma resposta da DC a questionamentos sobre porque os heróis não devem ser violentos. Sobre porque ela mostra o Superman como um escoteiro azul e não como o Apollo de Warren Ellis ou o Sentinela da Marvel: porque se ele fizer isso, ele deixa de ser o Superman. O herói É um monte de clichés, ele É perfeito, ele É poderoso.
Num contexto real, ele não teria a menor graça, pois poderia realmente fazer absolutamente tudo. Ele foi criado assim, abandonar isso é abandonar a sua essência. É como se você chamasse a Bíblia de Bíblia após remover o Pentateuco.
E foi isso que a DC fez com o Superman em Action Comics #900. Fez ele abandonar um dos seus principais valores. Aliás, pior, tornou-o um hipócrita, pois ele apenas disse abandonar este valor, sendo que nas HQs, por motivos óbvios, ele vai continuar defendendo-os de forma não explícita. Tudo isso exatamente após o Superman caminhar por várias cidades dos EUA para tentar “reencontrar seu lugar no mundo” durante o arco Grounded, de Straczynski. Que mensagem eles querem passar? Que ele andou pelos EUA e não gostou do que viu? Isso será um prato cheio para a mídia conservadora estadunidense. A DC mexeu num vespeiro.
Sim, esse acontecimento será completamente ignorado pelos autores depois de alguns meses, e o Superman voltará ao seu status quo. A DC, mais de uma vez, já disse que o seu mundo não é o mundo real, tanto é que o 11 de Setembro nunca aconteceu por lá. No entanto isso deixa duas dúvidas principais: será que David Goyer fez algo parecido no roteiro de Man of Steel? E o que será que os editores da DC estavam fumando quando aprovaram esta história?