Ruídos Delfianos: Iron Maiden – 2 Minutes to Midnight

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Os ingleses do Iron Maiden conquistaram uma legião de cabeludos escolhidos a dedo por Odin não somente por suas pujantes cavalgadas, pelos agudos potentes de Bruce Bruce ou pelo som característico do ditador baixista Steve Harris. Um dos grandes diferenciais da Donzela sempre foram suas letras e conceitos por trás de cada álbum, pensados cuidadosamente.

Fatos históricos, poemas, filmes, livros. Muitas foram as inspirações utilizadas por Steve e sua turma para construir as obras que se tornaram verdadeiros hinos do metal, capazes de fazer madeixas balançarem e pescoços doerem desde 1976. Portanto, ninguém melhor do que eles para estrear esta nova série que se inicia hoje, a Ruídos Delfianos, que vai analisar alguns clássicos do rock e fazer você ficar por dentro de curiosidades da música em geral. E iniciaremos os trabalhos com um verdadeiro clássico do álbum Powerslave: 2 Minutes to Midnight.

Gravada em 1984 e lançada como o décimo single da banda, 2 Minutes to Midnight atingiu o décimo primeiro lugar na UK Singles Chart e o vigésimo quinto na Billboard Hot Mainstream Rock Tracks. A música, escrita por Adrian Smith e Bruce Dickinson, foi lançada posteriormente no álbum Powerslave, do mesmo ano, e ganhou inclusive um videoclipe:

Mas vamos com calma, delfonauta apressadinho que já está rodando em círculo desde que apertou o play aqui em cima. Para entendermos bem a música, precisamos entender um pouco do momento histórico em que ela foi lançada. Então se aconchegue em sua cadeira e se prepare para nossa aula de hoje: a Guerra Fria.

GUERRA FRIA (1945-1991)

A chamada Guerra Fria foi o momento histórico marcado pelas disputas estratégicas e conflitos indiretos entre os EUA e a União Soviética entre 1945 (fim da Segunda Guerra Mundial) e 1991 (extinção da União Soviética). Neste período, houve várias ameaças de uma guerra nuclear entre as duas nações, se tornando um momento histórico de muita incerteza e medo, mesmo sem haver o conflito armado de fato entre as duas potências. A Inglaterra, histórico aliado dos EUA, nunca escondeu de que lado estava nesta briga silenciosa. Você deve se lembrar muito bem o que James Bond fazia com os soviéticos.

O medo de um cataclismo nuclear era tão grande que foi criado na Universidade de Chicago o Relógio do Apocalipse, que era utilizado pelos membros do Bulletin of the Atomic Scientists, um periódico que cobria os acontecimentos envolvendo a segurança global e assuntos de políticas públicas. O relógio simbólico, também chamado de Relógio do Juízo Final, foi construído em 1947, e também aparece na clássica HQ Watchmen.

Desde sua introdução, o relógio vem aparecendo na capa de cada exemplar do Bulletin of the Atomic Scientists, marcando a “quantos minutos a humanidade está da meia-noite”. A meia-noite representa o início da guerra nuclear. É claro que nós nunca chegaremos à meia-noite, não porque eu ache que a guerra nuclear não acontecerá, mas sim porque, se acontecer, a última coisa que estes cientistas vão querer fazer vai ser arrumar o relógio.

Inicialmente marcando sete minutos para a meia-noite, ele tem sido posteriormente avançado ou retrocedido em intervalos regulares, dependendo do estado mundial e da perspectiva de uma guerra nuclear. O ajuste é arbitrário, feito pela diretoria do Bulletin of the Atomic Scientists em resposta aos acontecimentos recentes da política mundial. No site Thebulletin.org você pode ver todos os horários que o relógio marcou até hoje.

QUANDO O RELÓGIO ATINGIU 2 MINUTOS PARA MEIA-NOITE

Calma, delfonauta, já está quase na hora do recreio. Agora chegamos finalmente no fatídico momento dos “dois minutos para meia-noite”.

