Seinfeld

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Viver em sociedade pode ser uma tarefa muito complicada. Nós, brazucas em especial (com essa deplorável cultura do jeitinho brasileiro), sabemos disso muito bem. Mas, usando aquele velho bordão do “é rir para não chorar”, ao menos temos uma série para esculhambar essas complicadas e muitas vezes bizarras relações humanas.

Claro, estou falando de Seinfeld, que este mês completa 25 anos de sua estreia (o episódio piloto foi exibido nos EUA em cinco de julho de 1989), a famosa melhor série sobre o nada, como é propagandeada, mas que na verdade é sobre muita coisa. Tida como uma das melhores, senão a melhor sitcom estadunidense, Seinfeld marcou época, deixou saudades e ainda influencia um monte de comédias com seu humor ácido, cínico e crítico, que não poupa nem seus próprios protagonistas.

Por conta disso tudo, já estava mais do que na hora desta série ganhar uma merecida resenha delfiana. Então comecemos por uma visão geral do seriado, com o que tem de bom e ruim. Vamos lá?

A SÉRIE:

Criada pelo comediante de stand up Jerry Seinfeld e pelo escritor Larry David, a princípio o programa seria algo bem diferente do que foi ao ar. A ideia inicial era mostrar todo o processo de trabalho de um comediante stand up, desde a criação de seu número humorístico até o momento de apresentá-lo, englobando tudo que há no meio disso.

No entanto, essa ideia acabou não vingando e quando a primeira temporada foi ao ar no fim de maio de 1990 nos EUA, era apenas mais uma entre um oceano de sitcoms (formato popularíssimo na terra do Tio Sam) e, por sinal, bem ruinzinha.

A série é protagonizada por Jerry Seinfeld interpretando uma versão fictícia de si mesmo: um comediante que mora em um apartamento pequeno em Nova Iorque, onde recebe as visitas de seu amigo de infância George, sua ex-namorada e agora apenas amiga Elaine e seu vizinho Kramer. E tudo que acontecia no começo eram os típicos clichês dessas séries, com Jerry lidando com suas desventuras amorosas e contando piadas a esmo.

Aliás, o seriado era tão bobo em suas duas primeiras temporadas, que se fosse feito hoje, teria sido cancelado muito antes de virar o fenômeno que virou. Ele só foi achar sua verdadeira cara lá pela terceira temporada, quando decolou e nunca mais caiu, outro fato bem atípico, pois cada ano que sucedia era melhor que o anterior. E o programa ainda teve as manhas de sair por cima, no auge, inclusive com o que eu considero o melhor final de sitcom de todos os tempos: criativo, sacana, cheio de participações especiais de personagens secundários das temporadas passadas e totalmente condizente com o clima da série, não caindo na cafonice tão comum de últimos episódios em geral.

A verdadeira cara da série a que me referi no parágrafo anterior começa a tomar forma à medida que as personalidades dos quatro personagens principais começam a mudar gradualmente para pior. A cada episódio passado, eles vão se tornando mais e mais cínicos, amorais e egocêntricos (e a vida realmente não faz isso com a gente?), especialmente Jerry e George. Este último, em particular, se transforma de uma espécie de clone do Woody Allen num dos piores seres humanos da face da Terra. Como resultado, é o mais engraçado e o melhor personagem da série.

Ela também pega pesado nas críticas à sociedade contemporânea, com suas regras de etiqueta e convivência, suas idiossincrasias e neuroses. Tudo isso amarrado em roteiros que me parecem fortemente influenciados pela teoria do caos, já que o mais insignificante dos atos no começo de um episódio acaba por gerar grandes (e em sua maioria absurdas) consequências no desenrolar da trama. Aliás, essa é a principal fórmula das histórias.

Isso não significa que eles também não tenham experimentado com outros formatos de narrativa. Aliás, alguns episódios da série são famosos justamente pelas experimentações e também pelas formas de se driblar a censura estadunidense. Como exemplo, há o episódio do restaurante chinês, que se passa em tempo real durante a espera por uma mesa, outro contado de trás para frente (The Betrayal, A Traição) muito antes de um certo Amnésia e o da aposta (The Contest), todo centrado em masturbação e sem que eles possam falar a palavra.

Também apresenta uma enorme galeria de personagens secundários exóticos (para dizer o mínimo) – como o nazista da sopa, o menino da bolha e o louco Joe Devola. Também aparecem sujeitos cheios de definições baseadas em suas características, como o high talker (um cara que fala de forma aguda), a low talker (uma mulher que fala baixo demais), o close talker (um sujeito que fala muito próximo a outra pessoa), a mulher com mãos de homem e por aí vai, sacaneando sem dó esses traços peculiares.

No entanto, algo interessante de se notar é que ele não possui aquele tipo de humor de se dar gargalhadas a todo o momento. Ao menos eu dificilmente dou risada quando assisto. Quando acontece, essa tarefa fica com as maluquices do Kramer. É aquele tipo de humor que faz você sorrir e concordar ao constatar que aqueles absurdos mostrados na tela realmente acontecem na vida real constantemente, o que também não deve nada ao humor mais escrachado. E as análises minuciosas de cada aspecto insignificante da vida cotidiana são outro ponto forte, ao criar um humor filosófico do comum, daí o apelido de melhor série sobre o nada, creio.

