O amigo delfonauta já sentiu que, embora esteja protagonizando a sua vida, muitas vezes está apenas assistindo aos fatos se desenrolarem, sem a capacidade – ou o direito – de tomar decisões ou interferir? Como se você fosse um NPC na sua própria vida? Se a resposta foi sim, Sinédoque, Nova York, foi feito para você.
Aqui é onde a gente deveria colocar a sinopse. Mas, sinceramente, eu não consigo fazer uma sinopse para esse filme. E mesmo a oficial, enviada pela distribuidora, não faz jus ao que acontece na tela. Se você faz questão, fique sabendo que Caden (o Capote, Philip Seymour Hoffman) é um diretor de teatro frustrado, que está para ficar ainda mais frustrado. Então, ele resolve fazer uma peça representando o cotidiano da sua vida e das pessoas próximas a ele. Isso é o máximo que posso fazer por você, e não chega nem perto de descrever de forma justa o que acontece no filme.
Tanta dificuldade para fazer a sinopse se deve ao fato de que Sinédoque, Nova York é nonsense. E não aquele nonsense engraçado que a gente adora. Tá, tem humor, mas é um humor bem (beeeem) negro, daqueles que você ri para não chorar. Na verdade, o nonsense que temos aqui está mais para David Lynch do que para Monty Python. E eu odeio David Lynch.
Assim, passei toda a projeção e boa parte do tempo depois dela me perguntando porque eu desprezo qualquer coisa assinada pelo diretor de Cidade dos Sonhos (só de escrever esse nome já sinto vontade de me encolher num canto em posição fetal e chupar o dedo até que ele se torne carne viva e comece a cantar para mim – o que seria algo absurdamente normal se minha cinebiografia fosse dirigida por Lynch) se estava achando este filme fenomenal.
A melhor resposta que cheguei para isso é que o David Lynch simplesmente junta três horas de imagens sem sentido, coloca umas duas ou três cenas com pessoas cantando, adiciona uma pitada de lesbianismo e daí chama aquilo de filme, quando é, se tanto, um videoclipe extremamente longo e sem roteiro. Sinédoque não é assim. Ou talvez seja. Depende de quanto a história reflita a sua personalidade e seus próprios sentimentos. Talvez eu não suporte David Lynch, pois seus filmes não têm absolutamente nada a ver comigo. Por outro lado, alguém que se veja refletido em um filme dele talvez tenha as mesmas coisas a reclamar desta obra de Charlie Kaufman.
Este não é o primeiro flerte de Charlie Kaufman com o nonsense, pois ele já brincou com isso em vários de seus roteiros, em especial nos mais conhecidos – e excelentes – Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças e, em maior grau, em Quero Ser John Malkovich.
Assim, não espere por uma narrativa simples ou por uma separação perfeita entre peça e realidade. Aliás, espere, sim, assistir à peça dentro da peça dentro da peça dentro da peça dentro da realidade dentro da peça dentro de uma casa que fica constantemente pegando fogo. Entendeu? Pois é. Prepare-se para ser confundido.
Por trás de toda a confusão e todo o absurdo, no entanto, esconde-se o que realmente o filme quer passar. E, se você se identifica com meus textos aqui no DELFOS, muito provavelmente também vai se identificar com o filme. Eu, pelo menos, me vi refletido em várias cenas, pensamentos e inseguranças do protagonista. E o final, quando o ponto começa a ficar abundantemente claro, é extremamente pesado. É melhor levar alguém com você para a pessoa não deixar você cometer suicídio ao sair da sessão. Ou, pelo menos, para ter um ombro onde chorar, pois você vai chorar.
Mesmo quando se aventura na direção, Charlie Kaufman volta a se destacar pelo roteiro. Sinédoque, Nova York é um filme que pode ser lindo ou incompreensível, dependendo do quanto você entre em sua (falta de) realidade. Seja como for, ele é absurdamente triste, então é melhor não ir ver se estiver deprimido, ou só vai piorar as coisas. E, mesmo se você estiver alegre, prepare-se para ter essa alegria destruída em seus 124 minutos. Se sua ideia de um bom final de semana é assistir a um filme que acabe com a sua alegria, não perca. =)
Curiosidade:
– Quem diria que Samantha Morton, a precog de Minority Report, era ruiva? E buga-bugueável, ainda por cima. Sim, é ela na foto aí do lado. Hum… ruivas buga-bugueáveis com bacon frito.