O acontecimento se deu em 1953. Este número, o mais próximo da meia-noite que o relógio atingiu, se deu porque Estados Unidos e a União Soviética testaram dispositivos termonucleares no intervalo de nove meses entre um e outro.

A letra criada pelos membros da Donzela, portanto, faz referência a este acontecimento em particular para estabelecer uma série de críticas ferrenhas e recheadas de sarcasmo de toda a situação da Guerra Fria, focando principalmente nos governantes da época. Tem coisas que não mudam, não é mesmo?

Vale lembrar que, em 1984, quando a música foi lançada, a humanidade já conhecia o terror da bomba nuclear pois, 39 anos antes, em 1945, foram lançadas as bombas batizadas de Fat Man e Little Boy, que atingiram as cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki, no fim da Segunda Guerra Mundial.

MEIA-NOITE… A NOITE INTEIRA

Bruce nesta letra não poupa ninguém. Começa criticando a falta de uma razão justificável para esta guerra (se é que alguma guerra pode ser justificada), deixando claro o interesse comercial que estaria por trás da especulação do conflito: Kill for gain or shoot to maim/ But we don’t need a reason/ The Golden Goose is on the loose/ And never out of season. (“Matar pelo lucro ou atirar para mutilar/ Mas nós não precisamos de uma razão/ O Ganso Dourado está solto/ E nunca fora de estação”).

Além disso, tece comentários sobre um dos grandes focos da Guerra Fria: a corrida armamentista. EUA e URSS disputavam uma verdadeira corrida para saber quem detinha maior poder de fogo e hegemonia tecnológica da época. As duas potências entraram em uma verdadeira competição que não se limitava apenas a armas. Você deve se lembrar da “corrida espacial” que aconteceu na época, quando os americanos e os soviéticos disputavam freneticamente a dianteira nas pesquisas e descobertas de tecnologias que poderiam levar o homem à conquista da fronteira final.

Esta referência à busca por armas fica clara, acompanhada de novas críticas aos politicos da época, em trechos como: As the madmen play on words and make us all/ dance to their song/ To the tune of starving millions/ to make a better kind of gun. (“Enquanto os loucos brincam com palavras/ E nos fazem dançar a sua música/ Na melodia de milhões de famintos/ Para fazer um tipo melhor de arma”.)

Menções como estas permeiam toda a letra da música. Nada é poupado, e até alguns detalhes que podem parecer menos importantes são friamente pensados, como o trecho: The Napalm screams of human flames/ Of a prime time Belsen feast. (“Os gritos de napalm de tochas humanas/ Num banquete de primeira ao estilo Belsen”).

Bergen-Belsen, ou somente Belsen, foi um campo de concentração alemão da época de Adolf Hitler. Localizava-se no atual estado alemão da Baixa Saxônia, no distrito urbano de Celle.

O campo entrou em funcionamento em 1940 para abrigar prisioneiros de guerra. Depois de 1941, cerca de 20.000 soldados soviéticos foram torturados e mortos no campo. Só então, em 1942, a SS assumiu o comando do campo, tornando-o um campo de concentração para judeus, homossexuais e ciganos. O campo foi libertado pelos britânicos em 1945. Entre as milhares de pessoas que morreram neste campo, estava Anne Frank, que ficou famosa por seu diário que se tornou um importante relato documentado da época. Dickinson sabia do que estava falando.