Terminada essa análise, nada melhor que conhecer os personagens e também dar uma passada pelas temporadas da série e seus destaques. Comecemos com os protagonistas:

OS PERSONAGENS:

– Jerry Seinfeld (Jerry Seinfeld): Comediante de stand up de relativo sucesso, vive às voltas com os problemas de seus amigos e de sua família. Cínico ao extremo, pega mais mulher que o Gene Simmons (a cada episódio está com uma diferente) e é extremamente superficial em seus relacionamentos. Detalhe: ele adora o Super-Homem e tem seu próprio arquiinimigo, o carteiro Newman, seu vizinho.

– George Costanza (Jason Alexander): Melhor amigo de Jerry desde a escola, George é uma coleção ambulante de neuroses. Um sujeito baixinho, gordinho, de óculos, careca e pouco esperto. Mentiroso quase compulsivo, inventou até uma identidade falsa (Art Vandelay, arquiteto) e não costuma parar muito em seus empregos, pois sempre arranja encrenca graças à sua personalidade nervosinha (ele fala gritando). O personagem é o alter-ego do co-criador da série, Larry David.

– Elaine Benes (Julia Louis-Dreyfus): Elaine foi uma das namoradas de Seinfeld, mas o namoro não deu certo e eles permaneceram grandes amigos (embora no começo da série eles até tentem reatar o caso). Editora de livros, é a mais culta dos quatro, mas se comporta como um dos caras. Sua marca registrada é dar um empurrão forte na pessoa que lhe conta uma boa fofoca ao mesmo tempo que exclama um get out (fala sério).

– Cosmo Kramer (Michael Richards): Vizinho da frente de Jerry, é um sujeito bizarro. Não trabalha, seu apartamento é uma bagunça e vive filando a comida da geladeira de Jerry. Sem noção, fala o que lhe vem à cabeça, o que geralmente gera saias justas para os outros personagens. Desengonçado, é o responsável pelo humor físico da série, já que vive caindo e apresentando trejeitos hilários. Sua marca registrada, além do cabelo estilo Bart Simpson, é entrar no apartamento de Seinfeld de sopetão. Acredite se quiser, o personagem foi inspirado em Kenny Kramer, um antigo vizinho de trabalho de Larry David que viria a fornecer inspiração para várias histórias.

AS TEMPORADAS:

1ª temporada: Após fazer um piloto em 1989 (The Seinfeld Chronicles), os produtores deram luz verde para uma primeira temporada, mas não levavam muita fé no programa, tanto que essa primeira temporada possui apenas quatro episódios. Todos muito bobinhos.

2ª temporada: Apesar do começo fraco de crítica e público, os produtores foram pacientes e a série ganhou uma nova temporada, embora novamente reduzida (esta tem 13 episódios). As situações enfrentadas começam a ficar mais politicamente incorretas, mas os personagens ainda são muito bonzinhos. No entanto, essa temporada já tem um dos episódios-assinatura da série, The Chinese Restaurant, que eu particularmente acho bem chato.

3ª temporada: A série finalmente ganha uma temporada completa, com 23 episódios, e ela começa a engrenar, especialmente nos últimos, assumindo um tom mais cínico e sacana, tanto com as pessoas que passam por suas vidas, quanto para com os próprios protagonistas, que começam a se dar mal regularmente em seus esquemas para levar vantagem sobre tudo. Um dos meus episódios favoritos é The Parking Garage (O Estacionamento), onde o quarteto fica vagando em um estacionamento de shopping procurando o carro, pois se esqueceram onde estacionaram. Uma situação bem rotineira.

4ª temporada: O programa esquenta de vez com uma grande brincadeira metalinguística, onde a NBC oferece a Jerry a chance de gravar um piloto para a televisão e George entra de bicão como escritor, tirando sarro da própria história real de Seinfeld. Esta temporada tem também outro episódio bastante lembrado pelos fãs, The Bubble Boy, onde George consegue o feito de brigar por causa de um jogo de tabuleiro com um moleque que vive dentro de uma bolha de plástico.

5ª temporada: Essa tem pelo menos três dos meus favoritos. The Puffy Shirt (A Camisa Bufante), onde Jerry concorda sem saber em usar uma camisa bufante estilo pirata durante uma aparição em rede nacional de televisão. The Marine Biologist (O Biólogo Marinho), onde graças a uma mentira de Jerry, George tem que fingir para sua nova namorada que é biólogo marinho, uma farsa que ele não domina. E The Opposite, onde George constata que cada decisão que tomou na vida foi errada e Jerry sugere para que ele passe a fazer sempre o oposto do que seus instintos lhe dizem. Ele põe a sugestão em prática e sua vida começa a melhorar. Genial.