Não podemos esquecer também que muitas das passagens da letra fazem menção aos conflitos indiretos que aconteceram entre as duas potências. Entre os mais famosos, se destaca a Guerra do Vietnã, que começou em 1955 e se estendeu até 1975. Na época, muitos jovens britânicos chegaram a ir às ruas para protestar contra a participação da Inglaterra ao lado dos americanos, que também sofria protestos em seu país. Conflitos como esses também ocorreram na Coréia e foi durante a Guerra Fria que os britânicos se engajaram na reconquista das ilhas Falklands, conhecida por nós como ilhas Malvinas, que estavam sob posse da Argentina. Mais e mais mortes: “Go to war again/ blood is freedom’s stain/ Don’t you pray for my soul anymore”. (“Vá para a guerra de novo/ o sangue é a mancha da liberdade/ Nunca mais reze pela minha alma”).

UM RELATO HISTÓRICO AO SOM DE GUITARRAS DISTORCIDAS

É isso mesmo, delfonauta do fundão. E pare de jogar papel no cabelo do seu coleguinha da frente!

2 Minutes to Midnight pode ser vista, não apenas como uma música tremendona, capaz de fazer qualquer headbanger mexer suas madeixas mal-cheirosas compridas e sentir o poder de Odin. 2 Minutes vai além e se consolida como um verdadeiro relato histórico do momento em que viviam na época, uma verdadeira crônica da Guerra Fria, acompanhada de agudos e distorção.

Fique com a letra traduzida da música:

Matar pelo lucro ou atirar para mutilar
Mas nós não precisamos de uma razão
O Ganso Dourado está solto
E nunca fora de estação
O orgulho escurecido continua queimando
Desta casca de traição sangrenta
Aqui está minha arma para um pouco de diversão
Pelo amor dos mortos vivos

A cria do assassino ou a semente do demônio
O glamour, a fortuna, o sofrimento
Vá para a guerra de novo, o sangue é a mancha da liberdade
Nunca mais reze pela minha alma

2 minutos para a meia-noite,
As mãos que ameaçam a condenação.
2 minutos para a meia-noite,
Para matar o não-nascido no útero.

Os cegos gritam, deixam as criaturas saírem
Nós mostraremos aos descrentes
Os gritos de napalm de tochas humanas
Num banquete de primeira ao estilo Belsen
Enquanto os motivos pela matança cortem suas carnes e lambem o molho
Nós lubrificamos as mandíbulas da máquina de guerra
E a alimentamos com nossos bebês

A cria do assassino ou a semente do demônio
O glamour, a fortuna, o sofrimento
Vá para a guerra de novo, o sangue é a mancha da liberdade
Nunca mais reze pela minha alma

2 minutos para a meia-noite
As mãos que ameaçam a condenação
2 minutos para a meia-noite
Para matar o não-nascido no útero

Os sacos de corpos e pedaços de crianças partidas ao meio
E os cérebros pastosos dos que sobraram
Para apontar o dedo para você
Enquanto os loucos brincam com palavras
E nos fazem dançar a sua música
Na melodia de milhões de famintos
Para fazer um tipo melhor de arma

A cria do assassino ou a semente do demônio
O glamour, a fortuna, o sofrimento
Vá para a guerra de novo, o sangue é a mancha da liberdade
Nunca mais reze pela minha alma

2 minutos para a meia-noite
As mãos que ameaçam a condenação
2 minutos para a meia-noite
Para matar o não-nascido no útero.
Meia-noite… Meia-noite… Meia-noite… É a noite inteira.
Meia-noite… Meia-noite… Meia-noite… É a noite inteira.

Gostou da nossa aula? Você já tinha reparado como as letras da Donzela são tremendonas? Mas não é somente Bruce e cia. que sabem escrever músicas com mensagens fortes e cheias de referências. O mundo da música está repleto de histórias fascinantes, portanto, mantenha-se delfonado para acompanhar as próximas edições.

Aliás, que músicas você gostaria de ver também analisadas por aqui? Faça sua aposta, pedido e dê sua sugestão nos comentários.

Uma última informação: o Relógio do Juízo Final continua ativo até hoje, e atualmente marca 11:55, cinco minutos para meia-noite. É, apenas cinco minutos para meia-noite. A raça humana nunca está longe da escuridão.