6ª temporada: Não há muitos destaques individuais aqui, mas não se engane, a qualidade continua a aumentar. Digamos que essa temporada se destaca por adicionar mais alguns tipos bizarros à vasta galeria de personagens secundários do programa, como O Jimmy, um sujeito que fala de si mesmo em terceira pessoa, e David Puddy, um mecânico lesadão que vira um caso recorrente de Elaine.

7ª temporada: George fica noivo de Susan, executiva da NBC que ele conheceu na época do piloto, e imediatamente se dá conta que fez uma grande besteira, mas não tem coragem de terminar o noivado. Decide ir até o fim, mesmo sendo infeliz para sempre. Essa temporada também tem The Soup Nazi (O Nazista da Sopa), um dos mais famosos da série, e baseado num dono verdadeiro de restaurante que vendia sopa para viagem e tinha um tratamento todo rigoroso para com seus fregueses. Ao final da temporada, George escapa do casamento de maneira hilariamente cruel.

8ª temporada: A temporada já começa bem com The Bizarro Jerry, uma grande homenagem ao Super-Homem, onde Elaine encontra a versão oposta de Seinfeld, um sujeito gentil e prestativo, e descobre que ele também tem suas versões “Bizarro” de George e Kramer. E continua em alta com The Abstinence (A Abstinência), onde George vira um gênio depois que para de pensar em sexo.

9ª temporada: Num dos episódios mais nonsense, The Merv Griffin Show, Kramer acha no lixo o cenário de um antigo talk show e o leva para seu apartamento. Enquanto recebe seus amigos, passa a se portar como se realmente estivesse apresentando um programa, incluindo até paradas para os comerciais. No final do seriado, “Jerry”, a série dentro da série, finalmente recebe luz verde para a produção de uma temporada, e às vésperas da mudança de Jerry e George para Los Angeles, o carma tratará de castigar os quatro por seu mau comportamento nos últimos nove anos.

CURIOSIDADES:

Michael Richards sempre usava figurinos um tamanho maior para fazer Kramer parecer relaxado e folgado. Por outro lado, os figurinos de Jason Alexander eram sempre um tamanho menor para fazer George ter um visual pouco atraente.

– Jerry é o único personagem que aparece em todos os episódios. Elaine não aparece em The Seinfeld Chronicles (As Crônicas de Seinfeld) e The Trip Parts 1 & 2 (A Viagem Partes 1 e 2), Kramer não aparece em The Chinese Restaurant (O Restaurante Chinês) e The Pen (A Caneta). George também não aparece em The Pen.

– A tradicional entrada de Kramer no apartamento de Jerry foi um feliz acidente. Nos primeiros episódios, ele entrava normalmente, mas um dia, durante uma gravação, ele se atrasou nas coxias e perdeu sua deixa. Para não estragar a cena, entrou correndo e escorregando. O público adorou e isso acabou virando sua marca registrada.

Jerry Seinfeld recusou uma oferta da NBC de 110 milhões de verdinhas por uma décima temporada.

– O co-criador e produtor-executivo Larry David aparece diversas vezes na série em pequenas pontas. Ele faz o homem de capa (que era o advogado do pai de George) e o cara da banca de revistas onde George tenta passar uma nota de dinheiro com um rabisco de batom na cara do presidente. Ele também é a voz de George Steinbrenner (o chefe de George nos New York Yankees). Depois do final da série, ele perdeu de vez a timidez e virou a estrela da série Curb Your Enthusiasm/Segura a Onda na HBO, onde também é o criador e escritor.

Julia Louis-Dreyfus não somente não aparece no episódio piloto como nem sabia que ele existia até o lançamento da série em box set de DVDs em 2004.

– O diretor Steven Spielberg comentou em entrevista que, enquanto filmava A Lista de Schindler, ficou tão deprimido (pela temática do filme) que assistia fitas com os episódios de Seinfeld para se animar.

– O filme A Lista de Schindler chegou a aparecer em um episódio da série em que Jerry e sua então namorada se amassam em uma sessão de cinema.

– Os fãs saudosos da série podem matar a saudade dos personagens na fictícia reunião de Seinfeld que acontece na sétima temporada de Curb Your Enthusiasm. Na trama, Larry David concorda em fazer um episódio especial de reunião de Seinfeld apenas para dar um papel coadjuvante à sua ex-mulher e assim reconquistá-la. Ele convence os quatro atores a toparem a empreitada e a reunião em si acontece no último episódio da temporada.

– Recentemente, Seinfeld e Jason Alexander voltaram a interpretar a dupla Jerry e George em um episódio da terceira temporada da nova websérie de Jerry Seinfeld, Comedians in Cars Getting Coffee.

Apesar da série já ter saído do ar há mais de quinze anos, continua atual e engraçada como poucas. Se você gosta de um humor inteligente (e se você está aqui no DELFOS, creio que a resposta é sim) e afiado, cheio de críticas e mordacidade, pedida melhor não há. A série é reprisada até hoje no Brasil pelo canal a cabo Sony, de segunda a sexta, em vários horários que a emissora costuma variar. Para quem prefere ver a série em DVD, você pode comprá-los aqui.

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